Quanto vale uma vida? Quanto vale uma arma?
- Opinión
Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 535: Paz y NoViolencia: Rebeldía a un sistema violento 17/09/2018 |
Um breve histórico
A fabricação de revólveres é realizada no Brasil desde 1939, dez anos antes de fundarem a Indústria Nacional de Armas – INA, em 1949 pelo então General Plínio Paes e se destacou na produção de armas que ficaram bem famosas no Brasil, com a série de pistolas “Tigre”.
Incentivadas pelo governo de Getúlio durante a segunda guerra mundial, fábricas de armas leves como a Taurus e Amadeo Rossi tiveram um “salto” produtivo financiado com verbas públicas.
As restrições de comercialização de armas impostas durante os governos militares nos anos 60 e 70 fizeram estas empresas se abrirem ao mercado externo, concentrando a maior parte de sua produção para exportação.
Nos anos 2000, o decreto R-105 estabelece que armas só podem ser importadas com autorização do exército que, por sua vez, forneceu as permissões para que a Taurus tivesse controle de 90% da fabricação de armas leves no Brasil.
O Monopólio das Armas Leves
No Brasil poucas fábricas de armas concentram a maior parte da produção.
Somente a Taurus chegou a ter 2.600 funcionários e está entre as 03 maiores indústrias de armas leves do mundo, tendo mais de 700 mil armas moldadas, movimentando ao redor de 700 a 800 milhões de reais de faturamento anuais nos anos de 2016 e 2017.
Além da Indústria de Material Bélico (Imbel), empresa estatal vinculada ao Exército, que fabrica pistolas e fuzis, e a CBC, única produtora brasileira de munição civil.
Um mercado e tanto não é? O faturamento é alto o suficiente para patrocinar uma série de estudos, pesquisas e publicações de movimentos pretensamente “defensores da vida” que tentam desvincular o fato de que o número de armas tem correlação direta com o número de mortes por disparo de armas de fogo.
Fábricas de Acidentes Letais
No dia 15 de fevereiro de 2015, o norte-americano Donald Simms recarregava sua pistola Taurus 9 mm, quando a pistola disparou acidentalmente. A bala feriu sua mão, o braço de sua esposa e se alojou no pescoço de seu filho de 11 anos, levando o garoto a óbito. Essa mesma pistola de modelo PT 609, está envolvida em uma série de casos similares divulgados pela imprensa.
Devido a esses acidentes a empresa teve que assinar um acordo com uma corte federal dos EUA, aceitando pagar 30 milhões de dólares em indenizações, recall e custas processuais devido ao alto risco de disparos acidentais de seus revólveres. Quase 1 milhão de compradores solicitaram recall de 8 ou 9 diferentes modelos de revolveres da Taurus.
No mesmo ano de 2015 fecharam duas de suas fábricas e ainda assim anunciaram que dobraram a capacidade de produção de armas, concentrando toda a produção na unidade de São Leopoldo no Rio Grande do Sul.
Desregulação Brasileira
Enquanto esta arma foi proibida nos Estados Unidos com uma multa multimilionária pública e notória internacionalmente, aqui no Brasil este modelo Taurus PT 609 continua sendo comercializado normalmente e pode-se facilmente encontrar websites e lojas de armas vendendo esta pistola com preços entre mil e trezentos a mil e setecentos reais.
Atualmente o modelo continua sendo divulgado normalmente no site da Taurus sem nenhum tipo de aviso sobre o risco de acidentes ou mesmo indicações de recall.
Segundo matéria da Intercept, dois anos atrás, armas defeituosas já fizeram mais de 50 vítimas somente no Brasil e laudos, perícias e depoimentos de vítimas tem sido sistematicamente desconsiderados, como estas que foram realizadas em audiência pública na Câmara dos Deputados em Agosto de 2016.
Outro modelo PT 24/7 também teve sua comercialização proibida na terra do Tio Sam, mas continua sendo uma das armas mais utilizadas por policiais militares brasileiros.
Cadê a fiscalização das armas?
É no mínimo curioso que autoridades brasileiras demorem tanto para corrigir tal situação, numa investigação recente do Ministério Público Federal, divulgada em Novembro de 2017, havia uma lista de 10 modelos de pistolas defeituosas da Taurus, mas entre elas não figurava a de modelo PT 609 tão “famosa” pelo acordo de recall obrigatório, assinado com os tribunais da Flórida.
Além da falta de transparência, após até mesmo o exército ter admitido que existem armas defeituosas em circulação, dois ex-executivos da empresa foram denunciados pelo MPF do Rio Grande do Sul, devido a venda ilegal de 8 mil armas para um traficante de armas do Iêmen em 2013.
A Bancada da Bala
Somente nas últimas eleições nacionais, em 2014 as fábricas de armas e munições patrocinaram mais de 30 candidatos, dos quais 14 deputados federais e 7 estaduais saíram eleitos. Investiram mais de 1,7 milhões de reais em 12 partidos diferentes.
