Dorothy Day: uma revolução do coração
08/03/2012
- Opinión
No Dia Internacional da Mulher, trazemos aqui uma grande mulher do século XX: Dorothy Day. Personalidade polifacética e inspiradora, tem sido o ícone e o símbolo de vida de muitos. Na América Latina, lamentavelmente é praticamente desconhecida, não tem quase nenhuma de suas obras traduzidas ao espanhol e ao português.
Trata-se de uma jornalista norte-americana de grande idealismo, que a certa altura teve um encontro profundo com o Deus de Jesus Cristo e tornou-se uma grande líder católica. Sua pessoa é referência obrigatória quando se trata de pensar a doutrina social da Igreja, pois ela a viveu e pôs em prática de maneira gigantesca e impressionante.
Dorothy Day nasceu em Nova York em 1897. Passou a maior parte de sua infância em Chicago, onde foi aluna da Universidade de Illinois, em Urbana Champaign, durante dois anos, antes de retornar a Nova York com sua família, em 1916.
Ao se mudar para Nova York, Dorothy encontrou trabalho como repórter do jornal The Call, o único periódico socialista da cidade. Depois, trabalhou para a revista The Masses, que fazia oposição ao envolvimento dos EUA na guerra travada na Europa e foi fechado em setembro de 1917. Em novembro deste mesmo ano, Dorothy Day foi para a prisão por ser uma das 40 mulheres a protestar diante da Casa Branca contra a proibição do voto feminino. Na casa de detenção, elas reagiram à brutalidade com que foram tratadas com uma greve de fome. Foram finalmente libertadas por ordem presidencial.
Em Nova York, Dorothy levou uma vida muito agitada e boêmia. Namorou um jornalista, de quem engravidou e fez um aborto. Depois, teve uma união civil com outro homem, um botânico, com quem teve uma filha. Sua conversão ao Catolicismo seguiu-se ao nascimento da filha. E após o seu próprio batismo rompeu com o parceiro, que não aceitava sua opção religiosa.
Conheceu Peter Maurin, filósofo e pedagogo francês, discípulo do personalismo de Emmanuel Mounier, com quem aprendeu a teologia e a doutrina que seguia apenas por intuição. Nele, Dorothy Day encontrou um cristão e um reformador com quem experimentava comunhão de mente e de sentimentos. Em 1933, em plena Grande Depressão norte-americana, ambos deram início ao movimento Catholic Worker, que não apenas publicou um jornal influente, como também fundou várias casas de acolhida para servir aos desabrigados e desempregados que o “crack” da Bolsa de Nova York, em 1929, havia multiplicado exponencialmente. Dorothy Day fez-se pobre para servir aos pobres, e todo infeliz e necessitado passou a encontrar em seu generoso coração uma maternidade.
Se tentarmos definir o perfil dessa mulher, podemos dizer que era certamente uma revolucionária que desejava sempre fazer uma “revolução do coração”. Ela é também, certamente, uma mística, mas uma mística fora do comum. Nos anos 1960, foi apreciada e louvada pelos líderes da contracultura, como Abbie Hoffman, que a caracterizou como a primeira “hippie”, uma definição que ela gostou e aprovou.
Dorothy Day escreveu apaixonadamente sobre os direitos da mulher na década de 1910, mas não estava de acordo com a revolução sexual dos anos 1960, por considerar que este excesso de liberdade tivera efeitos devastadores em si própria quando jovem e ao redor de si.
Ela conseguia combinar uma atitude progressista na direção dos direitos sociais e econômicos com um sentido muito ortodoxo e tradicional da fé e da piedade católicas. Mas sua devoção e obediência à Igreja não eram cegas ou acríticas. Um exemplo: ela condenou publicamente o líder falangista espanhol Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola, o que lhe valeu a oposição de muitos católicos norte-americanos, clérigos ou leigos. E teve que mudar o nome de seu jornal (Catholic Worker) “ostensivamente porque a palavra católico implica uma conexão eclesial oficial, quando este não era o caso.“ Suas principais lutas foram por justiça e paz. Por isso viveu. Sua peregrinação terrestre terminou em Maryhouse, em New York City, em 29 de novembro de 1980, onde ela morreu no meio dos pobres.
