Os CDS e as agências de notação : fautores de riscos e desestabilização (V)

09/10/2011
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

Em julho-agosto de 2011, as bolsas foram novamente abaladas a nível internacional. A crise aprofundou-se na União Europeia, em particular em matéria de dívidas. O CADTM|1| entrevistou Eric Toussaint a fim de descodificar os diferentes aspectos desta nova fase da crise.

CADTM: Ainda não falaste dos Credit Default Swaps (CDS)…

Eric Toussaint: Os CDS são um produto financeiro que não está sujeito a qualquer controlo público. Foi criado na primeira metade dos anos 1990, em pleno período de desregulamentação. “Credit Default Swap” significa literalmente permuta de pagamentos em falta. Normalmente deveria permitir ao detentor dum crédito obter uma indemnização paga pelo vendedor do CDS quando o emissor duma obrigação entra em falência, quer se trate dum poder público quer duma empresa privada. O condicional é de rigor por duas razões principais. Primeiro, porque é possível comprarmos um CDS para nos protegermos dum risco de não reembolso duma obrigação que não temos. É a mesma coisa que fazer um seguro contra risco de incêndio da casa do vizinho, na esperança de que a casa seja destruída pelas chamas, a fim de receber o prémio. Em segundo lugar, os vendedores de CDS não reuniram previamente os meios financeiros suficientes para indemnizar as vítimas de não reembolso das dívidas. Em caso de falência em cadeia das empresas privadas que emitiram obrigações ou do não reembolso por parte de um Estado devedor importante, é garantido que os vendedores de CDS estarão incapacitados de proceder às indemnizações que prometeram. O desastre da empresa norte-americana AIG em agosto de 2008, a maior sociedade de seguros internacional (na verdade foi nacionalizada por Bush a fim de evitar as consequências duma falência) e a falência de Lehman Brothers estão directamente ligadas ao mercado de CDS. AIG e Lehman estavam muito desenvolvidas neste sector.

O mercado de CDS permite toda a espécie de manipulações. Tive oportunidade de seguir de perto uma tentativa de manipulação quando fui membro da comissão de auditoria da dívida pública interna e externa levada a cabo pelo governo equatoriano em 2007, cujos resultados foram publicados em 2008. Enquanto auditávamos a dívida equatoriana e o presidente Rafael Correa ameaçava os mercados financeiros internacionais de pôr fim ao reembolso da parte ilegítima da dívida, a sociedade privada norte-americana Abadie entrou em contacto com o governo equatoriano para lhe fazer uma proposta edificante. A sociedade propunha ao presidente Correa que ele desse a entender que suspenderia o pagamento da dívida imediatamente antes do vencimento, que seria dentro de três semanas. Isto permitiria à sociedade vender CDS num montante que ela calculava ser de 300 milhões de dólares. O resultado final deveria ser o seguinte: na realidade, o Equador pagaria o que devia. Daí, a sociedade não teria de indemnizar os detentores de CDS e depositaria metade do montante na conta do governo equatoriano. A sociedade afirmava que esta operação não implicava qualquer risco judicial, pois as vendas seriam feitas pouco a pouco, sem qualquer controlo por parte das autoridades norte-americanas. A sociedade afirmava que já tinha realizado diversas operações deste género. As autoridades equatorianas recusaram a proposta e optaram por outra estratégia que deu bons resultados. A utilidade desta história verídica é demonstrar que na prática, os emissores (e os compradores) de CDS podem realizar toda a espécie de manipulações. É preciso recordar que até ao desastre da AIG e à falência do Lehman Brothers, o FMI, a Reserva Federal dos EUA, o BCE diziam à boca cheia que os CDS eram um produto novo que oferecia excelentes garantias contra os riscos (ver quadro sobre os CDS). Entretanto o discurso mudou, mas nada, absolutamente nada, foi feito para regulamentar. Os CDS constituem, pela sua larga disseminação, uma terrível bomba-relógio para o sistema financeiro internacional. Na verdade, deveriam ser interditos.

As autoridades monetárias e financeiras incentivaram a criação da bomba-relógio CDS

Alan Greenspan, ex-director da Reserva Federal dos EUA, escreveu em 2007, quando a crise rebentou nos EUA e se alastrou à Europa: “Uma inovação recente de grande importância foi a criação dos Credit Default Swap ou CDS. Trata-se dum produto derivado que transfere o risco de crédito, geralmente dum crédito relativo a um instrumento de dívida, para um terceiro, a troco de um prémio. A possibilidade de beneficiar de rendimentos dum empréstimo transferindo pura e simplesmente para terceiros o risco do crédito foi um maná para os bancos e outros intermediários financeiros; de facto, para obter a taxa de rendimento desejada sobre os fundos, os bancos têm de aumentar o seu rácio de endividamento ao aceitarem o depósito de obrigações e/ou de dívidas. Regra geral, estas instituições prosperam emprestando dinheiro. No entanto, nos períodos difíceis incorrem problemas de créditos difíceis bem conhecidos que no passado os obrigavam a reduzir os empréstimos. Ora, esta restrição enfraquecia a actividade económica no seu todo. Um instrumento de mercado que desloca o risco dos emissores de crédito fortemente endividados pode revelar-se de interesse crítico para a estabilidade económica, especialmente no contexto mundial. O CDS foi, por conseguinte, inventado para responder a esta necessidade; tomou o mercado de assalto. O Banco de Regulamentos Internacionais calculou que em 2006 os CDS totalizaram mais de 20 mil milhões de equivalente-dólar, ao passo que em 2004 ascendiam apenas a 6 mil milhões. A capacidade de amortização deste instrumento foi demonstrada de forma estrondosa entre 1998 e 2001, quando o CDS conseguiu repartir os riscos de mil milhões de dólares pelos empréstimos destinados às redes de telecomunicações, então em rápida expansão. Embora grande parte dessas empresas tenham falido aquando da explosão do fenómeno Internet, nem uma só das grandes instituições de garantia de empréstimos esteve em perigo. Em última análise, as perdas foram absorvidas pelos seguradores fortemente capitalizados, por fundos de pensão e outros, que tinham sido os principais fornecedores de garantias de falência de crédito. Todos tiveram a capacidade de absorver o choque. Por isso não houve repercussões de falência em cascata como em épocas anteriores.”

