A revolta das mulheres do campo

31/05/2016
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 agenda democratica
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Uma Agenda Democrática para o Brasil geral é um ciclo de debates iniciado no ano passado pelas fundações Friedrich Ebert (FES) e Perseu Abramo (FPA) e na quarta edição teve como tema “Mulheres na Agenda Rural” com a participação de Andrea Butto, da UFRPE, Miriam Nobre, da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e Rosangela Piovezani, do Movimento das Mulheres Camponesas e Via Campesina. Foi um debate simples e apaixonado, onde foram descritas três denúncias graves com adolescentes no interior do Brasil. O professor Olimpio, da Universidade do ABC que realizou um trabalho com as quebradeiras de coco em Carolina (MA) relatou o seguinte:

 

“- Em Carolina um empresário que é responsável por 70% dos empregos urbanos pressionava as famílias para levarem as filhas de 14, 15 anos para serem abusadas. Quem não concordasse ou saia do município ou perdia o emprego. Quem denunciasse corria o risco de morrer. Tudo isso com a conivência dos políticos e demais autoridades do município”.

 

Abusos das adolescentes Kalungas em Goiás

 

Selma Galdino, da secretaria nacional da CONAQ e do PT, falou sobre o caso dos Kalungas, quilombolas de Cavalcanti (GO), onde 93% da população é negra:

 

“- Os abusos de menores de 9 a 14 anos já foram denunciados pela Rede Record. Nós estivemos lá, realizando uma oficina, em março desse ano. As famílias não têm luz elétrica e recebem apenas uma cesta básica. A gente perguntou para os familiares das vítimas – entre 9 e 14 anos – porque continuavam comprando nos lugares, onde os proprietários eram os responsáveis pelos abusos. Elas diziam o seguinte: Onde vamos comprar? Os homens brancos detêm o comércio – açougue, a padaria, o gás. O dentista, que foi denunciado ainda fez uma ironia dizendo que a garota abusada, agora com 11 anos, não é mais bonitinha”.

 

O Ministério Público de Goiás acompanhou o caso, mas o governador Marconi Perillo, do PSDB interferiu e mandou os promotores não se meterem em Cavalcanti. Por fim, Rosangela Pirovani, que morou 23 anos em Roraima contou o pavor que tinha quando precisava entrar em uma estrada vicinal com suas quatro filhas.

 

“- Na década de 1980, Roraima sofreu com uma invasão de garimpeiros – 46% da área do estado é território indígena. Era comum, nesta época, os que detinham renda comprarem as gurias. Isso, mesmo nos tempos ditos modernos, ainda continua ocorrendo nas grandes obras”.

 

Abusos das adolescentes indígenas no Amazonas

 

Ane Carolina, descendente de indígenas do Amazonas e da Secretaria Nacional do PT também relatou os casos que ocorrem cotidianamente no seu estado:

 

“- A questão da violência contra as mulheres é crucial pra nós. Eu fiz uma viagem recentemente pelo interior do Amazonas e tive em diversas aldeias. Muitas meninas de 13, 14 anos queriam voltar comigo no barco, porque se casariam com homens que eram proprietários de terras. Por isso, a terra para os indígenas é uma questão de vida e em função dessa luta milhares de indígenas já foram exterminados no Brasil”.

 

A questão, como disse Rosangela Piovezani, é que ninguém sabe o que acontece nos rincões mais escondidos desse país, nos guetos, como definiu. O IBGE registra em suas pesquisas que 308 milhões de hectares no país tem ocupação desconhecida.

 

“- É um país desconhecido, quem manda é o fazendeiro, o grileiro, o pistoleiro. Nós não conseguimos enfrentar isso. Era o nosso sonho, nos últimos anos com os governos Lula e Dilma, conseguir fazer isso. Saber o que acontece nos rincões, reverter isso como patrimônio público e para o bem viver das comunidades”.

