Ao entregar Julian Assange, Lenín Moreno trai a história do Equador

12/04/2019
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"Lenín Moreno revelou ao mundo sua miséria humana entregando Julian Assange à polícia britânica”, afirmou o ex-presidente do Equador, Rafael Correa, ao criticar seu sucessor que, na manhã desta quinta-feira (11), cancelou o asilo político concedido pelo Estado equatoriano ao hacker fundador do Wikileaks. Agora Assange pode ser extraditado para a Suécia, ou para os Estados Unidos, onde responde por vazamento de dados sigilosos do governo norte-americano.

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Centenas de jornalistas e ativistas estavam reunidos em um auditório em Foz do Iguaçu, cidade brasileira que faz fronteira com a Argentina e o Paraguai, à espera de Julian Assange. Eu estava entre eles, com os nervos à flor da pele. Fazia apenas um ano que o hacker havia divulgado dados sigilosos dos Estados Unidos sobre violações aos direitos humanos nas guerras do Afeganistão e do Iraque. O mundo ainda não tinha processado essa bomba – de informação – que estourou em 2010 e ecoa até agora. Todos queriam ir além e aprender a usar a internet como uma ferramenta na luta contra o monopólio de informação.

 

Com a cabeça à prêmio e status de popstar, Assange obviamente não atravessaria um oceano para se encontrar com os ativistas no Sul do mundo, mas poderia participar do evento chamado “1º Encontro Mundial de Blogueiros Progressistas” através de uma vídeoconferência. Por motivos técnicos e de segurança, a tal palestra não aconteceu. Entretanto, o Wikileaks havia enviado seu porta-voz, Kristinn Hrafnsson, que falou sobre os desafios de usar a verdade para furar o cerco das grandes corporações responsáveis por manipular a informação a serviço dos interesses do mercado.

 

Apesar das dificuldades técnicas, nesta mesma época Assange comandava um programa de entrevistas com grandes personalidades políticas e intelectuais para debater o futuro da humanidade. Entre os destaques do talk show intitulado “O mundo amanhã”, estiveram o filósofo Slavoj Zizek, e o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah.

 

O programa era distribuído numa espécie de operação de guerrilha. Recebíamos os episódios já traduzidos em vários idiomas com antecedência e tínhamos o compromisso de só levá-los ao ar em nossos canais na hora exata estabelecida no e-mail. Assim, sempre ao mesmo tempo, os vídeos apareciam nas redes sociais de todo o globo.

 

Intelectuais, políticos e o próprio Assange, olhavam com interesse para a América Latina e o Caribe. Diferente da Europa, que viveu a maior revolução socialista da história no século passado, por aqui, a esquerda ainda não tinha o peso de ter sido governo e os presidentes progressistas conseguiam emplacar políticas públicas de inclusão social e se impor com soberania no xadrez mundial de forma a alterar – minimamente – a ordem geopolítica. Chegamos a ter onze chefes de Estado progressistas ao mesmo tempo na Argentina, Brasil, Bolívia, Cuba, Chile, Equador, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Isso atraiu olhares do mundo todo, para o bem e para o mal.

 

Foi este movimento que levou o hacker a pedir refúgio no Equador quando recebeu ordem de prisão na Inglaterra em 2012. O então presidente, Rafael Correa, avançava a passos largos com sua Revolução Cidadã e num ato de política externa corajosa e altiva concedeu asilo político ao fundador do Wikileaks.

 

 

Uma das visitas ilustres que Assange recebeu na embaixada foi Noam Chomsky

 

Do dia pra noite o pequeno país andino com pouco mais de 15 milhões de habitantes ganhou os holofotes da imprensa mundial. Ativistas dos direitos humanos elogiavam a atitude de Correa e depositavam todas as fichas no defensor do “socialismo do século 21”. A embaixada equatoriana em Londres virou palco de manifestações em defesa da liberdade de informação e fortalecimento da democracia. Intelectuais renomados e lideranças sociais se deslocavam de diversos países para visitar Assange. Parecia que o futuro sonhado no talk show do hacker ganhava fôlego, mas a festa durou pouco.

 

Neste mesmo ano o Paraguai sofreu com o golpe de Estado que depôs Fernando Lugo e o quadro de instabilidade se intensificou até chegar em seu ápice com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. Em meio a este cenário conturbado, com os progressistas caindo um a um, o Equador não só se manteve firme, como enfrentou os Estados Unidos para proteger Assange e conseguiu eleger Lenín Moreno, o líder encarregado de continuar a Revolução Cidadã.

 

Logo após a eleição de Lenín, em 2017, conversei com o então ministro da Educação do Equador, René Ramírez, que estava confiante com a mudança. Para ele, seu país tinha tomado decisões corajosas nos últimos anos e o próprio asilo de Assange significava muito mais que a proteção ao ativista, era, na verdade, uma demonstração de força e soberania da diplomacia equatoriana que não se ajoelhou ante as ameaças dos Estados Unidos.

 

Lenín, o traidor

 

Tão logo recebeu a faixa presidencial, Lenín traiu a Revolução Cidadã. O presidente do mesmo partido de Correa dividiu opiniões internamente, mudou o projeto político e passou a perseguir os “correistas” que restavam no governo. Ao anular o asilo político de Assange e entregá-lo à polícia britânica, dá uma prova mais de sua diplomacia de pés descalços que se curva aos interesses externos em detrimento da soberania conquistada a duras penas na última década.

 

Por isso, para Correa, a decisão de entregar Assange não só coloca em risco a vida do ativista – que pode ser deportado para os Estados Unidos e condenado à pena de morte – como representa uma “humilhação para o Equador”. “Lenín Moreno é o maior traidor da história do Equador e da América Latina”, disparou o ex-presidente nesta manhã em sua conta oficial no Twitter.

 

Correa insinuou ainda que a entrega de Assange já foi previamente negociada com os Estados Unidos. Lenín nega e se defende com o argumento de que solicitou à Inglaterra “a garantia de que o senhor Assange não seria entregue em extradição a um país onde possa sofrer torturas ou pena de morte”.

 

Em um vídeo publicado em sua conta oficinal no Twitter, Lenín afirmou que cancelou o asilo de Assange porque a conduta do ativista nos últimos tempos era “desrespeitosa e agressiva” e acrescentou que o Wikileaks havia publicado declarações “hostis e ameaçadoras” contra seu governo. As poucas vezes em que o hacker supostamente “passou dos limites”, a penalidade que recebeu do Estado equatoriano foi ficar temporariamente sem internet na embaixada, nada que se compare à medida extrema do atual presidente.

 

No ano passado, Assange ganhou a nacionalidade equatoriana, o que, segundo Correa, agrava ainda mais a situação porque entregá-lo significa também ferir a Constituição do país. O Wikileaks emitiu um comunicado onde afirma que o Equador “agiu ilegalmente” ao encerrar o asilo e “viola o direito internacional”.

 

O secretário de Estado para Assuntos Internos do Reino Unido, Sajid Javid, agradeceu ao Equador pela “cooperação” e afirmou que o hacker de 47 anos, agora sob a custodia da polícia britânica, vai “responder à justiça do Reino Unido”. O futuro de Assange é incerto, o fato concreto é que a subserviência de Lenín enterrou o que ainda restava da Revolução Cidadã.

 

http://www.vermelho.org.br/noticia/319713-1

 

https://www.alainet.org/es/node/199285
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