Decrescimento económico socialmente sustentável
- Opinión
A crise económica de 2008-2009 oferece a oportunidade de colocar a economia dos países ricos numa diferente trajetória, no que concerne os fluxos de energia e de materiais.
Antes de 2008, as emissões mundiais de dióxido de carbono cresciam 3 por cento ao ano, e prevê-se que atingiríamos 450 ppm (partes por milhão) em 30 anos. As emissões de dióxido de carbono atingiram um «pico» em 2007. Chegou a hora de uma transição socioeconómica permanente que baixe os níveis de uso de energia e de materiais, incluindo o decréscimo de AHPPL (AHPPL: apropriação humana de produção primária líquida). A crise pode abrir também a oportunidade de uma reestruturação das instituições sociais. O objetivo nos países ricos deveria ser o de viver bem sem o imperativo de crescimento económico.
Além disso,
estaremos a caminho de uma redução da população mundial quando
esta chegar ao pico dos 8 mil (ou 8,5 mil) milhões, reduzindo assim
a pressão sobre os recursos e vazadouros (sinks) na segunda metade
do século XXI
O apoio explícito de Georgescu-Roegen, em 1979, ao conceito de decrescimento (Grinevald and Rens, 1979), as perspetivas de Herman Daly sobre o estado estacionário (steady-state) desde o início dos anos 1970, o êxito de Serge Latouche em França e na Itália, na última década, ao insistir no decrescimento económico (Latouche, 2007), prepararam o terreno. Chegou o momento, nos países ricos, de um decrescimento económico socialmente sustentável reforçado por uma aliança com o «ambientalismo dos pobres» no hemisfério sul.
A
economia tem três níveis
O livro Economia
Cartesiana, de Frederick Soddy, foi publicado em 1922, e Riqueza,
Riqueza Virtual e Dívida, em 1926. Ganhou o Prémio Nobel de Química
e foi professor em Oxford, como explico no meu livro Economia
Ecológica, de 1987. A minha interpretação das concepções de
Frederick Soddy é semelhante à do artigo de Herman Daly sobre ele,
datado de 1980. Os ensinamentos de Soddy nos anos 1920 tornaram-se
fáceis de entender para os economistas ecológicos que tinham lido A
Lei da Entropia e o Processo Económico, de 1971, de
Georgescu-Roegen.
O essencial em Soddy
era simples e aplica-se hoje. É fácil ao sistema financeiro
aumentar as dívidas (dívidas públicas ou privadas), e tomar
falsamente essa expansão do crédito por criação de riqueza real.
Porém, no sistema industrial, o crescimento da produção e o
crescimento do consumo implicam crescimento da extração e
destruição final dos combustíveis fósseis. A energia dissipa-se,
não se pode reciclá-la. Riqueza real seria, em vez disso, o fluxo
permanente de energia proveniente do sol. A contabilidade econômica
é falsa porque confunde o esgotamento dos recursos e o aumento de
entropia com a criação de riqueza.
A obrigação de
pagar dívidas a juro composto poderia ser satisfeita espremendo por
algum tempo os devedores. Outros meios de pagar a dívida são a
inflação (depreciação do valor da moeda) ou o crescimento
econômico – que se mede de maneira falsa porque se baseia na
subvalorização de recursos esgotáveis e na não valorização da
poluição. A contabilidade econômica não dá conta adequadamente
dos prejuízos ambientais e da esgotabilidade dos recursos. Era essa
a doutrina de Soddy. Foi sem dúvida um precursor da economia
ecológica.
Por outras palavras,
a economia tem três níveis. No topo situa-se o nível financeiro
que pode crescer por meio de empréstimos feitos ao setor privado ou
ao estado, por vezes sem qualquer garantia de reembolso como acontece
na atual crise. O sistema financeiro saca de empréstimo ao futuro,
na expectativa de que um crescimento econômica indefinido há de
proporcionar os meios de reembolsar os juros e as dívidas. O sistema
financeiro cria riqueza «virtual». Os bancos concedem crédito
muito para além do que possuem em depósitos, e isso impele ou
empurra o crescimento econômica pelo menos por algum tempo.
Vem depois aquilo a
que os economistas chamam a economia real, a chamada economia
produtiva. Como refere o The Economist (11 de abril de 2009), Hakan
Samuelsson, presidente da empresa alemã de fabricação de caminhões
MAN, fez essa distinção com toda a clareza quando afirmou: «Criar
valor através da alavanca financeira será mais difícil no futuro,
podemos por isso regressar à nossa real tarefa que é a de criar
valor industrial através da tecnologia, da inovação e do fabrico
eficiente».
Quando a economia
real dos economistas cresce, ela de fato permite reembolsar alguma ou
toda a dívida; quando não cresce o suficiente, a dívida fica por
pagar. A montanha da dívida cresceu em 2008 muito para além daquilo
que os acréscimos do PIB (Produto Interno Bruto, GDP) poderiam
pagar. A situação não era financeiramente sustentável. Mas o
próprio PIB não era ecologicamente sustentável.
Mais abaixo, no
alicerce da construção econômica, subjacente à economia real dos
economistas, situa-se o terceiro nível: a economia real-real dos
economistas ecológicos, os fluxos de energia e de materiais
(transportados por camiões e navios). O seu crescimento depende em
parte de fatores econômica (tipos de mercados, preços) e em parte
de limites físicos. Atualmente, existem não apenas limites em
recursos, mas também limites notórios dos vazadouros. As alterações
climáticas são causadas principalmente pela queima excessiva de
combustíveis fósseis.
Regressar ao
«crescimento alimentado pela dívida» após 2009 não seria apenas
financeiramente perigoso. É na verdade impossível atualmente, já
que os bancos estão saturados de «ativos tóxicos» e, por isso,
relutantes em emprestar. A própria frase é enganadora. O
crescimento não é «alimentado» pela dívida e pelo dinheiro, ele
é, prosaicamente, alimentado pelo carvão, pelo petróleo e pelo
gás. Os combustíveis fósseis não são produzidos pela economia,
foram produzidos geologicamente há muito tempo atrás.
Keynesianismo
verde ou decrescimento sustentável?
A crise econômica de
2008-2009 fez regressar John Maynard Keynes à boca da cena. Em
linguagem keynesiana, podemos dizer que as economias têm capacidade
produtiva não utilizada, existe um fosso entre a procura efetiva e a
utilização em plena capacidade do trabalho e do equipamento
industrial. O desemprego está a aumentar, e o remédio adequado é
aumentar a despesa pública, «despesa ao abrigo do défice», como
se diz. A despesa pública é boa porque, indiretamente, leva a
comprar carros e a pagar as hipotecas e mesmo a comprar novas casas,
arrancando essas indústrias da depressão. Os governos encontram-se
sob pressão não apenas para aumentar a despesa em investimento
público ou em consumo, mas para refinanciar as dívidas privadas aos
bancos, dívidas que não serão pagas («ativos tóxicos»),
convertendo até certo ponto essas dívidas privadas em dívidas
públicas.
Keynes quis sair da
crise de 1929. A receita pré-keynesiana de esperar que o mercado
atingisse o equilíbrio esperando, portanto, que o desemprego
crescente deprimisse os salários a tal ponto que os empresários
voltariam a querer admitir de novo trabalhadores, foi desastrosa.
Para esclarecer esse ponto, Keynes teve o célebre dito de que não
lhe interessava o que viesse a acontecer no longo prazo quando a
economia tivesse recuperado da crise.
Nos anos 1950,
economistas como Roy Harrod e Evsey Domar converteram o keynesianismo
numa doutrina de crescimento de longo prazo. Desde que houvesse
bastante despesa pública ou privada em consumo e investimento para
manter a procura efetiva próxima da oferta potencial com plena
capacidade de utilização, a economia não entraria em crise.
