A cor da PEC 55
- Opinión
Segundo presidente do Instituto Luiz Gama, com a PEC ocorrerá um acirramento dos conflitos sociais e, na disputa por um diminuto orçamento público, os mais pobres e negros (em especial as mulheres negras) perderão para o setor financeiro, setores do empresariado e categorias do funcionalismo público
Ainda se diz que o Brasil é uma democracia racial, em que pessoas de todas as raças e cores vivem em harmonia e equilíbrio.
Ao contrário, dados sobre a distribuição de renda e acesso a direitos sociais mostram que o mito da democracia racial no Brasil é falso: negros estão mais sujeitos à violência, à precariedade no mercado de trabalho, têm menos acesso a direitos sociais e menor renda, o que é reflexo do nosso passado escravocrata.
O documentário “Menino 23”, do diretor Belisario Franca, mostra, ainda, como o Brasil foi um campo fértil para a disseminação de ideais eugenistas (nazistas/integralistas) e como tais ideias ajudaram a moldar a inserção do negro na sociedade brasileira.
Os gráficos a seguir, retirados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE , ilustram tal panorama.
O gráfico abaixo mostra que o nível de conclusão do ensino médio ou níveis posteriores para brasileiros negros (pretos e pardos), em 2014, foi de 52,6% da população na faixa etária de 20 a 22 anos, enquanto na população branca é de 71,7%.
Já o gráfico a seguir aponta que, entre os jovens de 18 a 24 anos, 71,4% dos brancos frequentavam o ensino superior em 2014. Para negros, a porcentagem foi de 45,5%.
Quanto ao mercado de trabalho, o gráfico abaixo ilustra a maior vulnerabilidade dos trabalhadores negros: dentre os negros ocupados de 16 anos de idade ou mais, em 2014, 48,4% tinha vínculos informais. Para trabalhadores brancos, a proporção era de 35,3%.
Ainda, considerando a questão de gênero e raça, a inserção das mulheres negras é muito pior que a de homens brancos no Brasil. Segundo Clemente Ganz Lúcio, o rendimento médio das negras ou pardas (R$ 727) representa 35% do rendimento médio do homem branco (R$ R$ 2.086).
O último dos gráficos aqui selecionados (abaixo) mostra ainda mais claramente que a riqueza e a pobreza têm cor no Brasil: 76% dos brasileiros no grupo dos 10% mais pobres eram negros em 2014. Já entre os 1% mais ricos do país, em 2014 79,6% eram brancos. É importante lembrar que a população negra chegou a 53,6% da população brasileira em 2014, segundo a PNAD (ou 50,7% da população segundo o Censo de 2010).
Quanto à mortalidade, dados do LAESER apontam que, de 2002 a 2012, 62% das pessoas assassinadas no Brasil foram negras, enquanto, no período, caiu a taxa de homicídios (nas categorias jovens, mulheres e população total) com vítimas brancas e aumentou para negros.
Felizmente, o movimento negro tem conseguido fazer aflorar a discussão racial no Brasil. Avançou-se também em políticas públicas com enfoque na população negra – como as cotas sociorraciais nas universidades – ou em populações vulneráveis, o que favoreceu o acesso a direitos sociais também em especial para a população negra.
As políticas sociais, no entanto, estão em risco. Desde 2015, com a mudança na política econômica e a adoção do ajuste fiscal, o gasto social tem sido questionado e sofrido diversos cortes. Com a aprovação da PEC 55 (antiga 241), no entanto, a situação pode se agravar: a PEC 55 romperá o frágil pacto social da Constituição Federal, que impõe ao Estado brasileiro o dever de promover direitos sociais.
Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, afirma que, com a PEC, ocorrerá um acirramento dos conflitos sociais e, em uma disputa por um diminuto orçamento público, os mais pobres e negros (especialmente as mulheres negras) perderão para o setor financeiro, setores do empresariado e algumas categorias do funcionalismo público.
Segundo Luiz, o congelamento dos gastos sociais nos próximos anos representará uma nova etapa no processo de subalternização da população negra: “não é preciso que ela [PEC 55] preveja a morte de negros. Basta que ela seja aprovada, segundo as leis, pelo Congresso Nacional, e negros irão morrer, mesmo sem que um tiro precise ser dado. Morrerão nas filas dos hospitais, nas ruas, nas prisões”. Ainda, segundo Silvio, o extermínio da população negra será a forma de gestão estatal dos conflitos sociais, pois não haverá como sustentar a fábula de que se pode “confiar nas instituições” quando não se tem educação, saúde, moradia, saneamento e as instituições estão desmoronando.
O caminho para a redução das desigualdades (em especial a racial) demanda mais políticas públicas, para mudar o quadro apresentado e, definitivamente, passa pela luta contra a PEC 55.
- Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp). Colaboradora do site Brasil Debate.
06/12/2016
http://brasildebate.com.br/a-cor-da-pec-55/
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