Os perigos da repetição da fórmula Lula em 2014

26/11/2014
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Os novos ministros escolhidos pela presidenta Dilma Rousseff, a se confirmar o vazamento antecipado pela velha mídia, apontam para a retomada da estratégia do primeiro governo Lula. A lógica do ministério nº. 1 do Lula era “abraçar” dentro do governo os conflitos da sociedade civil, indicando nomes de personalidades que representavam os diversos segmentos sociais e partidos políticos.
 
As escolhas de Dilma apontam para a reprodução dessa fórmula de “governo para todos”, com benefícios para banqueiros, industriais, comerciantes, latifundiários, trabalhadores urbanos, subproletariado, agricultores familiares e segmentos mais pobres.
 
O ano de 2002 foi marcado por uma crise do modelo econômico neoliberal, com pressão do FMI (Fundo Monetário Internacional) para manutenção dos contratos, ataques especulativos do mercado e taxa de juros Selic nas alturas, além do terrorismo midiático.
 
Lula era favorito na eleição presidencial, o que aprofundava o quadro de instabilidade econômica. Para frear a crise, o então candidato assumiu o compromisso de manutenção dos contratos com o mercado na famigerada Carta ao Povo Brasileiro e em reunião com a direção do FMI.
 
A vitória do petista representou uma derrota política do neoliberalismo e do capital financeiro internacional. No entanto, essa fração de classe se manteve forte, atuando com um braço no mercado e outro na velha mídia. Assim, mesmo com a derrota eleitoral, conseguiu circunscrever o “ameaçador” governo Lula e influenciar a política econômica, preservando seus interesses econômicos.
 
O time das finanças tinha o petista-financista Antônio Palocci no Ministério da Fazenda, que era o símbolo do compromisso selado na campanha com o mercado, e o banqueiro Henrique Meirelles no Banco Central. A equipe da produção era formada pelo vice-presidente José de Alencar, grande empresário do ramo têxtil, o economista Guido Mantega no Ministério do Planejamento e economista nacionalista Carlos Lessa no BNDES.
 
O agronegócio tinha como seu representante o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e quadro formulador Roberto Rodrigues, enquanto Miguel Rossetto, político gaúcho de uma tendência trotskista do PT, encarnava a pequena agricultura e a reforma agrária.
 
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior ficou sob o comando do empresário Luiz Fernando Furlan, ao passo que o Ministério do Trabalho foi destinado a Jacques Wagner, sindicalista da indústria petroquímica e fundador da CUT na Bahia.
 
O árbitro desse jogo era o presidente Lula, que tinha a legitimidade de ser o maior líder de massas do país e ter obtido na eleição mais de 60% dos votos, vencendo com 20 milhões de votos de diferença.
 
O problema é que as condições políticas, econômicas e sociais de 2014 são muito diferentes de 12 anos atrás. Por isso, é ingenuidade acreditar que a repetição da mesma fórmula terá o mesmo resultado.
 
1- Lula encarnou um projeto de reforma do neoliberalismo, que estava em crise. O controle do capital financeiro sobre a economia no governo FHC criou insatisfação em setores da indústria brasileira, que se aproximaram do PT. Assim, construíram juntos um programa de fortalecimento da produção, atendendo demandas da indústria e dos trabalhadores, sem mexer nos interesses do capital financeiro. Por isso, Lula fez um governo para atender todos os segmentos, aproveitando-se de um racha no seio da burguesia.
 
2- O PT dirigia ou exercia forte influência nas principais organizações de trabalhadores, camponeses e estudantes, além de ter um grande apelo nos setores médios, especialmente na intelectualidade progressista. A partir disso, o partido tinha hegemonia nas ruas e no pensamento.
 
3- A economia estava estagnada no governo FHC, com o desemprego alto e salários achatados com a falta de crescimento. O Brasil estava no fundo do poço, o que colocava para o novo governo um patamar de comparação com um período desastroso.
 
Agora, o quadro é bastante diferente, do ponto de vista econômico, político e social.
 
1- Dilma não conseguirá encarnar um governo de conciliação de classes em um quadro de inviabilidade econômica para contemplar os interesses das frações da burguesia e da classe trabalhadora. O modelo neodesenvolvimentista implementado no último período não tem apresentado resultados, o que reaproximou capital financeiro e indústria, em contraposição aos interesses dos trabalhadores e dos mais pobres.
 
A fórmula de fazer um governo de conciliação em um momento de recrudescimento da luta de classes não tem chances de obter sucesso. A construção de um ministério com representação de todos os setores criará um falso cenário de conciliação, mas o governo terá que escolher um lado para enfrentar as contradições da economia brasileira.
 
2- O PT não tem mais a autoridade de antigamente. Houve um processo de fragmentação das organizações progressistas, que levou muitas à oposição de esquerda e outras tantas a uma posição de independência. Embora seja o partido progressista mais importante do país, não tem a mesma capacidade de apontar a direção aos sindicatos, movimentos sociais e entidades estudantis. Não tem mais o mesmo apelo nos setores médios nem na intelectualidade. Desde a crise do mensalão, a direita passou a incidir com mais força nos setores médios e, com o suporte dos velha mídia, fez uma ofensiva conservadora na batalha das ideias.
 
Um elemento novo na conjuntura é que, na última década, novos movimentos sociais se forjaram, sem qualquer ligação com partidos políticos, que exercem forte influência na juventude que quer mudanças sociais, mas não acredita no sistema político e no que chamam de “organizações tradicionais”.
 
O melhor exemplo é o MPL (Movimento Passe Livre), que já demonstrou autoridade para convocar mobilizações. No entanto, há inúmeras organizações com essa linha que atuam na área da arte, cultura, comunicação, etnias, gênero, homossexualidade, mobilidade urbana etc. Nesse quadro de fragmentação, a direita colocou uma cunha e também tem estimulado protestos de rua, como as manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma.
 
Com isso, o PT não controla as organizações políticas forjadas no ciclo de lutas dos anos 80 nem têm qualquer canal de diálogo com as organizações que surgiram nos últimos anos. As forças progressistas tradicionais não têm mais a mesma unidade de programa e ação política nem possuem o “monopólio das ruas”. A direita passou a disputar as ruas e fez uma ofensiva sobre a intelectualidade também. Assim, a margem de intervenção se houver um novo processo de mobilização é quase nulo, como ficou patente em junho de 2013, que manteve um caráter progressista.
 
3-A economia brasileira tem enfrentado dificuldades para crescer, mas mantém o desemprego baixo e crescimento do salário. Assim, o novo governo terá como patamar de comparação um período com indicadores sociais bastante positivos. Qualquer derrapada da nova equipe econômica implicará perdas para os trabalhadores e para os mais pobres, que podem criar um clima de desestabilização. Por isso, a implementação de uma política de corte de gastos é muito perigosa.
 
A pergunta sem resposta é: como fazer um “governo para todos” em um período de baixo crescimento econômico, com unidade da burguesia e recrudescimento da luta de classes, sem capacidade de intervenção nas ruas e no pensamento, e com uma política de ajuste fiscal?
 
Apenas o futuro nos dirá, mas existem elementos para questionar a viabilidade e apontar os perigos da repetição desse modelo.
 
novembro 25, 2014
 
https://www.alainet.org/es/node/165756?language=en
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