Entretanto, o investimento teria feito aumentar a oferta potencial,
de forma a que nova despesa seria exigida na ronda seguinte de modo a
que a economia não entrasse em crise, numa via virtuosa de
crescimento contínuo. Esses modelos econômicos eram metafísicos no
sentido em que não tinham em consideração o caráter esgotável
dos recursos ou a poluição.
O keynesianismo foi triunfante
nos anos 1960, a era do petróleo baratíssimo. Mais tarde, tanto os
keynesianismos de curto como os de longo prazo foram abandonados. O
pensamento neoliberal ressuscitou. Os neoliberais, como Hayek,
achavam que os mercados sabiam muito mais do que o estado. Mas uma
objeção ao neoliberalismo que não obteve resposta, formulada pelos
ambientalistas, era que o mercado não valorizava a escassez futura e
intergeracional (como tinha já notado Otto Neurath em Viena nos anos
1920 em contraposição a Von Mises e Hayek no debate sobre o cálculo
socialista, cf. Martinez-Alier, 1987).
Na crise de
2008-2009, o neoliberalismo passa por doença grave. Alguns
banqueiros estão a pedir que o estado tome conta dos seus bancos.
Keynes regressou, reencarnado em Stiglitz e Krugman. Na qualidade de
economistas ecológicos, temos que perguntar: estamos perante um
Keynes de curto prazo para sairmos dos piores aspectos da crise, ou
também um Keynes de longo prazo para entrarmos numa via de
crescimento econômico contínuo?
Aqueles que propõem um
keynesianismo Verde ou um New Deal Verde de curto prazo como medida
temporária estão próximos de uma economia ecológica. Se o
investimento público tiver que crescer, como na verdade tem, para
conter o aumento do desemprego, é melhor canalizá-lo para o
bem-estar dos cidadãos e para «tornar verde» a produção de
energia, do que para a construção de autoestradas e aeroportos.
No entanto, o
keynesianismo Verde não se deveria tornar uma doutrina de
crescimento econômico contínuo.
Até agora, o crescimento deu-se com o uso de energia do carvão,
petróleo e gás natural. No keynesianismo verde parece desejável
aumentar o investimento público em conservação da energia,
instalações fotovoltaicas, transportes públicos urbanos,
recuperação de habitações, agricultura biológica. Mas não
parece desejável perseverar na crença no crescimento econômico.
Nos países ricos um ligeiro declínio econômico está já a
verificar-se e facilmente se poderia tornar socialmente sustentável.
Não estamos nos anos
1930 – na Europa existem economias com rendimentos per capita de
mais de 25 mil euros. É possível obter um recuo de 10 por cento
(com um decréscimo correspondente de energia e fluxos materiais)
caso existam ou sejam criadas instituições de redistribuição.
Desse modo, entraremos numa transição socioecológica. Existe já
um acordo na Europa para que as emissões de dióxido de carbono
sejam reduzidas em 20 por cento em relação a 1990. Na realidade, as
emissões e o PIB, estão, no início de 2009, a diminuir mais
depressa que o exigido para atingir esse alvo.
Há muitas décadas
atrás, o movimento feminista mostrou com clareza que o PIB não
valoriza o que não se encontra no mercado, como o trabalho doméstico
não pago e o trabalho voluntário. Uma sociedade rica em «bens e
serviços relacionais» teria um PIB mais baixo do que uma
(impossível) sociedade na qual as relações pessoais fossem
exclusivamente mediadas pelo mercado.
O movimento pelo
decrescimento sustentável insiste no valor não crematístico dos
serviços locais e recíprocos. Além disso, os economistas (ou
melhor, os psicólogos) concordam agora em que, acima de um certo
limiar, o crescimento do PIB não conduz necessariamente a uma maior
felicidade. Essa pesquisa atualiza a literatura sobre o chamado
paradoxo de Easterlin (veja
http://en.wikipedia.org/wiki/Easterlin_paradox). Por isso, o PIB
deveria deixar de ter a posição dominante que tem atualmente em
política e que prejudica exigências sociais e ambientais.
No entanto, o
decrescimento pode provocar problemas sociais que temos que encarar
para que a proposta de decrescimento seja socialmente aceitável. Se
a produtividade do trabalho (por exemplo, o número de carros que um
trabalhador produz por ano) aumenta anualmente 2 por cento mas a
economia não acompanha esse aumento, o resultado será o aumento do
desemprego. A resposta deverá ser dupla. Os aumentos de
produtividade não são corretamente medidos. Se há substituição
de energia humana por máquinas, o preço da energia toma ou não em
conta o esgotamento de recursos e as externalidades negativas?
Sabemos que não.
Mais ainda,
deveríamos separar o direito a receber uma remuneração do fato de
ter um emprego. Essa separação já existe em muitos casos (crianças
e jovens, pensionistas, pessoas que recebem subsídio de desemprego),
mas deveria ser ampliada. Temos que redefinir o que significa
«emprego», tendo em conta os serviços domésticos não pagos e o
setor voluntário, e temos que introduzir ou ampliar a cobertura de
um Rendimento Base ou Rendimento do Cidadão universal.
Outra objeção
surge. Quem pagará a montanha de dívidas, hipotecas e outras
dívidas se a economia não crescer? A resposta tem que ser: ninguém
vai pagar. Não podemos forçar a economia a crescer à taxa do juro
composto segundo a qual as dívidas se acumulam. O sistema financeiro
tem que ter regras diferentes das atuais. Nos Estados Unidos e na
Europa o que é novo não é, pois, o keynesianismo ou mesmo o
keynesianismo verde. O que é novo é um crescente movimento social a
favor do decrescimento sustentável. A crise abre oportunidades a
novas instituições e hábitos sociais.
O
preço do petróleo
O ensino da economia
nas universidades baseia-se ainda numa imagem da economia como um
carrocel entre consumidores e produtores. Encontram-se uns aos outros
em mercados de bens de consumo ou em mercados de serviços de fatores
de produção (como a venda de tempo de trabalho em troca de
salário). Formam-se os preços, trocam-se quantidades. Isso é
Crematística. A contabilidade macroeconómica (PIB) agrega
quantidades multiplicadas pelos preços.
A economia pode ser
descrita, no entanto, de maneira diferente, como um sistema de
transformação de energia (esgotável) e de materiais (incluindo a
água) em produtos e serviços úteis, e finalmente em lixo. É isso
a Economia Ecológica (de N. Georgescu Roegen 1966, Herman Daly 1968,
A. Kneese e R. U. Ayres 1969, Kenneth Boulding 1966). A crítica da
contabilidade econômica convencional realça com freqüência os
valores atuais que esquecem os serviços ambientais prestados pelos
ecossistemas. Os serviços ambientais dos recifes de coral, dos
manguezais, da floresta tropical, podem ser dados pela noção de um
valor monetário por hectare e por ano, sendo então os hectares
perdidos traduzidos em perdas econômicas virtuais. Essa abordagem é
boa porque permite causar impressão no público com a importância
das perdas ambientais, mas é seguramente insuficiente para
compreender as relações entre economia e ambiente, porque a nossa
economia depende da fotossíntese realizada há milhões de anos para
as nossas principais fontes energéticas. Depende de antigos ciclos
bioquímicos para outros recursos minerais que estamos a malbaratar
sem substituição possível.
No
caso do petróleo, o «pico» da curva de Hubbert foi talvez já
atingido. Em 2007 estávamos a extrair quase 87 mbd (milhões de
barris por dia) – em termos de calorias a média mundial era
equivalente a cerca de 20 mil kcal por pessoa e por dia (dez vezes
mais que o insumo de energia alimentar), e nos Estados Unidos era
equivalente a 100 mil kcal por pessoa e por dia. Em termos de energia
exossomática, o petróleo é, pois, muito mais importante do que a
biomassa. No início de 2009, a extração tinha baixado para 84 mbd.
