O impasse no G-20 que tornou a economia mundial ingovernável

25/03/2012
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Desde que os Estados Unidos perderam a posição de potência hegemônica no campo econômico, e isto é um fato, o sistema mundial segue à deriva no meio da crise atual, na expectativa de que um grande acordo no âmbito do G-20 favoreça a recuperação e estabilização das economias industrializadas avançadas. Isso não é impossível porque o G-20 representa 90% da economia e da população do mundo, e tendo um número relativamente reduzido de participantes pode, em tese, combinar representatividade e operacionalidade.

Infelizmente, não é o que tem acontecido na prática. A grande imprensa, por razões ideológicas ou por pura ignorância, não consegue passar para as sociedades os motivos pelos quais o G-20 não é capaz de funcionar, tornando-se pouco mais que um clube de diversão cultural. Um agudo conflito interno paralisou o G-20 depois da reunião de Toronto no primeiro semestre de 2010: a corrente chefiada por Obama, com apoio da China, fracassou na proposta de manutenção dos programas de estímulo que certamente haviam funcionado em 2009.

Do outro lado estava Merkel, da Alemanha. Com sua obsessão contra déficits públicos e o conforto político de ter aliados à direita do porte de Sarkozy e Cameron (que havia desalojado os trabalhistas do poder na Inglaterra), além de instituições internacionais conservadoras como FMI e BCE, impôs com facilidade aos países do euro, sob o mantra de “exit strategy” – ou seja, estratégias de saída das políticas de estímulo -, um forte e sem precedentes programa de ajuste fiscal, iniciado com o virtual estrangulamento financeiro e social da Grécia, da Irlanda e de Portugal, pondo na fila Espanha e Itália.

Para se entender a política inicialmente defendida por Obama e a política finalmente imposta pela Alemanha, basta considerar que estímulo fiscal possibilita (embora nem sempre garanta) transferência de renda de rico para pobre, enquanto política de ajuste, e política de estímulo monetária garantem absolutamente transferência de renda e de patrimônios de pobres para ricos, isso em plena recessão.

Obama não precisava (ou precisa) da restauração da hegemonia econômica americana para fazer a Alemanha capitular a um programa de estímulo fiscal de que tanto necessita a economia europeia e mundial. Bastaria que tivesse consenso político interno, já que a economia alemã é altamente dependente de exportações para os Estados Unidos. Acontece que justamente em 2010 o Partido Democrata perdeu o controle da Câmara, o que resultou na paralisação também das iniciativas econômicas internas do governo Obama em face da feroz campanha do Partido Republicano pela redução do déficit e da dívida pública. Com isso, ele não teve base política para pressionar a Europa, com eficácia, a tomar o rumo da retomada do desenvolvimento mediante políticas de estímulo fiscal.

Note-se que não se pode dizer que o G-20 é uma instituição inútil. O fato de estar sendo inútil não obscurece o papel altamente positivo que teve no início da crise de 2008. Na reunião de Washington, e ainda nas que se seguiram em Londres e em Pittsburg, houve praticamente unanimidade em torno das políticas de estímulo fiscal. Dali resultaram um programa de 767 bilhões de dólares nos EUA, 540 bilhões de dólares na China, 100 billhões no Japão e na Rússia, 180 bilhões de reais via BNDES no Brasil, mais de 100 bilhões de dólares na Índia. Não foi exatamente surpresa que, em fins de 2009, a economia dos países industrializados avançados (e a nossa) parecia ter-se recuperado do pior da crise, o que animou Merkel a propor seu programa de ajustes fiscais generalizados na Europa.

Mais importante foi a posição ideológica também unânime nesses encontros até 2010. Sarcozy, incrivelmente, proclamou que todos daí em diante seriam keynesianos. Na leitura dos comunicados finais das três reuniões, a primeira delas, em Washington, com Bush ainda na presidência, a palavra-chave era cooperação, repetida mais de cinco vezes nos comunicados finais. Foi esse ambiente cooperativo que se rompeu em Toronto. A Alemanha e os outros grandes da Europa assumiram a postura moralista de que os países do sul do continente tinham de pagar pelo seu excesso de gastos públicos, como se esses excessos não fossem a contrapartida, em última instância, da exagerada e sem precedentes especulação privada.

Moral e política não deviam misturar-se. Se for para salvar a Europa do euro e o sistema de bem-estar social europeu, é fundamental voltar às políticas de estímulo fiscal, independentemente da situação atual do déficit e da dívida pública. Se o socialista Hollande ganhar as eleições na França, é possível um racha benévolo na liderança europeia. Se a isso suceder-se uma vitória de Obama e do Partido Democrata em novembro, os Estados Unidos, diante do previsível fracasso dos ajustes atuais (o FMI prevê contração de 0,5% na área do euro), poderão exercer uma hegemonia consentida pelo desenvolvimento com base em estímulo fiscal no âmbito do G-20. Caso contrário, como disse Marx em outra circunstância, estaremos todos dentro de la même merde!

Obs. Este artigo é dedicado aos leitores que estranharam meu apelo às esquerdas para ajudarem a reformar o capitalismo utilizando-se dos instrumentos da democracia de cidadania ampliada, em especial aos que acreditam que todo capitalismo é um só, e, portanto, enquanto subsistir, nada se pode fazer para melhorar a vida e o bem estar dos mais pobres e vulneráveis.

- J. Carlos de Assis é economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor de vários livros sobre economia política brasileira, dentre os quais “O Universo Neoliberal em Desencanto”, em co-autoria com o físico-matemático Francisco Antonio Doria, recentemente lançado pela Editora Civilização Brasileira.
 
 
https://www.alainet.org/es/node/156740

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