 

O problema maior: acesso à terra

 

Segundo o INCRA, que só tem 49% das propriedades rurais brasileiras cadastradas os grandes proprietários – e empresas – detêm 52% da área, as médias propriedades 21% e a agricultura famílias 27%. Ou seja, os pequenos têm 113,2 milhões de hectares e os grandes e ricos 216 milhões de hectares. A pesquisadora Andrea Butto enfatizou os avançou ocorridos nos últimos 13 anos, quando uma agenda democratizante foi sendo instalada no campo. As mulheres começaram a ter acesso aos serviços públicos – previdência, identificação, CPF – e várias políticas públicas começaram a ser implantadas pelo MDA e pelo MDS. Foi um processo de construção, onde a organização das mulheres do campo teve um papel fundamental, casos das Marchas das Margaridas, Marcha das Mulheres da Via Campesina, Marcha das Mulheres no Polo da Borborema. Foi o reconhecimento dos direitos econômicos das trabalhadoras rurais, como consequência de um processo de construção da autonomia das mulheres, como enfatiza Andrea Butto:

 

“- A constituição de políticas públicas pelo MDA, garantindo autonomia econômica para as mulheres – promoção da cidadania, direito a terra e integração territorial. Mulheres como agentes econômicos, beneficiadas diretamente pelas políticas públicas. Além da gestão participativa na execução da política pública. Mais a garantia da soberania e segurança alimentar tudo isso repercutiu nas mulheres do campo.”

 

Crescimento maior da renda entre as mulheres do campo

 

No campo, a estratégia de diminuição da pobreza, resultado das políticas públicas implantadas pelos governos Lula e Dilma, se sobressai. Houve um crescimento de 74% da renda rural, a remuneração pelo trabalho, no caso das mulheres. Mais que dobrou a renda das mulheres brasileiras no período 2003-2013. No nordeste o percentual foi de 51% de aumento, sendo que nas áreas urbanas o crescimento foi de 45%. No campo da soberania alimentar, depois da garantia do consumo de mais alimentos, ocorre agora um novo problema, ainda com os dados de Andrea Butto. É a questão da má qualidade da alimentação, com a introdução de alimentos ultraprocessados causando problemas de obesidade e de doenças crônicas na população pobre – sem contar a contaminação por agrotóxicos. O percentual de mulheres obesas, nas populações adulta e idosa é de 24%. Nos homens, na mesma faixa etária é de 16%. Em relação às doenças crônicas: 44,5% das mulheres e 33,4% nos homens.

 

É preciso registrar também: nas áreas rurais 75% da população não tem rede de esgoto. Somente 1% tem acesso à creche na área rural. E apenas 3% das terras estão em nome de mulheres. E, um avanço, ainda nos tempos dos governos progressistas, que foi a criação do PRONAF Mulher, não se consolidou na prática. Porque os bancos, mesmo os públicos, tratam os agricultores familiares e trabalhadores e trabalhadoras rurais como clientes sem garantia para os empréstimos.    

 

A realidade do golpe

 

A certa altura o debate chega a realidade do golpe. Rosangela Piovezani resume a questão:

 

“- Agora temos que enfrentar o golpe, discutir o país como nação soberana. O terreno está muito fértil para o debate. Nós não tivemos a capacidade de mobilizar a população para construir as mudanças necessárias. Não colocamos o povo como protagonista. A crise que estamos vivendo coloca tudo em cheque: movimentos, partidos, instituições. Não dá para negociar mais com esse sistema político. Com bandido não se negocia, isso ocorre nas duas câmeras do parlamento. Temos que construir um governo paralelo e lutar por uma Constituinte”.

 

O debate ocorreu no dia 23 de maio, na Fundação Perseu Abramo, em São Paulo.

 

 

Créditos da foto: José Cruz / Agência Brasil

 

30/05/2016

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-revolta-das-mulheres-do-campo/4/36196

 

https://www.alainet.org/es/node/177794
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