Quanto ao FMI, em 2007, Alan Greenspan declara a propósito da saúde dos EUA, nomeadamente dos CDS, designados “os novos mercados de transferência de riscos”: “Embora não se deva usar de complacência, parece que esta inovação veio fortalecer a solidez do sistema financeiro. Os novos mercados de transferência de riscos favoreceram a dispersão do risco de crédito, dum núcleo onde o riso moral é concentrado para uma periferia onde a disciplina de mercado é o principal freio à tomada de riscos. […] Se a alternância dos períodos de euforia e de pânico não desapareceram – as fases de expansão – os mercados demonstraram a capacidade de se auto-regularem” (FMI, Relatório das Consultas de 2007 ao Abrigo do Artigo 4º com os EUA |2|).

É evidente que certos bancos considerados sérios não renunciaram a proteger-se contra os riscos de falha de pagamento pelos CDS. Daí que o Deutsche Bank tenha anunciado em fins de julho de 2011 que tinha reduzido em 88% a sua exposição à dívida italiana. O principal emprestador alemão terá reduzido a sua exposição em Itália de 8 000 milhões de euros para 997 milhões de euros. De acordo com o Financial Times, o Deutsche Bank chegou a este resultado, não por ter vendido títulos italianos por mais de 7000 milhões de euros, mas por um jogo de escrita nos livros de contas, comprando CDS para se proteger contra a possibilidade de incumprimento nos pagamentos por parte da Itália |3|.
A outro nível, os hedge funds que são particularmente activos no mercado OTC dos CDS ficam inquietos perante a perspectiva dum corte na dívida grega. Perguntam-se se permanecerão suficientemente credíveis para continuarem a vender CDS, uma vez que não indemnizarão os detentores de CDS sobre a dívida grega |
4|.

CADTM: Qual é a parte de responsabilidade das agências de notação na crise?

Eric Toussaint: As norte-americanas Standard and Poor’s e Moody’s, assim como a franco-norte-americana Fitch são as três agências privadas de notação que dão cartas na questão da avaliação da solvabilidade e credibilidade de quem emite obrigações, quer se trate de Estados quer de empresas |5|. Existem há cerca de um século, mas foi só a partir dos anos 1970-1980, com a financiarização da economia, que os seus negócios sofreram uma expansão brutal. Porém, encontram-se num constante conflito de interesses. Até aos anos 1970, eram os compradores potenciais de obrigações emitidas pelos Estados e as empresas que pagavam às agências de notação para que dessem um parecer sobre a qualidade dos emissores. A partir daí, a situação inverteu-se completamente; passaram a ser os emissores de obrigações que pagam às agências para que elas os avaliem. A motivação dos poderes públicos e das empresas é, claro está, a de obter uma boa nota a fim de pagarem as taxas de juro mais baixas possível aos compradores de obrigações. Recordemos que até à véspera da falência da Enron em 2001, as agências de notação, principescamente pagas, atribuíam a melhor nota a esse negociante de energia. O mesmo aconteceu em 2008 com os bancos de negócio Merril Lynch ou Lehman Brothers. O mesmo com a Grécia em 2009-inícios de 2010. Demonstram bem a que ponto são nefastas. Deviam ser sujeitas a acção judicial, porque os resultados das notas que distribuem foram e são nefastos. A avaliação de riscos é uma tarefa que deveria caber aos organismos públicos. (Traduzido por Rui Viana Pereira, revisto por Noémie Josse-Dos Santos.)

Final da quinta parte

notes articles:

|1| Este artigo está incluído numa série de sete artigos. Ver a primeira parte “A Grécia no centro da tormenta” http://www.cadtm.org/A-Grecia-no-ce..., a segunda parte “A feira de saldos dos títulos gregos” http://www.cadtm.org/A-feira-de-sal... a terceira parte “O BCE, servo fiel dos interesses privados” http://www.cadtm.org/O-BCE-servo-fi... a quarta parte: O “Plano Brady” europeu – austeridade permanente http://www.cadtm.org/Quarta-parte-O...

|2| A propósito dos erros de julgamento do FMI relativamente aos EUA, da Irlanda, ver: François Sana “Zéro de conduite pour le FMI”, http://www.cadtm.org/Zero-de-condui...

|3| Financial Times, “Deutsche hedges Italian risk”, 27.07.2011, p. 13.

|4| Financial Times, « Greek rescue plan worries hedge funds », supplément FTfm, 8 August 2011.

|5| Existem outras, como a chinesa Dagong, mas com pouca influência.

 

infos article
URL: http://www.cadtm.org

 

https://www.alainet.org/es/node/153192
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS