Um ano de denúncias contra violacões à liberdade de expressão no Brasil
- Opinión
Nos últimos anos, a luta pela democratização da comunicação no Brasil vinha sendo desenvolvida a partir de uma agenda positiva. Os vários movimentos sociais, ativistas e organizações – articulados no âmbito do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – pautavam o debate propondo normas e políticas públicas para que o Brasil pudesse dar passos no sentido de garantir, de forma mais ampla, o direito à comunicação para todos e todas.
Tínhamos, e ainda temos, a plena convicção de que sem estabelecer regras e iniciativas para ampliar a diversidade e a pluralidade nos meios – essenciais para a livre circulação de ideias –, não há possibilidade de se construir uma democracia saudável e efetiva. Já alertávamos nas manifestações do FNDC que sem liberdade de expressão não há democracia. O pleno exercício deste direito está estritamente relacionado com o grau de maturidade das instituições (públicas e privadas) e das pessoas para conviverem com o contraditório e com a livre opinião na sociedade.
Esse processo de luta por um debate amplo sobre a construção de políticas democráticas para a comunicação se desenvolvia num cenário de muitas tensões. O FNDC tinha uma visão crítica muito acurada sobre o papel dos governos Lula e Dilma na manutenção de um ambiente oligopolizado da mídia nacional, com poucas iniciativas concretas para enfrentar a discussão a respeito de mudanças nos marcos legais que regem a atividade, em particular, da radiodifusão no Brasil.
Mas considerávamos que, mesmo sem compreender a centralidade da comunicação na luta política nacional, aqueles governos tinham alguma abertura para o diálogo e, acima de tudo, a legitimidade das urnas para estabelecer uma relação com a sociedade. Por isso, a palavra de ordem do movimento naquele período era “Regula Já!”. Em abril de 2015, a Carta de Belo Horizonte, aprovada ao final do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, chamava a atenção para estes desafios e para a instabilidade política que já crescia no país.
Mas, em maio de 2016, o Brasil viveu uma ruptura institucional, tendo como um de seus principais articuladores a mídia hegemônica. Tendo seguido operando sob regras frágeis, os grandes meios tradicionais abusaram do privilégio de ser a única voz a falar de forma massiva para 200 milhões de brasileiros e assim legitimaram, perante à opinião pública, o golpe que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República.
O objetivo desse golpe parlamentar-jurídico-midiático foi impor uma agenda de retirada de direitos sociais e trabalhistas, liquidar o patrimônio público, desnacionalizar a economia e o país, e alterar o sentido das políticas internacionais.
Neste sentido, as medidas do novo governo impuseram uma mudança na agenda política do movimento social em geral. Em vez da luta por avanços, a batalha pelo reestabelecimento da democracia e a resistência contra os ataques aos direitos passou a ser o centro da ação política nos mais diferentes campos.
Nas comunicações não foi diferente. Para garantir o êxito do golpe e a imposição desta agenda regressiva, o país foi envolto em um cenário de violações de direitos fundamentais, entre os quais o direito à livre expressão. Uma das primeiras medidas do governo instalado foi intervir na Empresa Brasil de Comunicação, cuja criação havia sido uma das poucas iniciativas recentes de regulamentar os dispositivos do capítulo da Comunicação Social da Constituição de 1988. O fato de não estar submetida aos interesses privados, de ter um Conselho Curador com participação de amplos setores e de produzir um conteúdo mais autônomo e crítico incomodavam demais. Assim, a comunicação pública foi uma das primeiras vítimas do pós-golpe.
E as violações à liberdade de expressão, que já ocorriam no Brasil, por exemplo, em episódios constantes de violência a comunicadores e repressão às rádios comunitárias, encontraram ambiente propício para se multiplicar. Afinal, os golpes não convivem bem com a diversidade e a pluralidade, e precisam calar as vozes dissonantes para se cristalizarem.
Diante deste cenário, o FNDC lançou, em outubro de 2016, a campanha de denúncias às violações à liberdade de expressão Calar Jamais!
O que se seguiu a partir daí foi assustador. Denúncias chegavam constantemente, e cada vez mais diversificadas. Não era apenas a quantidade de casos que alarmava, mas os diferentes tipos de violações, que se sucediam progressivamente, cada vez mais graves. Em um ano, reunimos mais de 70 casos, dos quais 66 estão sistematizados neste relatório e dão uma dimensão de como o Estado Democrático de Direito está sendo atacado no Brasil.
As violações aqui relatadas mostram que o quadro de cerceamento à liberdade de expressão no país se capilarizou em todas as regiões, em cidades grandes e pequenas. Os ataques têm sido praticados pelos mais diferentes atores, indo além das tradicionais forças de segurança e de governos e parlamentares, e chegando às direções de escolas e até cidadãos comuns, que têm feito uso do Poder Judiciário para silenciar vozes divergentes.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC
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