A União Européia, o
Japão, os Estados Unidos e algumas partes da China e da Índia são
grandes importadores líquidos de energia e de materiais. Os Estados
Unidos, tendo atingido o «pico» interno do petróleo nos anos 1970,
importam mais de metade do petróleo que consomem. Essas importações
de energia e materiais para os países ricos têm necessariamente que
ser relativamente baratas para que o seu metabolismo social funcione
adequadamente. Como escreveu Hornborg em 1998, «os preços de
mercado são os meios pelos quais os centros do sistema mundial
extraem energia (ou seja, energia disponível) das periferias», por
vezes com o auxílio da força militar.
A tentativa de pôr o
Iraque a produzir 2 ou 3 mdb extra a partir de 2003 falhou, como
observou com tristeza Alan Greenspan nas suas memórias. A OPEC, após
a queda dos preços do petróleo em 1998, e ajudada pelos esforços
de Hugo Chávez da Venezuela e pela explosão econômica da China e
da Índia, geriu com êxito a restrição da oferta. O preço do
petróleo atingiu o máximo em 2007-2008.
Durante a explosão
no setor da construção nos Estados Unidos, venderam-se casas a
pessoas que foram incapazes de pagar as hipotecas, ou foram
construídas casas (como nas vastas extensões de casas novas vazias
em Espanha) com a esperança de que iriam aparecer compradores
capazes de obter crédito. Os salários reais nos Estados Unidos não
aumentaram muito nos últimos anos, mas o crédito aos consumidores
tinha de fato aumentado. A distribuição do rendimento tinha-se
tornado mais desigual. As poupanças das famílias tinham descido ao
mínimo quando a crise disparou.
Os banqueiros parecem ter
pensado que o crescimento econômico continuaria e aumentaria o valor
das casas que estavam hipotecadas. Fizeram «pacotes» com as
hipotecas e venderam-nos a outros bancos que os venderam ou tentaram
vender a investidores inocentes. A explosão na construção de casas
terminou em 2008. A indústria privada da construção quase parou em
alguns países.
A nacionalização
parcial de alguns bancos na União Européia e nos Estados Unidos
evitou a súbita generalização das falências dos bancos, à custa
do aumento da dívida pública. A despesa baseada no déficit numa
situação de falta de procura agregada é uma receita keynesiana com
a qual é possível estar de acordo na situação atual – deveria
ser aplicada a resolver os problemas sociais mais prementes e em
investimentos ambientais, e não em despesa militar (para defender o
petróleo?) ou na indústria automóvel ou em autoestradas.
Seja como for, a
abertura do crédito financeiro a todos não foi a única causa da
crise, que foi acionada pelos preços elevados do petróleo, devido
não apenas ao oligopólio da OPEC mas também à aproximação do
«pico» do petróleo. De fato, a teoria econômica não diz que um
recurso esgotável deveria ser vendido ao custo marginal da extração.
Poderia argumentar-se que o petróleo a 140 dólares americanos ainda
é barato do ponto de vista da sua justa alocação intergeracional e
das externalidades que produz.
A atual crise
econômica não é apenas uma crise financeira, e não foi provocada
apenas pela oferta de novas casas nos Estados Unidos, que excedeu a
procura capaz de ser financiada sustentavelmente. Foi igualmente
causada por preços elevados do petróleo. A bolsa começou a cair em
janeiro de 2008, mas até julho de 2008 o preço do petróleo
continuou a subir. À medida que a crise se agravava, o preço do
petróleo descia, mas recuperará em termos reais se e quando a
economia voltar a crescer.
Existe aqui um «desestabilizador»
automático da economia. É difícil descobrir novas jazidas de
petróleo à medida que descemos a curva de Hubbert. Além disso, o
preço baixo do petróleo implica uma oferta que descerá em poucos
anos devido à descida de investimento nos campos petrolíferos com
custos marginais mais elevados. A coroar tudo isso, a OPEC tenta
reduzir a extração de petróleo durante a crise para manter altos
os preços.
Decrescimento
econômico e emissões de dióxido de carbono
A crise econômica
implicará uma mudança bem-vinda no que concerne ao aumento
totalmente insustentável das emissões de dióxido de carbono. O
objetivo de Quioto de 1997 era generoso para os países ricos, pois
lhes dava direitos de propriedade sobre os sumidouros de carbono e
sobre a atmosfera em troca da promessa de uma redução de 5 por
cento das suas emissões em relação a 1990. Este modesto objetivo
de Quioto será cumprido mais facilmente. Seria fácil prever em
outubro de 2008 que o comércio de carbono iria desmoronar-se a não
ser que fossem aprovados limiares mais baixos. A aviação, a
construção de casas, as vendas de carros diminuíram na segunda
metade de 2008 em muitos países europeus e nos Estados Unidos. Os
condutores nos Estados Unidos compravam, no início de outubro de
2008, 9 por cento menos gasolina do que no início de outubro de
2007, de modo que os números publicados em fevereiro de 2009, que
indicavam uma descida de 6 por cento na produção da economia dos
Estados Unidos, no último trimestre de 2009, não constituíram
surpresa.
No entanto, os apóstolos do crescimento não estão
dispostos a utilizar a crise atual de modo a deslocar a economia para
um padrão tecnológico e de consumo diferente. Pelo contrário,
arranjam razões para pensar que as vendas de carros continuarão
fortes porque, se bem que os Estados Unidos tenham cerca de um carro
por cada pessoa em idade de dirigirir, a China tem menos de três
carros por cada 100 pessoas e a Índia menos ainda. «Quando alguém
consegue um teto onde se abrigar, carne à mesa e um bom emprego, o
que quer a seguir são as quatro rodas» – pontifica o The
Economist (14 de novembro de 2008), anunciando que se prevê que, nos
próximos 40 anos, a frota mundial de carros crescerá dos atuais 700
milhões para cerca de 3 bilhões.
A economia da
Índia e também a da China (impelidas pela procura interna) podem
bem continuar a crescer a taxas de 4 ou 5 por cento em 2009, e até
mais. Desde que o preço do petróleo se mantenha baixo, a indústria
de automóvel crescerá mais do que a economia e será um motor do
crescimento econômico juntamente com a indústria da construção.
No entanto, um mundo de 3 bilhões de carros exigiria um muito maior
dispêndio de energia. Qual será o impacto da economia real na
economia real-real?
Como
serão movidos os carros? Eletricidade? Hidrogênio? Qual será o
custo da energia?
Existe uma tendência
histórica para o aumento de custos de energia utilizado para a
obtenção de energia (um EROI mais baixo; energy return of
investment, retorno energético do investimento; ver
http://www.eoearth.org/article/Energy_return_on_investment_). A
recente descoberta no Brasil de 30 bilhões de barris de petróleo
(um ano de consumo mundial) no mar e a milhares de metros de
profundidade, pode tornar-se um poço sem fundo de energia e de
dinheiro.
Descer do pico da
curva de Hubbert será política e ambientalmente difícil. No Delta
do Níger e na Amazônia do Peru e do Equador surgem conflitos contra
empresas como a Shell, Repsol, Oxy. O recurso a algumas outras fontes
de energia (agrocombustíveis, energia nuclear) poderá atenuar as
dificuldades. Felizmente verifica-se um aumento da energia eólica e
fotovoltaica, que ajudarão a compensar o abastecimento cada vez
menor de petróleo ao longo das próximas décadas. O abastecimento
de carvão está a aumentar (foi já multiplicado por sete no século
XX), mas o carvão é nocivo a nível local, e também a nível
mundial devido às emissões de dióxido de carbono.
