O templo, o massacre e o racismo sempre vivo

08/08/2012
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A religião sikh é monoteísta e tem seis séculos de existência.  Fundada entre o Paquistão e a Índia pelo Guru Nanak, é habitualmente vista como uma fusão sincrética entre o hinduísmo e Islã sufista.
 
O termo “sikh” significa “discípulo forte e tenaz”.  Os sikhs, portanto, têm no discipulado, na aprendizagem, seu eixo organizador.  Sua doutrina básica consiste na crença em um único Deus e nos ensinamentos dos Dez Gurus recolhidos no livro sagrado do Guru Granth Sahib, considerado o décimo primeiro e último dos gurus.
 
Os sikhs são numerosos no mundo, totalizando cerca de 23 milhões.  Isso faz de sua religião a quinta com o maior número de adeptos no mundo.  Desses, 19 milhões vivem na Índia, mas também existem várias comunidades em outros países, inclusive no Ocidente.  Como, por exemplo, nos Estados Unidos.
 
O templo sikh de Wisconsin existe desde 1997.  Começou com 20 a 25 famílias que, pouco a pouco, foram construindo suas instalações em Oak Creek, na região sul da cidade de Milwaukee graças a doações da comunidade e de outras comunidades do exterior.
 
No último domingo, o ritual pacífico da comunidade sikh que frequentava o templo foi brutalmente interrompido pela irrupção de Wade Michael Page, de 40 anos, ex-militar que levava tatuadas no corpo slogans neonazistas  identificando-o com grupos racistas que defendem a supremacia da raça branca.
 
Page fazia parte de duas bandas musicais que pregavam o ódio racial, End Apathy (Fim da Apatia ) e  Definite Hate (Ódio Definitivo). O álbum chamado “Violent Victory” (Vitória Violenta), gravado por Page e seus companheiros, traz na capa um braço de homem branco dando um soco em um homem negro.
 
Page assumia seu racismo publicamente e sem pudor. Em entrevista de 2010 na internet, ele explica ter formado o grupo End Apathy em 2005, porque percebeu que se os integrantes encontrassem uma forma de acabar com a apatia das pessoas, poderiam “mudar as coisas”. E mudar as coisas, para Page, significava lutar para eliminar tudo que diferisse ou interferisse na absoluta supremacia da raça branca nos Estados Unidos e no mundo.
 
Segundo notícias da imprensa estadunidense, a banda End Apathy gravou diversas músicas e todas têm em comum letras e slogans que conclamam os brancos do país a despertar e lutar pela supremacia de sua raça ameaçada pelos diferentes, pertencentes a outras raças e culturas, que estariam invadindo o espaço que só a eles pertence. Em uma das letras, o grupo canta: “acorde, homem branco, por sua raça e por sua terra”. A camiseta da End Apathy  é ilustrada por 14 números romanos que fazem referência ao slogan da supremacia branca: “nós devemos garantir a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”.
 
No último domingo, dia 5 de agosto,  Page invadiu o templo religioso sikh em Oak Creek, abriu fogo contra os fiéis e foi morto no confronto com a polícia. Pessoas morreram, outras ficaram feridas e o pânico se instalou na comunidade, que agora coleta doações para ajudar as vítimas e seus familiares.
 
As razões para tal violência deixam os EUA e o mundo perplexos.  O que podia ter esse ex-militar, que trabalhou com mísseis e foi expulso do exército por mau comportamento, contra a comunidade sikh que se reunia pacificamente em seu templo para orações e atividades comunitárias?
 
Perplexidade essa que se torna maior ainda  ao constatar que o ato de violência perpetrado por Page não é algo isolado.  Há vários anos os sikhs são sistematicamente perseguidos e atacados.  Pelo fato de utilizarem turbante e barba, são normalmente confundidos com muçulmanos e isso os torna alvos preferenciais dos ataques racistas que têm acontecido com frequência nos Estados Unidos desde os atentados de 11 de setembro de 2001. A Coalizão Sikh, com sede em Washington, reportou ter havido "milhares" de incidentes criminosos de ódio e discriminação contra os sikhs, considerados vinculados ao sentimento antiislâmico presente no país.
 
Depois do massacre, do lado de fora do templo, crianças sikhs rezam pelas vítimas do atentado.  No mundo inteiro a humanidade treme diante da força maléfica e letal de um racismo sempre vivo e que parece recrudescer com diferentes faces sem haver aprendido as lições da história.
 
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
 
Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
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