Dizem especialistas

Eleições nos EUA serão decisivas para fim do bloqueio e reaproximação com Cuba

Especialistas, acadêmicos e políticos de ambos os lados do Estreito da Flórida compartilham com o Granma sua visão sobre o futuro do bloqueio e sobre a possibilidade de que seus dias estejam contados.

07/01/2016
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Foto: Presidencia de la República castro   obama
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Havana.- A chegada da Apolo 11 à lua, a revogação da proibição do álcool no Mississippi e o fim da segregação racial são temas dos livros de história nos Estados Unidos. No entanto, estes três acontecimentos são posteriores à implantação do bloqueio econômico, político e financeiro contra Cuba.

 

Muitos se perguntam como é possível que ainda esteja em vigência essa relíquia da Guerra Fria que, a cada ano, é rechaçada na ONU pela imensa maioria da comunidade internacional, especialmente após o início de um novo capítulo nas relações bilaterais entre Havana e Washington.

 

Seus danos econômicos estão calculados na casa dos bilhões de dólares, mas é quase impossível medir o custo humano de uma política elaborada para derrotar os cubanos por meio da fome e do desespero.

 

Após meio século, as principais autoridades norte-americanas reconhecem que esta política não conseguiu cumprir seus objetivo e que, agora, é hora de "tentar algo diferente".

 

Especialistas, acadêmicos e políticos de ambos os lados do Estreito da Flórida compartilham com o Granma sua visão sobre o futuro do bloqueio e sobre a possibilidade de que seus dias estejam contados.

 

Um tiro de misericórdia

 

Ainda que o presidente norte-americano detenha amplos poderes executivos para mudar a forma como o bloqueio é aplicado, o Congresso dos Estados Unidos é o único capaz de revogá-lo por completo, já que desde 1996 o bloqueio está codificado na Lei Helms-Burton.

 

O cenário atual no legislativo norte-americano é tenso, com os republicanos à frente de ambas as câmaras e em forte oposição ao executivo democrata.

 

"Uma política de mais de meio século não pode ser eliminada de uma só vez, seria necessário um consenso extraordinário, o que atualmente é impensável no Congresso norte-americano, sobretudo devido à polarização política atual", afirmou Carlos Akira de la Puente, professor e pesquisador do Centro de Estudos Hemisféricos sobre os Estados Unidos, da Universidade de Havana.

 

Akira detalha que o mais importante é considerar que existem setores do partido republicano que são a favor de uma revogação do bloqueio, indicando um novo critério dentro do partido, que é tradicionalmente oposto a qualquer tipo de reaproximação com Cuba.

 

O próprio presidente Barack Obama reconheceu, em uma entrevista recente, que o apoio bipartidário à mudança da política em relação a Cuba cresceu, o que abre a possibilidade para novas ações no Congresso.

 

O advogado norte-americano Robert Muse, especializado em temas cubanos, lembra que no sistema político do país é muito mais difícil derrubar uma lei antiga do que aprovar uma nova. Ele cita como exemplo o fracasso na proteção da marca Havana Club, que passou pelo Congresso em um projeto de orçamento de centenas de páginas, mas que mais de vinte anos depois sobrevive, violando tratados internacionais e a despeito das tentativas de torná-la sem efeito.

 

"A inércia é a principal característica do Congresso dos Estados Unidos", observa Muse.

 

O professor visitante do Centro de Assuntos Globais da Universidade de Nova York, Arturo López-Levy, observa que um "golpe significativo" poderia desmontar o bloqueio como um todo, devido ao nível de conexão entre suas respectivas partes. "O embargo é um barco prestes a afundar, esperando apenas que um torpedo o atinja diretamente na linha d'água".

 

López-Levy cita particularmente a proibição de viagens a Cuba (para turistas), mantida em vigência como parte da política de agressão contra Cuba.

 

Desmonte passo a passo

 

Atualmente, há no legislativo norte-americano vários projetos de lei com o objetivo de desmontar algumas partes do bloqueio. O nível de apoio e as possibilidades de êxito variam para cada um deles.

 

"O embargo têm muitas camadas impostas ao longo do tempo por meio de diferentes leis. Acredito que alguns de seus aspectos serão revogados antes de outros. Por exemplo, o direito de viajar a Cuba, inclusive como turista, pode ser restaurado antes do restante do embargo, já que os americanos têm o direito constitucional a viajar", assinala o professor norte-americano William M. Leogrande, coautor do livro "Canales Secretos Hacia Cuba": A história oculta das negociações entre Washington e Havana.

 

Ainda assim, assegura que a proibição da concessão de créditos a Cuba para a compra de alimentos também pode ser suspensa, já que conta com forte apoio do lobby agrícola.

 

"O projeto que está mais próximo de ser aprovado pelo Congresso é o que permitiria viagens a Cuba. Todas as pesquisas mostram o quanto os americanos rechaçam esta proibição. A última delas demonstra que 81%, composto tanto por democratas, quanto por republicanos, opõe-se à proibição", assegura James Williams, presidente da EngageCuba, uma coalizão bipartidária que milita em Washington pelo fim do bloqueio.