Foi
já alcançado o pico em emissões de dióxido de carbono
Esse máximo mundial
foi alcançado devido à crise econômica. As emissões estão agora
(finalmente?) a descer. O que pode tornar-se uma oportunidade
histórica única. Em maio de 2008 anunciou-se que a concentração
de dióxido de carbono na atmosfera tinha chegado a um recorde de 387
ppm de acordo com as medições no observatório de Mauna Loa, no
Havaí. Isso significava um aumento de 30 por cento acima do nível
de 300 ppm que Svante Arrhenius utilizou no seu artigo de 1895,
quando mostrou que queimar carvão iria aumentar a concentração de
dióxido de carbono na atmosfera e provocaria o aumento das
temperaturas. Entre 1970 e 2000, a concentração tinha aumentado 1,5
ppm por ano; de 2001 a 2007 o aumento da concentração atingiu 2,1
ppm. No início de 2008, o mundo continuava a encaminhar-se a toda a
velocidade para que, em cerca de 30 anos, se viessem a atingir 450
ppm. O grande aumento dos preços do petróleo e de outras matérias
primas até julho de 2008, e a crise econômica na segunda metade de
2008 e em 2009, parou o crescimento econômico e alterou a tendência
das emissões de dióxido de carbono. Do ponto de vista das
alterações climáticas, a crise econômica não pode deixar de ser
bem-vinda.
A concentração de
dióxido de carbono na atmosfera irá ainda aumentar, embora não tão
rapidamente. As emissões são ainda muito mais elevadas do que a
capacidade de absorção dos oceanos, dos solos e da nova vegetação.
O IPPC argumenta nos seus relatórios que as emissões deveriam
descer em 60 por cento (e não os mesquinhos 2 ou 3 por cento que
provavelmente se verificarão em 2009, que se esperaria que
assinalassem uma alteração permanente da tendência). O objetivo de
60 por cento de redução está longe da atual realidade, e também
dos compromissos de Quioto e dos prováveis compromissos pós-Quioto.
Seja como for, a recomendação do IPCC está hoje mais perto da
implementação do que estava anteriormente.
O
pico de emissões em Espanha
A Espanha foi, dentre
os países europeus que não cumpriram as metas de Quioto devido à
«bolha» européia, o mais grave prevaricador, seguida pela Itália
e pela Dinamarca, o que torna o caso da Espanha interessante embora
as suas emissões per capita sejam «apenas» o dobro da média
mundial. Em 2007, as emissões espanholas ainda cresceram acima de 2
por cento em comparação com 2006, alcançando um aumento de 52,6
por cento relativamente a 1990, ano base para o protocolo de Quioto.
No interior da Europa, foi permitido à Espanha um aumento de 15 por
cento até 2012. Mas aumentou já 52,6 por cento! O governo declarou
em 2008 que iria comprar licenças de emissão à Europa Oriental e
utilizar igualmente os mecanismos de flexibilidade de Quioto.
No entanto, em
Espanha, o pico das emissões coincidiu com o pico mundial. O pico
espanhol de 2007 é provavelmente definitivo. Ela é, afinal de
contas, uma economia com um elevado nível de rendimento per capita
que está agora um pouco em declínio enquanto o desemprego aumenta,
mas onde o mercado automóvel e da eletricidade não pode facilmente
crescer como na China ou na Índia. O decrescimento econômico pode
ser em larga medida socialmente sustentável.
As emissões de
dióxido de carbono espanholas baixaram em 2008 e vão baixar em
2009. Provavelmente continuarão a baixar em 2010 devido à
continuação da crise econômica e devido a alterações na mistura
(«mix») energética. O decréscimo de 5 ou 6 por cento em 2008 (não
há ainda números oficiais) deve explicar-se pelo decréscimo de
produção de eletricidade nos últimos quatro meses do ano (em
comparação com 2007), pelo decréscimo de consumo de petróleo e
pelo relativo aumento de energia eólica e ciclo combinado de gás e
eletricidade (em vez de carvão).
A produção
industrial baixou cerca de 20 por cento em dezembro de 2008
relativamente ao ano anterior. A produção de cimento desceu a 30
milhões de toneladas por ano a partir de um pico anterior de 50
milhões de toneladas que foi propulsionado por uma explosão na
construção, a qual produziu um grande excesso de casas e
apartamentos que ficaram por vender e enormes dívidas financeiras. A
falta de procura dos seus produtos levou várias indústrias (como as
cerâmicas de Valência) a vender as suas licenças de emissão de
carbono no final de 2008. Em abril de 2008, as indústrias dos
setores da energia, do cimento e do papel, tinham obtido licenças
«apadrinhadas» ao abrigo do sistema europeu de comércio de
emissões. A crise produziu em Espanha, como noutras partes da
Europa, uma abundância de licenças e um declínio do preço das
concessões de dióxido de carbono.
Um preço baixo é um
desincentivo para a introdução de alterações técnicas que
evitariam emissões de carbono. A União Européia e também o
governo espanhol deveriam reduzir rapidamente a alocação de
licenças. A atual quantidade de licenças é excessiva porque se
baseou em projeções econômicas que não incluíam a ocorrência de
uma crise econômica. O decrescimento econômico não pôde ser
previsto pela competente burocracia européia.
Deve realçar-se que
o mercado de licenças de dióxido de carbono é um mercado
artificial. O abastecimento depende da vontade política de
restringir as emissões, não até ao nível necessário (por
exemplo, uma redução de 60 por cento), mas àquilo que se considera
política e economicamente suportável, num contexto mental que
assume a continuidade do crescimento econômico mesmo nos países
mais ricos. Enquanto que a redução das emissões de dióxido de
carbono em Espanha em 2008 foi talvez de cerca de 6 por cento, em
2009 (segundo previsões de abril do mesmo ano) poderia atingir 8 por
cento devido à crise econômica e porque 2009 será um excelente ano
hidroelétrico graças às chuvas abundantes.
O governo
espanhol falou demasiado cedo quando anunciou que compraria licenças
de «ar quente (hot air)» aos países da Europa Oriental quando o
preço era ainda elevado em 2008. «Ar quente» é como se chama à
«inundação» de licenças provenientes desses países cujas
economias decresceram depois de 1990 (e cuja eficiência energética
melhorou), como a Rússia, a Polônia, a Romênia, a Ucrânia.
No Protocolo de
Quioto de 1997, a União Européia atribuiu a si própria uma quota
generosa (igual às emissões de 1990 menos uma redução de cerca de
8 por cento para 2012), e por isso grandes quantidades de «ar
quente» aparecerão agora também em países da Europa Ocidental e
Central como a Alemanha (que se encontra já na via de Quioto e cuja
economia parece estar a decrescer em 5 por cento em 2009). A criação
de «ar quente» barato é contraproducente para ulteriores reduções
de emissões.
Rumo
a Copenhaga 2009
O PIB mundial irá
decrescer em 1 ou 2 por cento em 2009, enquanto que o decréscimo
econômico nos Estados Unidos, na União Européia e no Japão será
superior a esse valor. Entre agosto de 2008 e março de 2009, o
consumo de gasolina nos Estados Unidos decresceu no mínimo 10 por
cento. As emissões desses países mais a Rússia irão decrescer no
mínimo em 5 por cento. O que é de fato elevado quando comparado com
os objetivos que foram admitidos politicamente até agora.
No entanto, devido a
uma questão de censura mental, nem o IPCC nem o relatório de Lord
Stern postularam um cenário de ligeiro decrescimento econômico da
economia mundial seguido de um período de não crescimento na União
Européia e nos Estados Unidos. Esse seria o cenário que converteria
o pico de emissões de dióxido de carbono de 2007 num acontecimento
histórico único. As economias da América do Sul, que no período
neoliberal se «reprimarizaram» e se tornaram (de novo) economias
exportadoras de matérias primas nas quantidades mais elevadas de
sempre, irão agora pagar por isso um preço econômico. O seu
crescimento está a parar devido à crise econômica e aos termos de
troca comercial em declínio.