A comissão formada para revogar o Estatuto do Desarmamento recebeu doações que financiaram diretamente 17 deputados estaduais para defender os interesses da indústria da bala no congresso.
A Batalha “secreta” pelo monopólio das armas no Brasil
O fato é que, após o golpe que destituiu a ex-presidenta Dilma em 2016, o número de matérias denunciando as armas defeituosas da Taurus se multiplicaram na imprensa, sobretudo nos veículos estrangeiros presentes no Brasil.
No final de 2017, o Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) acionou a justiça exigindo a quebra do monopólio da Taurus e a retirada de obstáculos para a importação de armas e munições oriundas de empresas estrangeiras.
A principal indústria estrangeira interessada em entrar no Brasil é a Glock, que está organizando uma verdadeira batalha de lobbies, pressões políticas e liminares judiciais no melhor estilo “lawfare” que já dura 6 anos, porém que está se acirrando nos últimos 24 meses.
Relação entre Governo e a Indústria da Bala
O Governo é um dos principais clientes das industrias armamentistas, isso deixa estas fábricas bastante dependentes do governo, porém termina fomentando muito o lobby e as portas giratórias entre eles.
Estudos e Pesquisas são patrocinados frequentemente para influenciar a opinião pública para facilitar a compra de armas por cidadãos.
O principal objetivo do lobby legistativo das armas é revogar o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003.
Referendo sobre a Venda de Armas
Em 2005 foi realizado um referendo para consultar a população brasileira sobre a venda de armas e munições. Contrariando todas as pesquisas, após uma dispendiosa campanha televisiva, mais de 60% dos eleitores votaram para que continuasse o comércio de armas.
Neta ocasião uma série de organizações pela cultura da paz formaram um comitê para fazer campanha conjunta pelo encerramento das fábricas de armas, e um grupo de mais de 15 ativistas do movimento humanista estiveram acampados durante uma semana na frente da prefeitura de São Paulo para exigir o fechamento das fábricas de armas.
Golpe no Estatuto do Desarmamento
Temer negocia apoio da bancada da bala para a reforma da previdência, utilizando o porte de armas como instrumento de negociação política.
No congresso nacional está sendo votado um projeto de lei que pretende facilitar o acesso às armas de fogo no Brasil. O Instituto Sou da Paz, o Mundo Sem Guerras e outras organizações que são contrárias a revogação do Estatuto se uniram para evitar que a lei que regula o porte e a posse de armas seja revogada.
Portas Giratórias
A indústria de armas é favorecida pelas “portas giratória”, onde oficiais responsáveis pela fiscalização se tornam consultores privados ao entrar para reserva.
De acordo com o delegado da Polícia Federal Marcus Vinicius da Silva Dantas, não são traficantes de armas os principais responsáveis por abastecer os criminosos brasileiros. “A maioria são armas antigas que acabaram na clandestinidade. Muitas compradas por cidadãos que depois venderam para conhecidos, que por sua vez venderam para desconhecidos. É assim que ela chega ao criminoso”, explica Marcus em entrevista para Vigência.
Quem é que morre?
Somente em 2014, foram mais de 59 mil homicídios por armas de fogo. Atingindo especialmente os jovens negros das periferias, entre 15 e 29 anos.
Para evitar este número crescente de mortes por armas de fogo o estatuto do desarmamento
Como é o atual estatuto do desarmamento?
Em linhas gerais o atual estatuto da arma prevê que o registro da arma precisa ser renovado a cada cinco anos, é necessário ter ao menos 25 para comprar armas, civis podem comprar anualmente no máximo 50 munições por arma e o porte civil é proibido.
Gunther Aleksander é um filósofo, humanista e ativista. Membro do Movimento Humanista Internacional. Editor da Agência Pressenza no Brasil. Produtor do Canal Quatro V - 4V.
Artigo publicado em espanhol na edição 535 da revista “América Latina en Movimiento” de ALAI.
Leia também - Mitos e Verdades do Estatuto do Desarmamento
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Fontes:
Estatuto do Desarmamento:
https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/98027/estatuto-do-desarmamento-lei-10826-03
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/08/estatuto-do-desarmamento-salva-vidas-7537.html
https://www.youtube.com/watch?v=7UDWmPr3eRM
https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-porte-de-armas-de-fogo-no-brasil
https://ponte.org/campanha-descontrole-alerta-para-ameaca-a-lei-do-desarmamento-no-congresso/
https://pt-br.facebook.com/MidiaNINJA/videos/roda-de-conversa-sobre-desarmamento/989075547917257/
http://www.vigencia.org/artigo/7-armas-para-quem-politica-e-economia-de-uma-industria-mortal/
Batalha pelo Monopólio das Armas:
https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20160205/taurus-atira-escuro/340837
http://www.mpf.mp.br/se/sala-de-imprensa/docs/acp-taurus
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