Declaração de amor a uma mãe “caçula”

09/05/2012
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Quem é sabe.  Quem não é deseja e imagina. Ser caçula é uma situação de vida, uma experiência existencial, um estado de espírito.  Ser a menor dos irmãos, ser sempre a pequenina do pai e da mãe, ser mimada etc. E se além de ser caçula se tem jeito de caçula, cara de caçula e charme de caçula,  ainda mais.  Fica difícil um dia deixar de sê-lo e resolver acessar a idade adulta.
 
Assim foi com ela.  Caçula e ainda por cima temporã.  E linda, engraçada e adoravelmente simpática.  Mimada desde que abriu os olhos por avós, pais e irmãos, adentrou a vida construindo e reforçando o império que sua caçulice lhe deu, distribuindo charme, beleza e encanto em volta de si.  Mas também, muitas vezes, manha, capricho e infantilidade, consequências da maneira como era tratada por todos e todas.
 
No colégio, reproduzia o comportamento vivido em casa.  Esquecida e distraída, quantas vezes a pobre avó não teve que sair correndo de ônibus para levar um trabalho que havia ajudado a fazer até as duas da manhã e a pequerrucha esquecera sobre a mesa da sala?  Mas ouvi-la chorar ao telefone era uma provação pior do que enfrentar o ônibus, o trânsito.  Lá ia a vovó cobrir a lacuna deixada pela distração da neta.  
 
À sua caçulice se somava um coração altamente generoso e compassivo.  Não havia desgraça – verdadeira ou falsa, pois muitas vezes foi enganada em sua boa fé – que não a tocasse intimamente e não a fizesse mover céus e terras para ajudar.  Isso teve impacto em sua vida amorosa.  Às vezes, entre os rapazes que a cortejavam, escolhia o mais carente e não o  que mais lhe agradava. Assim viveu amores decepcionantes e frustrantes.  E as lágrimas que desciam sobre seu rostinho apertavam o coração dos pais e irmãos, que tentavam trazê-la de volta à serenidade perdida.
 
Foi no impulso de um desses amores que saiu do Rio de Janeiro e foi morar no exterior. Primeiro recusou-se a ir e manteve-se firme.  Mas as lágrimas do rapaz do outro lado do oceano, suas juras de eterno amor acabaram por vencê-la. Vendeu o carro e diante dos pais indignados, embarcou e lá se foi.
 
Quando não deu certo, como já era de se prever, os pais suspiraram aliviados.  Mas qual não foi a surpresa quando, em vez de voltar correndo pedindo colo, ela lhes comunicou ter encontrado outra pessoa que parecia ser o amor definitivo em sua vida.  Ninguém acreditou nem deu muita importância.  Mais uma de suas coisas de caçula.  Mas a relação foi se firmando, solidificando, superando obstáculos inevitáveis, até que um dia ela comunicou que iria largar o trabalho, fechar o apartamento onde morava e casar-se com ele.
 
Os pais quase morreram de preocupação.  Como, em uma época onde todo mundo anda louco atrás de trabalho, ela largava o excelente trabalho que conseguira? Como sua caçulinha ousava tomar estas decisões e fazer estas escolhas tão sérias longe deles e de sua sombra protetora?  Ela respondeu candidamente que  eles mesmos lhe haviam ensinado que o amor é a coisa mais importante do mundo e que deve passar na frente de tudo.
 
Três anos depois, a decisão tem pagado seu preço, mas continua firme e inabalável. E, recentemente, deu seu primeiro fruto: Lucas, um adorável menino moreninho e esperto, nascido há dois meses. Ela mergulhou em fraldas, mamadeiras, pomadas, com coragem e valentia.  Enfrenta cansaços, noites em claro e muito trabalho, sem ajuda de nenhuma espécie, pois o marido trabalha muito e chega tarde.  Os caprichos da caçulinha ficaram para trás.  Agora o que conta é o bem-estar e o sorriso de Lucas.
 
Esta mulher é minha filha mais nova.  Seu nome é Maria Cândida.  E nesse Dia das Mães quero declarar-lhe meu respeito, minha admiração e meu amor. Confesso, querida, que não pensei que você chegasse aí como chegou.  Mas hoje me declaro admirada e agradecida. Lucas tem muita sorte de ter uma mãe como você.  E nós todos muito orgulho de tê-la como filha e irmã. Não tememos mais por você.  Você demonstrou bem do que é capaz!  Muita alegria e felicidade é o que desejamos em seu primeiro Dia das Mães!
 
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre  ética,   mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.     
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