O aumento de emissões de
dióxido de carbono da China e da Índia será previsivelmente mais
ou menos idêntico ao crescimento na Índia (de cerca de 5 por
cento), e um pouco inferior ao crescimento econômico na China. As
emissões per capita da Índia estão muito abaixo da média mundial
(a Índia tem mais de 15 por cento da população mundial e cerca de
4 por cento das emissões). As emissões per capita da China estão
muito mais próximas da média mundial. No total do país, a China é
já o maior emissor, um pouco mais do que os Estados Unidos. O
aumento de emissões na Índia, China, Indonésia e mais alguns
países cujas economias estão a crescer em 2009 não compensará o
decrescimento nos Estados Unidos, União Européia, outros países
europeus e Japão. Há uma possibilidade de que 2007 não tenha sido
um pico isolado, mas pelo contrário um pico histórico, um
acontecimento único.
Como é que esses
acontecimentos irão ser recebidos na conferência sobre alterações
climáticas de Copenhagen em dezembro de 2009? Serão os efeitos
positivos da crise reconhecidos? Irá um ligeiro decréscimo
econômico e uma transição socioecológica rumo a um estado
estacionário nas economias ricas ser aceite como cenário plausível
e benéfico? Irão os países exportadores de matérias primas mudar
de registro e pedir para exportarem menos e a preços mais elevados,
introduzindo taxas sobre o esgotamento do capital natural, e taxas
que compensem as externalidades negativas locais?
Irá
a conferência de Copenhagen mostrar-se favorável à idéia, que por
um momento foi considerada pela OPEC em 2007, de introduzir a taxa
Daly-Correa
(http://www.amazonwatch.org/newsroom/view_news.php?id=1606)
: um
ecoimposto à saída dos poços de petróleo e não à saída das
chaminés e tubos de escape) sobre as exportações de petróleo para
ajudar a financiar a transição econômica mundial? Ou, pelo
contrário, irão as emissões de carbono recuperar e aumentar de
novo juntamente com a recuperação econômica?
Ativos
tóxicos e dívidas venenosas
Os ativos que assumem
a forma de reivindicação de dívidas que ficarão por pagar foram
batizados com o divertido nome de Ativos Tóxicos. Nas folhas de
balanço dos bancos, o valor desses ativos terá que ser grandemente
reduzido ou suprimido. Do lado da dívida do balanço, as nossas
convenções contabilísticas não incluem os prejuízos infligidos
ao ambiente. Devemos às gerações futuras uma enorme «dívida em
carbono», e devêmo-la igualmente aos pobres do mundo que poucos
gases com efeito de estufa produziram.
Grandes dívidas
ambientais são igualmente devidas por firmas privadas. Numa ação
em tribunal no Equador, pede-se à Chevron-Texaco que reembolse 16
bilhões de dólares. A empresa Rio Tinto deixou enormes dívidas
dessas desde 1888 na Andaluzia, de onde lhe vem o nome, e também em
Bougainville, na Namíbia, na Papua Ocidental juntamente com Freeport
McMoran... dívidas aos pobres ou aos povos indígenas. A Shell tem
enormes dívidas no Delta do Níger. Não se preocupem. Essas dívidas
venenosas constam dos livros de história, mas não dos livros de
contabilidade.
Veja-se o que se passa com a mineração de
bauxita Vedanta nas colinas de Niyamgiri em Orissa. O declínio do
preço do alumínio se a crise econômica se agravar poderá salvar
as colinas de Niyamgiri. Caiu em mais de metade nos últimos meses de
2008. Daí que também a bauxita seja mais barata. Podemos ainda
perguntar: quantas toneladas de bauxita valem uma tribo ou uma
espécie à beira da extinção? E como podemos exprimir esses
valores em termos que um ministro das finanças ou um juiz do supremo
tribunal possa compreender?
Em relação à
lógica econômica em euros ou dólares, a linguagem de valorização
de camponeses ou de tribos passa despercebida. Ela inclui a linguagem
dos direitos territoriais contra a exploração externa, a convenção
da ILO (Organização Internacional do Trabalho) 169 que exige o
consentimento prévio de projetos em terras indígenas, ou na Índia
a proteção dos adivasi pela constituição e por sentenças dos
tribunais. Também se poderia apelar a valores ecológicos e
estéticos. As colinas de Niyamgiri são sagradas para os Dongria
Kondh. Poderíamos perguntar-lhes: Quanto querem pelo vosso Deus?
Quanto querem pelos serviços fornecidos pelo vosso Deus?
A
partir do Sul: o ambientalismo dos pobres
Pode facilmente
concordar-se que a contabilidade econômica convencional é
certamente enganadora. A experiência que Pavan Sukhdev (com
Haripriya Gundimeda e Pushpam Kumar) adquiriu, na Índia, a tentar
atribuir valores econômicos a produtos não lenhosos das florestas,
e a outros serviços ambientais (como absorção de carbono, retenção
da água e do solo), constituiu uma inspiração para o processo TEEB
(As Economias dos Ecossistenas e da Biodiversidade; The Economies of
Ecosystems and Biodiversity) patrocinado pela Direção Geral de
Ambiente da Comissão Européia e pelo Ministério do Ambiente da
Alemanha. Como afirma a equipa TEEB, uma representação monetária
dos serviços proporcionados pela água limpa, pelo acesso aos
bosques e pastagens e a plantas medicinais, não mede verdadeiramente
a dependência essencial que as pessoas pobres têm em relação a
esses recursos e serviços.
É verdade que as
decisões podem ser melhoradas pela atribuição de valores
monetários a recursos e serviços ambientais que estão
subvalorizados ou sem qualquer valorização na nossa contabilidade
econômica convencional. Mas há outros aspetos a considerar. Em
primeiro lugar, não esquecer o nosso incerto conhecimento acerca do
modo como funcionam os ecossistemas e acerca dos impactos futuros das
novas tecnologias. Em segundo lugar, não excluir valores não
monetários dos processos de decisão. Não se pratique o fetichismo
de mercadorias fictícias. Na Contabilidade do Rendimento Nacional é
possível introduzir valorizações das perdas no ecossistema e na
biodiversidade, quer em contas em satélite (físicas e monetárias)
ou em contas de PIB ajustadas («Contas Verdes»). A valorização
econômica das perdas poderá ser baixa comparada com os ganhos
econômicos de projetos que destroem a biodiversidade.
No entanto, que
grupos de pessoas sofrem mais com essas perdas? No seu projeto
«Contabilidade Verde para a Índia», Sukhdev, Gundimeda e Kumar
descobriram que os mais importantes beneficiários diretos da
biodiversidade das florestas e dos serviços prestados pelos
ecossistemas são os pobres, e que o impacto predominante de uma
perda ou recusa desses insumos recai sobre o bem-estar dos pobres. A
pobreza dos beneficiários torna essas perdas mais agudas em
proporção dos seus «rendimentos como meios de vida» do que no
caso do povo indiano em geral. Daí a noção de «PIB dos pobres»:
por exemplo, quando a água do rio ou do aquífero local fica poluída
devido à mineração, eles não se podem dar ao luxo de comprar água
em garrafas de plástico. Por isso, quando os pobres vêem que as
suas possibilidades de subsistência estão ameaçadas devido a
projetos de mineração, barragens, plantações de árvores ou
grandes zonas industriais, queixam-se não por serem ambientalistas
profissionais, mas porque necessitam dos serviços do ambiente para a
sua sobrevivência imediata. É esse o «ambientalismo dos
pobres».
Na revista Down to Earth (de 15 de agosto de 2008),
Sunita Narain deu exemplos atuais da Índia onde a economia ainda
crescerá firmemente em 2009 acionada pelo consumo interno, pelas
importações de petróleo barato e pela despesa pública: «Em
Sikkim, vergando-se a protestos locais, o governo cancelou 11
projetos hidroelétricos. Em Arunachal Pradesh, estão a ser
aprovados projetos de barragens a velocidade elevadíssima e a
resistência está a aumentar. O mês passado em Uttarakhand, dois
projetos no Ganges foram suspensos e verifica-se uma crescente
preocupação com os restantes. Em Himachal Pradesh, as barragens são
tão controversas que as eleições foram ganhas pelos candidatos que
afirmaram que não iriam permitir que fossem construídas. Numerosos
outros projetos, desde centrais térmicas até mineração de
prospecção estão encontrando resistência.» A gigantesca mina
sul-coreana de minério de ferro de Posco, bem como a siderurgia e o
porto, estão debaixo de fogo. O primeiro ministro indiano prometeu
ao primeiro ministro sul-coreano que o projeto avançaria em
agosto.
