Carnaval: com que roupa?
17/02/2012
- Opinión
Sou do tempo em que no carnaval nossas mães soltavam a criatividade e faziam para cada um de nós a mais linda e diferente fantasia: “ de rei ou de pirata ou jardineira”... diz a canção do poeta Vinicius de Moraes. E de camponesa russa, de bailarina, de ursinho etc. etc. Quem já não vestiu cada uma dessas fantasias e foi para o baile sentindo-se rainha ou pelo menos princesa, com todos os olhares postos na sua pessoa?
Havia também os grupos. E eu participei de vários. Uma vez éramos 26 palhaços, rapazes e mocinhas, todos de cara pintada, bata de seda, meias pretas. Em outra, 17 tiroleses. Eu fui de saia, a única. E a mancha verde se confundia com os confetes e serpentinas. Naquele tempo, a maior preocupação das mães era um de nós engolir confete e ter de parar no hospital. Ou escorregar no chão cheio de serpentinas molhadas e quebrar uma perna.
Sim, senhoras e senhores, a gente vai ficando velha. Lança-perfume era só uma deliciosa sensação de geladinho na perna, nas costas, na mão. E disputar quase a tapa a linda garrafa dourada para brincar de casinha no dia seguinte. Em nossa inocência jamais soubemos o que Rita Lee sabia. E que os garotos mais velhos que iam ao baile noturno dos clubes também sabiam.
Para nós, pequenas, era brincar em roda, fazer cordão, cantar e suar até se acabar. E quando a adolescência começava a espreitar na porta, sentir o coração bater e o rosto corar, sem precisar de maquiagem. Será que o namorado ou “paquerado” viria ao baile? Será que ia dançar conosco? Coisas que enchiam a imaginação, o afeto, o coração.
Hoje, fantasia, quando é anunciada nos desfiles e concursos a vontade é perguntar: onde está? Porque quando não se resume a uma lantejoula estrategicamente colocada na parte inferior do tronco, chega a, no máximo, algumas pluminhas que balançam ao som da música e deixam adivinhar tudo que, aliás, ninguém estava tentando esconder. A nudez é a fantasia na maioria das vezes. Pois para isso aquele corpo foi submetido à mais rigorosa “malhação” ao longo de todo o ano, a fim de poder ser exibido sem cuidado nem pudor, mas, ao contrário, orgulhosamente, aos olhares todos.
Não cabe aqui ser moralista. Fica até meio ridículo. Cabe, porém, tentar refletir. A
realidade está aí para isso mesmo: ser ruminada, digerida, refletida, mastigada. Reflitamos então. Não estaremos indo na contramão da civilização que levamos milênios para construir e edificar? Pois na raiz da mesma está uma combinação dos dois elementos: a nudez e a veste.
A primeira era apanágio dos gregos. Na nudez estava o apanágio da estética. E por isso as gravuras da época cuidaram bem que ficasse material para que os artistas renascentistas imortalizassem a beleza nua das deusas do Olimpo, como Vênus e Afrodite, que deixavam ver o esplendor de seus corpos perfeitos para sempre escavados no alvíssimo mármore. Até hoje peregrinamos pelos museus europeus extasiando-nos diante dessas maravilhas.
Mas não só de Atenas vive a nossa cultura. Não podemos nos esquecer de Jerusalém, longe de nós. E nesta cultura, a veste era a coisa mais importante. Era a “carteira de identidade” da pessoa, pois revelava a que meio social pertencia. E era igualmente sinal de respeito. Apresentar-se em algum lugar, sobretudo em um ritual ou uma festa, com a veste inadequada era uma falta de respeito passível de ser punida com a expulsão ou a rejeição mais radical.
Foi nesse terreno plural e rico que aterrissou a mensagem cristã. E foi tão natural como o desabrochar de uma flor identificar a nova vida em Cristo, que a comunidade proclamava com entusiasmo e alegria com uma nova veste que devia ser revestida e nunca retirada, a fim de fazer parte da personalidade da pessoa. Assim é que o apóstolo diz uma e outra vez: “Pois todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo”(Gal 3,27). Ou ainda “... e vos revestistes do novo, que se vai restaurando constantemente à imagem daquele que o criou, até atingir o perfeito conhecimento.”(Col 3,10).
Assim, no próximo carnaval, vamos brincar de ir vestidos. Não só vai ser coisa nova, que vai chamar a atenção. Mas pode ser inclusive testemunho de que estamos cheios de alegria justamente porque fomos revestidos d’Aquele que é a fonte da vida e da alegria. Um bom e sadio carnaval para todos e todas!
Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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