Dilma Presidente! 'Vamos lá fazer o que será?'

03/11/2010
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A composição de Gonzaguinha, Sementes do Amanhã, dá o tom da eleição de Dilma Rousseff neste histórico 31 de outubro:
 
'Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo, nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será'
 
Dilma é a primeira mulher a ocupar a Presidência da República do Brasil. Acontecimento que fala por si se levarmos em consideração a grandeza do potencial feminino que combina magia, encanto, beleza, inteligência, arte, coragem, resistência, determinação. Nela, essas qualidades são acentuadamente relevantes pelo fato de ser uma das sobreviventes da cruel ditadura militar, tendo testemunhado, com tantas outras mulheres fortes do passado e do presente, que é possível combater e vencer o poder de sistemas prepotentes e absolutistas, e defender a inclusão e participação de todos nos destinos da nação. Em vista desta nobre trajetória, a Presidente eleita pode representar esperança não de continuísmo, mas de continuidade do caminho até aqui percorrido, alimentando e fortalecendo o sonho de ir consolidando, ainda que paulatinamente, o processo democrático de libertação mais radical de todas as opressões.
 
Na sua sensibilidade feminina como na sua tradição de luta, é evidente que Dilma não deixará de reconhecer, como o tem feito publicamente e em diversas ocasiões, que o governo Lula contribuiu, a seu modo e tendo em conta as condições em que estava o país, para alguns avanços sobretudo no que concerne à política social, olhando mais os pobres e dando-lhes maior poder aquisitivo, meios de locomoção, lazer, seguridade social, acesso à educação e alguns bens básicos de sobrevivência. Por outro lado, em nome desta mesma sensibilidade e tradição, imagino que Dilma será capaz de ver com clareza que é preciso superar iniciativas de caráter meramente assistencialistas para abraçar questões inadiáveis e estruturais que trazem consigo o peso de uma insuportável carga histórica colocada, desde sempre, nos ombros dos pobres, e que garantem com sua mão de obra barata, seu empobrecimento e miséria, os privilégios da devoradora minoria dos 5 a 7% da população.
 
Recordo aqui o que foi insistentemente advertido, ao longo de toda a campanha, pelo candidato Plínio de Arruda Sampaio em relação à raiz do mal que provoca todos os demais sintomas e que, espero, não escapará ao olhar criterioso da Presidente eleita: a formulação do projeto. Se o projeto é pura e simplesmente minimizar as dores dos pobres, ele é, então, paliativo. Não resolve o problema porque, passado o tempo, voltam as dores. Política, aliás, que coincide com a de Serra/PSDB. Cura momentaneamente o sintoma, porém, o mal permanece e vai corroendo o órgão infectado. Houve quem denunciasse, muito oportunamente, que toda a ênfase dada ao aborto durante a campanha eleitoral tinha precisamente o objetivo de desviar da pauta dos candidatos o tema da distribuição de renda no Brasil. Este, sim, é o ponto crítico e mais importante que remete para o fundamento do projeto e a cura de todos os males: Queremos um país em que todos os bens sejam socializados com igualdade e o bolo seja dividido fraternalmente por todos, ou seguiremos mantendo os pobres, como é comum nos países periféricos, com restos das mesas dos ricos? Confirmaremos adesão idolátrica ao mercado que põe suas bases no neoliberalismo econômico, excludente e assassino, ou romperemos com as elites dominantes hegemônicas e o capital financeiro internacional para salvar a vida dos pobres e do planeta?
 
Sinal verde foi aberto por Dilma Rousseff no seu primeiro pronunciamento, e repetido em outras ocasiões, ao manifestar sua opção pelos pobres, e assumir o compromisso de 'erradicar a pobreza'. Ora, a erradicação da pobreza já é o projeto em andamento, pois não há como erradicar a pobreza sem erradicar a riqueza, ou os responsáveis pelo empobrecimento dos pobres. Com a experiência que tem, é de se supor e esperar que a Presidente eleita, diante deste termo público de responsabilidade, seja capaz de dar passos mais ousados e abra novos caminhos que acelerem o processo de liberdade, justiça e libertação que há de vir.
 
Se o que disse até agora for de fato assumido como prática pelo novo governo, então, respostas e encaminhamentos para os demais desafios fluirão quase que espontaneamente, uma vez que são consequência natural da postura demandada pelo projeto.
 
Não há como erradicar a pobreza sem investir em educação e saúde como prioridades absolutas. Educação, conforme legado de Paulo Freire, como 'pedagogia do oprimido', que transforma cada pessoa em agente, que aprende não apenas a ler e escrever, mas faz de cada um intérprete, sujeito e protagonista de sua própria história. Saúde, que de acordo com a OMS não se reduz ao plano biológico, mas ao conjunto de necessidades indispensáveis que tornam uma vida saudável: meio ambiente, moradia, saneamento, cultura, lazer, trabalho, salário etc.
 
No terreno das reformas, a grosso modo, não há como erradicar a pobreza sem uma corajosa e profunda reforma econômica que condene expressamente o mercado, a competitividade e o lucro como grandes responsáveis pelo extermínio dos pobres; não há como erradicar a pobreza sem uma corajosa e profunda reforma tributária que, por ser complacente com a classe abastada, onera absurdamente as classes média e pobre; não há como erradicar a pobreza sem uma corajosa e profunda reforma política, capaz de varrer definitivamente do cenário nacional a máfia da corrupção, que desvia inescrupulosamente o dinheiro dos cofres públicos; não há como erradicar a pobreza sem uma corajosa e profunda reforma agrária que enfrente e combata o latifúndio, limitando a propriedade rural, e disponibilizando toda a infraestrutura exigida para que o homem do campo siga cultivando a terra; não há como erradicar a pobreza sem uma corajosa e profunda reforma ambiental que, freando a exploração de nossas reservas por transnacionais e pelo agronegócio, ponha fim ao desmatamento, às depredações, à poluição, que causam prejuízos irreversíveis ao sistema ecológico e às populações pobres que vivem, em especial, na região amazônica.
 
Essas, entre outras ações importantes e urgentes no contexto da preservação da vida, serão sustentadas pelo projeto que é o fundamento de tudo: Queremos uma nação justa, soberana, independente, livre da dominação nacional e estrangeira. A Presidente Dilma Rousseff e os brasileiros que nela votamos, se nos unirmos, motivar-nos e mobilizar-nos na parceria com movimentos sociais e populares, sindicatos, associações, igrejas, e todas as pessoas e instituições de boa vontade, poderemos manter o Brasil no rumo certo. Se esta sintonia vem a ser realidade, então valeu ter derrotado o Serra que já é passado, para olhar com confiança o futuro, na certeza de que juntos 'vamos lá fazer o que será'.
 
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