Mas as pessoas do local não o ouvem. Não querem
perder a sua terra e meios de subsistência e não acreditam nas
promessas de compensação. Em Maharashtra, os fruticultores de manga
estão em armas contra a central térmica proposta para Ratnagiri. Em
cada canto remoto do país onde se compra terra ou se capta água
para a indústria, as pessoas estão a lutar inclusive até à morte.
Há feridas, há violência. Há também desespero. Goste-se ou não,
há hoje um milhão de revoltas. Depois que visitei Kalinganagar,
onde morriam camponeses em protesto contra o projeto do industrial
Tata, escrevi que não estávamos perante concorrência ou Naxalismo
(facção comunista extremista na Índia). Eram camponeses pobres que
sabiam não possuir capacidades para sobreviver no mundo moderno.
Tinham assistido à deslocação dos vizinhos, a quem tinham
prometido empregos e dinheiro que nunca chegaram. Sabiam que eram
pobres. Mas sabiam também que o desenvolvimento moderno os tornaria
mais pobres. Passava-se o mesmo na próspera Goa, onde encontrei
aldeia após aldeia a lutar contra o poderoso lobby
da mineração.
Esses movimentos
combinam a luta pela sobrevivência com as questões sociais,
econômicas e ambientais, com realce para as questões relativas à
extração e à poluição. Estabelecem a sua «economia moral» em
oposição à lógica da extração de petróleo, de minerais, de
madeira e de agrocombustíveis nas «fronteiras das matérias
primas», defendendo a biodiversidade e os seus próprios meios de
subsistência. Em muitas ocasiões inspiram-se no sentido da
identidade local (direitos e valores indígenas como o caráter
sagrado da terra), mas também se ligam facilmente com a política de
esquerda. No entanto, a esquerda tradicional nos países do
hemisfério sul ainda tende a considerar o ambientalismo como um luxo
de ricos.
A
partir do Sul: uma recusa de fornecer matérias primas baratas?
A questão não é
saber se o valor econômico pode ser determinado unicamente nos
mercados existentes, ou se os economistas elaboraram métodos para a
valoração monetária de bens e serviços ambientais ou de
externalidades negativas no exterior do mercado. A questão é antes
saber se toda a avaliação num determinado conflito (sobre a
extração de cobre ou de ouro no Peru ou de bauxita em Orissa, numa
barragem hidroelétrica no Nordeste da Índia, sobre a destruição
de um manguezal no Bangladesh, Honduras ou Brasil para dar lugar à
exportação de camarão, sobre a determinação de um nível
adequado de emissões de dióxido de carbono pela União Européia)
se deve reduzir a uma única dimensão. Uma tal exclusão de valores
deveria ser rejeitada, sendo em vez dela favorecida a aceitação de
uma pluralidade de valores incomensuráveis.
Com a crise
econômica, veremos agora o fim da explosão de exportações de
energia e de materiais, diminuindo assim as pressões nas fronteiras
das matérias primas? Planos grandiosos para cada vez mais
exportações da América Latina foram impelidos em particular pelo
presidente Lula do Brasil. Mais estradas, oleodutos, portos e
hidrovias, mais exportações da América Latina de petróleo, gás,
carvão, cobre, minério de ferro, soja, celulose, biodiesel e
etanol, foi esse o credo do presidente Lula. Em outubro de 2008, e em
total oposição à Via Campesina e ao MST (movimento dos
trabalhadores rurais sem terra) do Brasil, Lula continuava a
pressionar para uma abertura geral dos mercados mundiais às
exportações da agricultura. Foi à Índia para tentar consegui-lo,
e aumentar a taxa de suicídio dos agricultores, exigindo a
liberalização das importações e exportações agrícolas na
rodada de Doha. É verdade que a explosão das exportações deu a
Lula dinheiro para objetivos sociais e aumentou a sua popularidade. A
Petrobrás não era menos perigosa para o ambiente e para os povos
indígenas da América Latina do que a Repsol ou a Oxy.
A obsessão de Lula
com as exportações primárias explica que ele nada fizesse acerca
do desmatamento da Amazônia, levando à demissão da ministra do
ambiente Marina Silva em 2008. Qual irá ser a estratégia do
presidente Lula e da esquerda latinoamericana no seguimento do craque
de 2008-2009? A insistência de Lula nas virtudes da produção de
etanol para exportação é um equívoco. Os agrocombustíveis têm
um baixo EROI (especialmente tendo em conta a vegetação que
existia, já antes que os agrocombustíveis ocupassem a terra), eles
aumentam a AHPPL em prejuízo da biomassa de outras espécies, e
implicam enormes exportações «virtuais» de água não pagas. Na
verdade, a crise deveria ser um incentivo para privilegiar o
desenvolvimento interno, e não para vender o ambiente a tão baixo
preço. Os preços das matérias primas baixaram e, além disso,
outros valores (sociais, ambientais) foram sacrificados. A esse
respeito, são interessantes algumas propostas feitas pelo Equador em
2007 (apoiadas até certo ponto pelo Presidente Rafael Correa, que é
um economista da esquerda tradicional mais do que um economista
ecológico). Na conferência da OPEC de novembro de 2007, em Viena,
quando o Equador regressou a essa organização, a OPEC aprovou em
princípio uma resolução de apoio à proposta Yasuni-ITT (a de
deixar o petróleo no subsolo, num território habitado por povos
indígenas nunca contactados e de grande valor em biodiversidade),
tendo também manifestado interesse na chamada ecotaxa Daly-Correa.
Essa taxa, proposta
pelo presidente Correa na reunião da OPEC, baseia-se no conceito
formulado por Herman Daly num discurso feito na OPEC em 2001 (Daly,
2007). Os países da OPEC rejeitaram a existência do aumento do
efeito de estufa. Essa ecotaxa exprimiria preocupação com as
alterações climáticas. Uma taxa sobre o carbono imposta pela OPEC
a saída dos poços petrolíferos em vez da tentativa de regulamentar
as emissões à saída das chaminés e tubos de escape, seria mais
justa para os países exportadores e talvez mais eficaz na redução
das emissões globais de dióxido de carbono. Essa ecotaxa tornaria
mais fácil a aceitação da realidade das alterações climáticas
por parte dos países exportadores de petróleo (e também, se
imitada, dos países exportadores de gás e carvão).
O princípio é o
seguinte: exportar menos a um preço mais elevado. O dinheiro
recolhido com essa taxa seria destinado a financiar uma transição
energética que se iria afastando dos combustíveis fósseis, a
ajudar os povos pobres em todo o mundo e a ajudar países como o
Equador e a Nigéria a manterem o petróleo (ou o gás) no subsolo
quando localizado em ambiente frágil ou culturalmente sensível
(Martinez-Alier e Temper, 2007).
Para o fim de 2008 a
crise econômica estava provocando a baixa de preços das matérias
primas, petróleo incluído, parecendo que tinha passado o momento
para essa taxa. Desde julho de 2008, baixaram em 60 por cento os
preços do trigo, do milho e da soja, tal como aconteceu com o cobre,
o níquel, o alumínio. Parte da explosão financeira na Islândia
baseou-se em investimentos externos na expectativa de uma
multiplicação da extração a quente de alumínio. Os
ambientalistas protestaram com força contra essas extrações e
contra as centrais elétricas que arruinavam ambientes imaculados,
custo esse não incluído na contabilidade econômica. A economia da
Islândia paralisou em outubro de 2008. Os bancos ficaram incapazes
de devolver o dinheiro aos titulares de depósitos e foram
nacionalizados.
