Eleições, igreja e laicato

26/10/2010
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As recentes declarações de D. Bergozini, bispo de Guarulhos, sobre o PT e a campanha de Dilma, chocam, à luz do ensinamento do Vaticano II, sobre o papel do laicato na ação da Igreja. Este forma um só corpo, ao lado da hierarquia, e a ele mesmo compete a iniciativa de vida política no que é próprio à sua condição. O bispo paulista, nos seus pronunciamentos, não se limita a considerações sobre o aborto, mas condena explicitamente um partido e interfere no voto à sua candidata.
 
Mais ainda, se envolve ostensivamente na campanha contratando a impressão de um milhão de panfletos à base de promover o “evangelho e a doutrina cristã”, fora do âmbito específico dessa pregação. O prelado, mais ainda, declara que “é político, tem direito de sê-lo, ainda que não partidário”. E reitera que a ação não se limitará a divulgação das palavras de ordem à sua diocese, mas que irá além dela.
 
Participei em mais de década, em Roma, da Pontifícia Comissão Justiça e Paz junto a Paulo VI, e sempre vi a consagração dessa autonomia dos leigos no seu empenho pelo bem-comum, pelo imperativo eleitoral, e sua específica escolha. Pode a hierarquia advertir, porém não substituir-se ao que é o exercício do voto. Primariam nesse juízo as exigências da justiça social, ou a aceleração do desenvolvimento, ou da luta contra a violência. Por certo, entram nessas considerações o apoio a uma legislação contra o aborto, restrita ao campo do possível, e, em tal debate legislativo, exposta às mesmas considerações impostas por este bem comum. É no respeito concreto do laicato, corpo da Igreja, que se remete na área que lhe é específica à ação da hierarquia, quando intervenções, como a de D. Bergozini não se dão conta do estado leigo de hoje em dia. Tal, como reconheceu expressamente o mesmo Vaticano II, a ação religiosa não pode supor que estejamos ainda nos tempos do padroado e da Igreja unida ao Estado.
 
Confunde-nos que um prelado queira dispor da consciência do eleitor confessional definindo condições e tutelando a escolha cidadã. Em tempos de modernidade, a voz do bispo, nessa matéria, é estritamente a sua, de cidadão. Não tem como inquinar uma legenda política de “partido da morte” ou uma candidata de assassina potencial. As resistências já encontradas de apoio ao bispo de Guarulhos indicam o quanto o Brasil não regredirá, pela pregação dos ditos grupos de defesa da vida, a um fundamentalismo religioso.
 
A maior população católica do mundo é também a da maturidade da consciência política de um laicato, dentro da Igreja e no papel que lhe atribuiu o Vaticano II. Na sequência da lição de Paulo VI, na garantia da sua liberdade, intrinsecamente ligada pela lição do pontífice “ao mais ser do homem e de todos os homens”.
 
- Candido Mendes é Presidente do Senior Board do Conselho Internacional de Ciências Sociais - UNESCO, Membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz
https://www.alainet.org/es/node/145102
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