O dilema da frágil democracia brasileira
- Opinión
“A democracia é a grande lei do futuro, não só porque ela realiza apenas o direito do homem, de todos os homens, mas, porque ela tende à adquirir o bem dos homens, de todos os homens”.
Jean Jaures
A república democrática brasileira encontra-se em perigo de instabilidade política. Em primeiro lugar, devido a fragilidade da composição da maioria parlamentar que mantém uma cultura de mercantilização do poder, do qual germinam várias formas de corrupção. Em segundo, pela mistura perigosa de religião e política, que altera os princípios da laicidade republicana. Em terceiro lugar, porque os grandes meios de comunicação exercem o papel de quase partidos. O mundo mediático, a internet e algumas redes sociais não podem ser utilizados para o denegrimento político. Infelizmente, a televisão, principalmente das Organizações Globo, tem contribuído decisivamente para desgastar e confundir as instituições políticas, bem como para esvaziar a política de seu ideal e senso comum, convertendo-a em uma caricatura, um espetáculo dentre outros, banalizando-a, privando-a de sua substância. A mídia televisiva vem sendo um instrumento de propaganda para internalizar o individualismo. Ela busca despolitizar o quotidiano e a própria política.
Existem outras maneiras de fazer oposição ao governo e ao PT e de tecer críticas construtivas explorando suas contradições. Todavia, nada justifica a propagação do ódio, e o emprego de métodos fascistas para eliminar um partido da cena política.
A direita brasileira e os setores mais conservadores da sociedade, sempre tiveram apoio dos aliados mediáticos. Ultimamente, isso vem lhes conferindo um poder estratégico na difusão de suas ideias. A TV é onipresente no Brasil e por ser um meio de comunicação tão atraente e popular, acaba por interferir no modo de pensar, agir e se relacionar com o mundo.
Ela está presente em todos os cantos, lares, bares, cabeleireiros, aeroportos, restaurantes, e está ligada dia e noite, entretendo, distraindo e deseducando as pessoas. As Organizações Globo, por exemplo, serviram de instrumento de propaganda durante a ditadura brasileira. O paradoxo é que hoje defendem a liberdade de expressão, não questionam a concentração de seu poder. Para elas a liberdade de expressão deve ficar confinada no espaço que ocupam. São opositoras ferrenhas da democratização e da pluralidade dos meios de comunicação no Brasil.
Além do apoio à ditadura, as Organizações Globo aderiram aos interesses da governança mundial criada num primeiro momento para expandir a ideologia neoliberal. Durante muitos anos essa ideologia pôs em prática as chamadas políticas de reajuste estrutural que fragilizaram o Estado democrático na América Latina. Os adeptos dos setores do mercado sempre expressaram sua alergia ao Estado Protetor, este deveria ceder sua soberania para se adaptar a nova realidade da economia global.
No Brasil, os governos de centro-esquerda tentaram resgatar o papel do Estado como regulador econômico e social, porém foram logo acusados de assistencialistas, pelo simples fato de fazer uso de políticas públicas de inclusão social destinada à maioria da população pobre e miserável. Estas passam a ser estigmatizadas, e o racismo contra negros e índios só fez aumentar nesses últimos anos, principalmente em períodos de eleições. Há muito tempo que a oposição conservadora e o quase partido Globo apostam no desgaste das políticas de desenvolvimento com inclusão social. A campanha de rebaixamento do nível político e da situação econômica do Brasil desde que Lula e Dilma chegaram ao poder é notória.
De tanta propaganda, a grande mídia, com a potência de seus meios de comunicação, conseguiu que o neoliberalismo fosse interiorizado. Por isso, precisamos não só de uma reforma do sistema político, mas também de uma reforma intelectual e moral. Lutar contra o neoliberalismo, não é simplesmente agir contra as grandes potências, contra o mundo das finanças e da especulação capitalista, mas também contra a propagação disseminada presente de suas ideias. Vale relembrar uma das frases de Gramsci que dizia: “Ser alienado é ter ideias de seu adversário na cabeça”.
A despolitização é a maior ameaça para a democracia
Hoje existe uma despolitização crescente junto a uma grande parcela da população brasileira e uma desconfiança quase total dos poderes Executivo e Legislativo, poderíamos dizer até do Judiciário.
Se parte do povo brasileiro desistiu da política, o espaço da convivência do saber viver fraternalmente encontra-se ameaçado. Uma sociedade que se diz verdadeiramente democrática é aquela em que seus membros são todos solidários e interdependentes, ligados por um compromisso comum com base em uma igualdade política.