 

O professor e pesquisador cubano Carlos Alzugaray observa que os êxitos parciais em viagens e comércio agrícola são mais prováveis em médio prazo, já que são convenientes a muitos interessados e podem ser reivindicados como direitos civis.

 

Em uma entrevista recente, o ex-congressista Bill Delahunt, defensor veterano de uma aproximação com Cuba, disse a este jornal que é possível aprender com o passado, aproveitando brechas na legislação do bloqueio.

 

Ele lembra como, várias décadas atrás, não era possível falar sobre este tema, que era monopolizado pelos representantes da Flórida, mas várias visitas de legisladores de outros estados a Cuba, bem como seus encontros com Fidel, alteraram o panorama.

 

Delahunt defende que o êxito na aproximação, tanto política quanto econômica, é a chave da vitória. "Se tivermos conosco os interesses dos comerciantes americanos, eles se tornarão nossos aliados. Serão nossos lobistas".

 

"A nova etapa do processo obteve efeitos favoráveis sobre as expectativas quanto a Cuba nos Estados Unidos, assim como no restante do mundo. Seguramente, incentivaram-se os interesses nas relações entre os dois países nas áreas de comércio e investimentos, que progressivamente teriam um grande alcance, levando-se em conta as vantagens de Cuba: proximidade geográfica, estabilidade, segurança e alta qualificação da força de trabalho, para mencionar apenas alguns aspectos", observa o professor e pesquisador do Cehseu, Luis René Fernández.

 

"As forças interessadas em ampliar suas relações com Cuba devem aumentar sua pressão sobre o Congresso, para abrir essa possibilidade", complementa.

 

Uma casca vazia

 

O presidente dos Estados Unidos, dispondo de seus poderes executivos, tem a autoridade de emitir licenças que anulem os efeitos práticos da maioria das sanções contra Cuba.

 

Até o momento, Obama utilizou essa autoridade apenas para influir sobre um grupo reduzido de elementos da aplicação do bloqueio, fundamentalmente, o envio de remessas, o setor privado e as telecomunicações, permitindo que a maior parte do bloqueio fosse mantida.

 

Vários analistas concordam que os setores escolhidos apresentam evidentes interesses políticos.

 

“O presidente tem a prerrogativa de tornar viável uma colaboração substancial com Cuba em áreas como a política tradicional de segurança, as novas agendas de segurança, educação e saúde, o uso do espaço aéreo em ambos os países, viagens diretas a Cuba a partir de várias cidades americanas, proteção ambiental, e luta contra o crime e o tráfico de pessoas e entorpecentes”, assegura López-Levy.

 

Ainda assim, indica que a cooperação multilateral entre os dois países é tão importante como a bilateral. "Quanto maior e mais completa for a aproximação entre os dois países, mais firmes serão os alicerces para a consolidação das novas diretrizes estratégicas dos Estados Unidos em relação a Cuba".

 

No entanto, alguns dos analistas consultados afirmam que o presidente poderia limitar o alcance de suas próprias ações executivas por causa da conjuntura política. O próprio Obama afirmou que será "cauteloso e seletivo" neste sentido.

 

Um ponto-chave em que coincidem os especialistas é que o presidente poderá se concentrar nos aspectos que dificultam a aplicação de medidas já tomadas.

 

"Provavelmente, suas próximas decisões deverão se dirigir a destravar algumas das restrições que se tornaram mais visíveis nas negociações bilaterais, que podem, por exemplo, estar associadas ao uso do dólar norte-americano, ou à proibição de que bancos dos Estados Unidos concedam crédito a empresas cubanas", indica o professor Luis René Fernández.

 

Ele complementa que os obstáculos às relações monetárias e financeiras, como os investimentos, também estariam entre os elementos mais importantes sobre os quais poderá atuar a administração antes de terminar seu mandato.

 

O fator tempo

 

O fator tempo é outro ponto-chave no processo entre Cuba e Estados Unidos, com as eleições presidenciais no horizonte e pouco mais de um ano de permanência de Obama na Casa Branca.

 

Além disso, levando-se em conta que as transformações na política em relação a Cuba vieram do poder executivo, um presidente com uma posição distinta poder reverter o que já foi feito até o momento.

 

Todos os analistas consultados concordam que o mais importante é avançar e conseguir resultados concretos.

 

O professor Luis René Fernández afirma que o aumento das trocas e negociações, inclusive quando limitadas pelo bloqueio, contribui para a eliminação mais rápida do bloqueio, por atuar sobre as percepções sobre Cuba dentro e fora dos Estados Unidos.

 

"É preciso avançar e demonstrar que somos capazes de negociar e chegar a acordos em tudo aquilo que for de nosso interesse", indica Alzugaray.

 

 "Ainda que os desafios sejam grandes, as condições socioeconômicas de Cuba e o aperfeiçoamento de seu sistema estão em franca consolidação e progresso; e esta é a variável decisiva para explicar o curso da política norte-americana em relação a Cuba", conclui o professor Luis René.

 

* Tradução: Henrique Mendes

 

- Sergio Alejandro Gómez, do Granma

 

http://www.brasildefato.com.br/node/33847

https://www.alainet.org/es/node/174610?language=es
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