Enquanto que nos anos 1920 as matérias primas
baixaram de preço alguns anos antes de 1929, desta vez o aumento dos
preços das matérias primas (com a ajuda de mal orientados subsídios
aos agrocombustíveis, do cartel da OPEC e do investimento financeiro
no mercado de futuros) continuou por alguns meses após o início da
forte quebra da bolsa. No entanto, para o final de 2008 os preços
das mercadorias declinaram devido à redução da procura. O Índice
Baltic Dry mede as cotações dos transportes marítimos. Esse índice
declinou bruscamente desde julho 2008 em parte devido à baixa das
importações chinesas de ferro. A multinacional mexicana CEMEX tinha
já anunciado, em 16 de outubro de 2008, que iria reduzir a sua força
de trabalho em 10 por cento em todo o mundo devido à baixa da
procura de «agregados» e cimento, enquanto que as fábricas de
automóveis na Europa e nos Estados Unidos reduziram a produção
desde meados de 2008. O preço mundial do petróleo baixou para o
final de 2008, não devido ao aumento da oferta, mas devido à
diminuição da procura. Alguns projetos petrolíferos (com EROI
baixo e elevados custos marginais) como a produção das areias
betuminosas de Alberta e a pesada exploração petrolífera do
Orinoco deverão ser suspensos, como também o projeto Yasuni ITT no
Equador, pequeno mas de elevados custos econômicos, ambientais e
sociais.
Para outras matérias
primas que não o petróleo, os países exportadores podem reagir de
modo irracional, mantendo ou mesmo aumentando a oferta numa tentativa
de manter os rendimentos. Poderá haver uma guerra de preços da soja
entre a Argentina e o Brasil. Em vez disso, este seria o momento para
a América Latina, a África e outros exportadores líquidos de
matérias primas pensarem num desenvolvimento endógeno que se
aproximasse de uma economia ecológica. Muitos países do sul
sofrerão também devido a menores remessas dos emigrantes. Uma
recusa por parte do Sul de fornecer matérias primas baratas à
economia industrial, impondo taxas sobre o esgotamento do capital
natural e quotas de exportação, ajudaria também o Norte (incluindo
algumas partes da China) na sua necessária via de longo prazo rumo a
uma economia que utilize menos materiais e energia.
Neomaltusianismo
de baixo para cima
A transição
socioecológica em direção a menores níveis de uso de energia e
materiais será ajudada se se completar a transição demográfica
mundial, e, mais ainda, se a população, após atingir um pico de 8
500 milhões de habitantes baixar depois para 5 000 milhões, como
indicam algumas projeções (Lutz e outros, 2001). Recorde-se que a
população mundial aumentou quatro vezes no século XX, partindo de
1 500 milhões até atingir 6 000 milhões. A consciência ambiental
pode influenciar as taxas de nascimentos (como no neomaltusianismo de
1900 e na China desde 1980).
A importância do
crescimento da população no aumento do Metabolismo Social é óbvia.
A equação de Paul Ehrlich I=PAT
(http://en.wikipedia.org/wiki/I_PAT) poderia aplicar-se
historicamente, com um indicador adequado para T (tecnologia): I -
impacto humano, resultante do produto da população vezes A -
abundância (consumo) vezes T - tecnologia.
Houve por volta de
1900 numerosos debates acerca de «quantas pessoas poderia a Terra
alimentar», focalizados apenas nas necessidades da espécie humana.
Os neomaltusianos do final do século XIX e do início do século XX
eram politicamente radicais e feministas. Havia uma grande diferença
entre o maltusianismo originário de T. R. Malthus e o
neomaltusianismo de 1900. Trabalhos de investigação histórica
sobre o neomaltusianismo documentaram com clareza o movimento radical
e feminista a favor da limitação de nascimentos na Europa e nos
Estados Unidos à volta de 1900. Em França, esse movimento teve o
nome de «greve dos ventres». No Sul da Índia, o movimento de
«respeito de si mesmo» lançado por E. V. Ramasamy (chamado
Periyar, pensador tamil e ativista político, 1879-1973) adotou uma
orientação semelhante. No Brasil a feminista anarquista
neomaltusiana Maria Lacerda de Moura escreveu: «Amem-se mais uns aos
outros e não se multipliquem tanto.» Essa história intelectual e
social permite-me apresentar as seguintes definições.
Maltusianismo: a
população manifesta um crescimento exponencial a não ser quando
contrariado pela guerra e pelas epidemias, ou pela castidade e
casamentos tardios. Os alimentos aumentam menos do que
proporcionalmente perante a aplicação de trabalho, o que se explica
devido a rendimentos decrescentes. Daí provém crises de
subsistência.
Neomaltusiasnismo de
1900: A população humana poderia regular o seu próprio crescimento
por meio da contracepção. Para isso era necessária a liberdade da
mulher, além de desejável em si mesma. A pobreza era explicada pela
desigualdade social. «A procriação consciente» tornava-se
necessária para evitar os baixos salários e a pressão sobre os
recursos naturais. Esse foi um movimento bem sucedido, de baixo para
cima, na Europa e na América, contra os Estados (que queriam mais
soldados) e as Igrejas (Ronsin, 1980, Masjuan, 2000).
Neomaltusianismo após
1970: doutrina e prática patrocinadas por organizações
internacionais e alguns governos. O crescimento da população é
considerado como uma das causas principais da pobreza e da degradação
do ambiente. Por essa razão, os Estados deveriam promover métodos
de contracepção, mesmo sem o consentimento prévio das mulheres.
Antimaltusianismo: A
concepção segundo a qual o crescimento da população não
constitui uma das principais ameaças ao ambiente natural e que
conduz mesmo ao crescimento econômico, como defenderam Esther
Boserup e outros economistas.
Decrescimento
sustentável
Uma transição para a sustentabilidade exige um novo pensamento a respeito de demografia e de transição socioecológica. Marina Fischer-Kowalski e Helmut Haberl do IFF (Instituto de Estudos Interdisciplinares), de Viena, influenciados pelo trabalho do historiador do ambiente Rolf Peter Sieferle e por antropólogos ecológicos, economistas ecológicos e ecologistas industriais, editou recentemente um livro intitulado Socio-Ecological Transitions (Transições Socioecológicas) (Fischer-Kowalski e Habert, 2007). Desde as sociedades de caçadores-recoletores às sociedades agrícolas e às sociedades industriais, os autores desse livro revelam padrões quantificáveis do uso da energia e dos materiais, das densidades de população, uso do território e tempo de trabalho.
Tentam também
distinguir os futuros possíveis dos futuros impossíveis. Por
exemplo, é plausível pensar um mundo de oito bilhões de pessoas
com um dispêndio de energia de 300 GJ e um uso de materiais de 16
toneladas per capita e por ano? Ou estamos pelo contrário à beira
de uma transição socioecológica que irá reduzir o uso de energia
e de materiais nas economias ricas mesmo que isso implique um
decrescimento econômico? As palavras chave da política ambiental
dos últimos vinte anos soam pouco na presente crise econômica. Os
cenários do IPPC nunca contemplaram (autocensura?) um declínio de 5
por cento do PIB dos países ricos seguido de um longo período de
não crescimento, como poderá talvez acontecer. Isso não constava
do roteiro dos economistas e dos ecologistas industriais. Ao longo de
vinte anos, a palavra de ordem ortodoxa foi Desenvolvimento
Sustentável (Relatório Brundtland, 1987), que significava
crescimento econômico que fosse ecologicamente sustentável.
Sabemos, contudo que o crescimento econômico não era ambientalmente
sustentável.
