Conflitos no campo não são casos isolados: é um 'projeto de matança'
- Opinión
São Paulo – O ano de 2016 encerrou como o segundo mais violento em conflitos de terra nos últimos 25 anos, atrás apenas de 2003. Essa realidade se traduz em 61 assassinatos, incluindo 16 jovens com idades entre 15 e 29 anos, um adolescente e seis mulheres. Ao todo, foram 1.536 conflitos, considerando questões agrárias e trabalhistas e casos de disputa pela água – média de 4,2 por dia.
Os dados constam do relatório “Conflitos no campo 2016”, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1985 e apresentado nesta quarta-feira (2) na Assembleia Legislativa de São Paulo, em parceria com o mandato do deputado Carlos Neder (PT), como parte da estratégia de divulgação regional da luta pela terra no Brasil.
“Fazemos sempre com dor esse lançamento”, definiu o padre Antonio Naves, membro da CPT-SP. “Existe um projeto continuado de massacre dos camponeses que lutam pela terra”, acrescentou, ponderando que os conflitos no campo existem desde a chegada dos portugueses, no século 16. “São 500 anos de matança do mais fraco, dos negros, dos quilombolas. Não são casos isolados, é um projeto de matança.”
Os estados do Pará e Rondônia lideram a triste estatística de 2016, com o maior número de assassinatos no campo – foram seis e 21 vítimas, respectivamente. As principais razões, segundo o padre Naves, são o comércio ilegal de madeira e a venda de terra para compradores nacionais e estrangeiros.
O relatório da CPT informa que 57% das ocorrências de conflito no campo acontecem na Amazônia, embora a região só concentre 12% da população brasileira. A situação também é crítica no Cerrado, que registrou 24,1% do total das localidades envolvidas em conflito, mas detém apenas 14,9% da população rural do país.
Na opinião de Gilmar Mauro, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o clima político no Brasil após a destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff estimula o aumento da violência no campo. “Infelizmente essa é uma tendência que tende a se agravar”, afirmou.
Segundo ele, atualmente existem mais de 120 mil famílias acampadas no país. Gilmar Mauro defendeu a reforma agrária como uma alternativa econômica, além de um fator de justiça social, e disse não querer com isso uma “volta ao passado” em termos de operação do trabalho no campo. Para ele, a tecnologia é bem-vinda, mas deve ser usada em harmonia com a preservação ambiental e a produção de alimentos saudáveis.
Já Tchenna Maso, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ponderou que está em curso um novo modelo de violência no campo, com os movimentos sociais sendo enquadrados como organizações criminosas e terroristas. “Hoje, pela via do direito, temos uma política mais refinada de repressão”, afirmou.
Ao citar os recentes massacres contra trabalhadores rurais em Colniza (MS) e Pau D'Arco (PA), e contra os índios gamelas no Maranhão, todos com extrema crueldade, Tchenna disse que os três casos eram previsíveis e que o Estado “foi inerte" para evitar que acontecessem. “Por todos os nossos mortos não vamos ter um minuto de silêncio, mas uma vida de luta”, acrescentou a jovem representante do MAB.
- Luciano Velleda, para a RBA
02/08/2017
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