Dorothy Day dizia sempre: “O maior desafio de hoje é como fazer acontecer a revolução do coração, uma revolução que tem que começar com cada um de nós”. Que no Dia Internacional da Mulher ela possa inspirar – sobretudo a nós, mulheres - essa revolução sempre necessária e, hoje, talvez mais que nunca. No dia em que a mulher se “esquecer” do coração, a humanidade certamente estará em maus lençóis.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
Trata-se de uma jornalista norte-americana de grande idealismo, que a certa altura teve um encontro profundo com o Deus de Jesus Cristo e tornou-se uma grande líder católica. Sua pessoa é referência obrigatória quando se trata de pensar a doutrina social da Igreja, pois ela a viveu e pôs em prática de maneira gigantesca e impressionante.
Dorothy Day nasceu em Nova York em 1897. Passou a maior parte de sua infância em Chicago, onde foi aluna da Universidade de Illinois, em Urbana Champaign, durante dois anos, antes de retornar a Nova York com sua família, em 1916.
Ao se mudar para Nova York, Dorothy encontrou trabalho como repórter do jornal The Call, o único periódico socialista da cidade. Depois, trabalhou para a revista The Masses, que fazia oposição ao envolvimento dos EUA na guerra travada na Europa e foi fechado em setembro de 1917. Em novembro deste mesmo ano, Dorothy Day foi para a prisão por ser uma das 40 mulheres a protestar diante da Casa Branca contra a proibição do voto feminino. Na casa de detenção, elas reagiram à brutalidade com que foram tratadas com uma greve de fome. Foram finalmente libertadas por ordem presidencial.
Em Nova York, Dorothy levou uma vida muito agitada e boêmia. Namorou um jornalista, de quem engravidou e fez um aborto. Depois, teve uma união civil com outro homem, um botânico, com quem teve uma filha. Sua conversão ao Catolicismo seguiu-se ao nascimento da filha. E após o seu próprio batismo rompeu com o parceiro, que não aceitava sua opção religiosa.
Conheceu Peter Maurin, filósofo e pedagogo francês, discípulo do personalismo de Emmanuel Mounier, com quem aprendeu a teologia e a doutrina que seguia apenas por intuição. Nele, Dorothy Day encontrou um cristão e um reformador com quem experimentava comunhão de mente e de sentimentos. Em 1933, em plena Grande Depressão norte-americana, ambos deram início ao movimento Catholic Worker, que não apenas publicou um jornal influente, como também fundou várias casas de acolhida para servir aos desabrigados e desempregados que o “crack” da Bolsa de Nova York, em 1929, havia multiplicado exponencialmente. Dorothy Day fez-se pobre para servir aos pobres, e todo infeliz e necessitado passou a encontrar em seu generoso coração uma maternidade.
Se tentarmos definir o perfil dessa mulher, podemos dizer que era certamente uma revolucionária que desejava sempre fazer uma “revolução do coração”. Ela é também, certamente, uma mística, mas uma mística fora do comum. Nos anos 1960, foi apreciada e louvada pelos líderes da contracultura, como Abbie Hoffman, que a caracterizou como a primeira “hippie”, uma definição que ela gostou e aprovou.
Dorothy Day escreveu apaixonadamente sobre os direitos da mulher na década de 1910, mas não estava de acordo com a revolução sexual dos anos 1960, por considerar que este excesso de liberdade tivera efeitos devastadores em si própria quando jovem e ao redor de si.
Ela conseguia combinar uma atitude progressista na direção dos direitos sociais e econômicos com um sentido muito ortodoxo e tradicional da fé e da piedade católicas. Mas sua devoção e obediência à Igreja não eram cegas ou acríticas. Um exemplo: ela condenou publicamente o líder falangista espanhol Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola, o que lhe valeu a oposição de muitos católicos norte-americanos, clérigos ou leigos. E teve que mudar o nome de seu jornal (Catholic Worker) “ostensivamente porque a palavra católico implica uma conexão eclesial oficial, quando este não era o caso.“ Suas principais lutas foram por justiça e paz. Por isso viveu. Sua peregrinação terrestre terminou em Maryhouse, em New York City, em 29 de novembro de 1980, onde ela morreu no meio dos pobres.
Dorothy Day dizia sempre: “O maior desafio de hoje é como fazer acontecer a revolução do coração, uma revolução que tem que começar com cada um de nós”. Que no Dia Internacional da Mulher ela possa inspirar – sobretudo a nós, mulheres - essa revolução sempre necessária e, hoje, talvez mais que nunca. No dia em que a mulher se “esquecer” do coração, a humanidade certamente estará em maus lençóis.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
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