A discussão sobre o
decrescimento (francês: décroissance), iniciada por Nicholas
Georgescu-Roegen há trinta anos, é agora assunto de debate nos
países ricos porque «la décroissance est arrivée» (o
decrescimento chegou). É agora o momento de substituir o PIB por
indicadores sociais e ambientais a nível macroeconómico e de gizar
projetos rumo a uma transição socioecológica segundo o
comportamento desses indicadores. A transição exige uma reforma das
instituições sociais (para enfrentar o desemprego) e também uma
reforma das instituições financeiras para impedir que o nível
financeiro da economia cresça sem referência às realidades físicas
subjacentes. A venda imaginativa de derivados («produtos»
financeiros) e a existência de atividade bancária offshore não
regulada produziram um grande choque na opinião pública.
Forças políticas
moderadas têm apresentado propostas sensíveis para transformar a
banca num serviço público nacionalizado. Para além disso, a crise
proporciona uma oportunidade para pensar a economia real-real.
Deveriam ser introduzidas na origem taxas sobre a extração de
recursos, com o objetivo de financiar uma sociedade ambientalmente
sustentável. É necessário reduzir o consumo de energia e o uso de
materiais por parte dos ricos. Os apelos frívolos nos países da
OCDE a favor do crescimento populacional de modo a aumentar o emprego
que ajudará a pagar as pensões dos idosos, não são nada
convincentes de um ponto de vista ecológico, ou mesmo de um ponto de
vista puramente financeiro, numa situação em que aumentam as taxas
de desemprego. Estamos perante uma oportunidade para iniciar uma
transição socioecológica.
Em alguns países,
não apenas a quantidade absoluta de materiais, mas também a sua
intensidade (toneladas de materiais/PIB) estavam a revelar cada vez
maiores pressões sobre o ambiente. A convergência para a média
européia de 16 toneladas por pessoa e por ano (apenas materiais, a
água não está aqui incluída) multiplicaria por três os Fluxos
Materiais a nível mundial com a atual população. As economias
podem caracterizar-se por esses Fluxos Materiais.
Podemos analisar
os padrões do comércio externo. Enquanto que a América do Sul
exporta seis vezes mais em toneladas do que aquilo que importa, a
União Européia importa quatro vezes mais em toneladas do que aquilo
que exporta. Podemos compreender os padrões caraterísticos dos
conflitos sociais, por exemplo, conflitos relacionados com a
mineração e a extração de petróleo, ou resistência contra
plantações de árvores destinadas a pasta de papel ou
agrocombustíveis, ou o conflito internacional causado pelo acesso
desigual aos sumidouros de dióxido de carbono (oceanos) ou ao
«reservatório» temporário (atmosfera). A convergência rumo a 300
gigajoules per capita e por ano segundo um padrão europeu
significaria multiplicar por 5 a energia atualmente existente na
economia mundial. Se for usado o gás e especialmente o carvão, o
dióxido de carbono produzido seria igualmente multiplicado por 4 ou
5. A AHPPL – apropriação humana da produção primária de
biomassa – está também a crescer. O aumento da população, a
utilização de solos, a alimentação à base de carne, a produção
de papel e de agrocombustíveis aumenta a AHPPL. Quanto mais elevada
ela for, menos biomassa fica disponível para outras espécies.
À primeira vista, os
países do Sul têm alguma coisa a perder e pouco a ganhar com o
Decrescimento no Norte, devido ao menor número de oportunidades para
exportações de matérias primas e produtos manufaturados, e à
menor disponibilidade de crédito e doações. Porém, os movimentos
a favor da justiça ambiental e o «ambientalismo dos pobres» do Sul
são os principais aliados do movimento por um decrescimento
sustentável do Norte. Esses movimentos combatem a poluição
desproporcionada (a nível local e global, incluindo exigências de
reparações em pagamentos da «dívida de carbono»), opõem-se à
exportação de resíduos do Norte para o Sul (por exemplo, do navio
Clemenceau e tantos outros navios enviados a desmantelar nas praias
de Alang no Gujarat, ou resíduos eletrônicos), rejeitam a
biopirataria, e também a Raubwirtschaft (economia do roubo,
cleptocracia), ou seja, a troca ecológica desigual e a destruição
da natureza e dos meios de vida humanos nas «fronteiras das matérias
primas». Denunciam igualmente as responsabilidades ambientais das
empresas transnacionais.
O movimento mundial a
favor da conservação deveria criticar a contabilidade econômica
convencional e pressionar pela introdução de uma linguagem
econômica que refletisse melhor as nossas relações com a natureza,
embora não esquecendo a legitimidade de outras linguagens: os
direitos territoriais, a justiça ambiental e social, o caráter
sagrado dos meios de vida. Tudo isso é necessário para a aliança
entre o movimento de conservação e o ambientalismo dos pobres, como
se propõe numa brochura da IUCN - União Internacional para a
Conservação da Natureza, Transição para a Sustentabilidade, de
Bill Adams e Sally Jeanrenaud, publicada em 2008. Essa aliança é
difícil porque, a avaliar pela visibilidade dos patrocinadores no
Congresso Mundial da Conservação, em Barcelona, em Outubro de 2008,
o movimento mundial de conservação da natureza vendeu a sua alma a
empresas como a Shell e Rio Tinto. John Muir teria ficado
horrorizado.
O «ambientalismo dos
pobres» combina as questões dos meios de vida, as questões
sociais, econômicas e ambientais, com as questões da extração e
da poluição. Em muitos casos esses movimentos inspiram-se no
sentido de identidade local (direitos e valores indígenas como o
caráter sagrado da terra). Tais movimentos opõem-se explicitamente
à anexação das terras, florestas, recursos minerais e água por
parte dos governos ou das grandes empresas. Poderia existir uma
confluência entre conservacionistas preocupados com a perda da
biodiversidade, as numerosas pessoas preocupadas com as alterações
climáticas que pressionam a favor da energia solar, os socialistas e
sindicalistas que lutam por maior justiça social no mundo, os okupas
urbanos que defendem a «autonomia», os agroecologistas, os
neorrurais, e o vasto movimento camponês (como se exprime na Via
Campesina), os pessimistas (ou realistas) sobre os riscos e as
incertezas da mutação tecnológica (ciência pós-normal) e o
«ambientalismo dos pobres» que reivindica a preservação do
ambiente para a subsistência.
Os movimentos
internacionais a favor da justiça ambiental têm por objetivo uma
economia que satisfaça de modo sustentável as necessidades de
alimentos, saúde, educação e habitação para todos,
proporcionando a máxima joie
de vivre
(alegria de viver) possível. Eles sabem que nos processos de
decisão, a economia se torna uma ferramenta de poder. É o que
acontece quando se aplicam análises custo-benefício a projetos
individuais, e também a nível macroeconómico quando os aumentos do
PIB ocultam outras dimensões.
A questão é esta:
quem tem o poder de simplificar a complexidade e impor uma específica
linguagem de avaliação? Os movimentos de justiça ambiental sabem
na pele e na cabeça que a contabilidade econômica convencional é
falsa, que ela esquece os aspetos físicos e biológicos da economia,
o valor do trabalho doméstico não pago e o trabalho voluntário, e
que de fato não mede o bem-estar e a felicidade da população. O
que necessitamos é de um bom viver aristotélico (como proclama o
Fórum Social Mundial) guiado pela oikonomia e não pela
crematística.
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Estre artigo foi traduzido por José Carlos Marques, a partir do original disponível em http://www.eoearth.org/article/Herman_Daly_Festschrift:_Socially_Sustain... e retirado de http://gaia.org.pt/decrescimento/martinezalier .
Joan Martinez Alier* (Autor Principal), Joshua Farley (Editor de Assunto), 2009. «Herman Daly Festschrift: Socially Sustainable Economic Degrowth», in Encyclopedia of Earth. Eds. Cutler J. Cleveland (Washington, D. C.: Environmental Information Coalition, National Council for Science and the Environment, 2009.
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Joan Martinez Alier
Professor de Economia e História Econômica na Universidade Autônoma de Barcelona. É autor de várias publicações tais como «Ecological Economics: Energy, Environment and Society» (1987) e «The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation» (2002). Foi presidente da International Society for Ecological Economics.
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