Infelizmente, a cidadania ativa, nascida em debates da pós-ditadura brasileira, está sendo negada pelo Congresso, que rejeita todo projeto de participação social. A cidadania política confere aos indivíduos, não somente direitos e deveres, ela também revigora e desmistifica o poder político como um único polo da tomada de decisão. O poder é e deve continuar a ser uma ferramenta para servir ao povo que age e é controlado por ele e para ele. A participação social traz o poder para a sua função reguladora tendo em vista que a democracia representativa não têm a soberania absoluta.
O mais aberrante na democracia à la brasileira é que os partidos políticos, na sua maioria, não conseguem conectar o interesse individual e o interesse público, atuam mais como facções e estão prestes a se apropriar do interesse público para satisfazer interesses privados e substituir um pelo outro. A Política no lugar de ser a livre associação de cidadãos para gerir e organizar a vida na cidade, tende a se resumir a um espetáculo de batalhas mesquinhas entre políticos carreiristas. O Congresso não é uma lista de delegados individuais, mas um corpo coletivo de representantes, ou seja, cidadãos com diferenças ideológicas/alianças que participam em conjunto na tomada de decisões públicas. A democracia brasileira não pode ser sinônimo de incerteza, mecanismo de amplificação do sentimento de insegurança e, quando as coisas dão errado, promessa de um futuro social incerto. Ao se desacreditar a política, novos credos se projetam, inclusive na defesa de um sistema mais autoritário.
Aqueles que se apresentam, hoje, como defensores da moral pública nunca tiveram um sentimento patriótico sequer com relação à soberania dos interesses econômicos do país. Tampouco podem negar o uso de métodos corruptos para se reeleger.
Logicamente, não podemos isentar o Partido dos Trabalhadores de suas responsabilidades quanto ao descrédito político, hoje, no Brasil. A degeneração ética da política brasileira vem de muitas décadas, por isso mesmo, é inaceitável que alguns integrantes do PT tenham terminado por se adaptar à lógica corrupta da democracia representativa brasileira. Um dos maiores erros do PT e de seus governos foi não realizar a reforma política, sua direção se encastelou no poder e se esqueceu da base militante. Vale ressaltar que os movimentos sociais que receberam formação política nunca serão instrumentalizados e jamais servirão de garantia aos desvios políticos e filosóficos do PT, nem darão aval político às últimas medidas do poder Executivo. Ninguém nega os avanços das conquistas sociais nos governos de Lula e Dilma. Todavia, para os militantes e simpatizantes próximos da esquerda seria impossível aceitar a guinada da presidenta Dilma à direita, volver! A governabilidade não pode ser refém do mercado. As organizações sociais que tiveram formação política, as pessoas mais politizadas sabem que o neoliberalismo quebra a correlação de forças por meio do desemprego. A volta de uma política de ajustes fiscais vai penalizar os menos favorecidos.
Outro grande erro do PT foi o de ter abandonado a educação política concernente à construção da cidadania, e isso vale para toda a esquerda brasileira. Além de outras reformas solicitadas pela sociedade civil organizada que nunca saiu do papel e do blá, blá, blá das boas intenções. Exemplos: a reforma sobre a pluralidade dos meios de comunicação e a reforma fiscal. O PT não pode abandonar seu papel de protagonista e de portador de esperanças em transformações sociais construído duramente nas últimas décadas. Ou ele faz o mea-culpa e reata os laços de proximidade com a sua base, com os movimentos sociais, sindicatos, com o mundo intelectual, ou constrói seu próprio túmulo político.
Ninguém pode negar que o início do governo “Dilma II” foi desastroso. Mas, seria muita hipocrisia acreditar que a direita e a grande mídia estejam atacando frontalmente a presidenta Dilma por não ter cumprido com suas promessas de campanha. Alguns a acusam de estelionato eleitoral, mas seria um desvario imaginar que a direita quer que Dilma governe à esquerda, cumprindo com suas promessas eleitorais!
O governo Dilma foi eleito com propostas de esquerda, entretanto, terminou caindo na armadilha da restauração conservadora que, há anos, está em marcha no Brasil. A indicação de Katia Abreu e do senhor Levy, além do silêncio da presidenta Dilma sobre a justificativa dessas escolhas geraram certo desconforto em sua base política e surpreendeu a própria direita. Conciliar os contrários sempre levou a esquerda para a derrota!
- Marilza de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris.
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