Com búlgara à frente, FMI adere ao “comunismo” do papa Francisco
- Opinión
No Vaticano, a diretora-geral do Fundo defendeu colocar economia ‘a serviço das pessoas’
A economista Kristalina Georgieva é desde outubro de 2019 diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI). Jamais alguém de uma nação emergente havia ocupado o cargo. Quando nasceu na Bulgária, em 1953, seu país era comunista. Para o bolsonarismo, certamente é esse o motivo de Kristalina acreditar que “a primeira tarefa é colocar a economia a serviço das pessoas”.
Suas palavras foram pronunciadas dia 5, no Vaticano, no seminário “Novas formas de fraternidade solidária, de inclusão, integração e inovação”, proposto pelo papa Francisco, que os fiéis de Jair Bolsonaro acham “comunista”. Simpósio com foco na América Latina, no qual o papa chamou de “pecado” o corte de impostos para os ricos, os paraísos fiscais e a corrupção das multinacionais.
Para Kristalina, nos últimos 30 anos, o mundo viu alguns avanços “notáveis”, como a queda na mortalidade infantil e a saída da pobreza extrema por parte de 1 bilhão de pessoas. “E, no entanto, a mesma economia projetou sombras escuras”, prosseguiu. Por exemplo: a “desigualdade excessiva”.
Desde 1980, disse ela, o 1% mais rico do planeta embolsou o dobro dos ganhos do crescimento na comparação com o que ficou com os 50% mais pobres. A distância entre os países ricos e aqueles em desenvolvimento tem aumentado. “E, acima de tudo, pense em como a atual estrutura econômica está prejudicando nosso ambiente natural”, comentou Kristalina.
“Então, como podemos levantar essas sombras escuras e trazer mais luz? Como podemos ajudar a criar uma economia a serviço das pessoas?”, perguntou-se a chefe do FMI. Ela apontou três frentes de ação: “crescimento inclusivo”, através de uma “cultura de solidariedade; promoção de “uma globalização da esperança”; e adoção de medidas ambientais para “cuidar de nosso lar comum”.
Ao tratar de “crescimento inclusivo”, Kristalina lembrou que a América Latina vive momentos de agitação social devido à histórica desigualdade econômica. Não citou, mas podia: o Chile, palco de protestos diários desde outubro de 2019, é o terceiro país com a maior concentração de renda do mundo no 1% mais rico. O grupo embolsa 23,7% do PIB, conforme a ONU. O Brasil é vice, 28,3%.
Para a economista, os países latino-americanos precisam proporcionar “bons empregos, serviços públicos confiáveis e redes de proteção mais fortes” a seus povos. E também “investir nas pessoas”, para que elas tenham oportunidades na vida: gastar mais com escolas, na qualidade da educação, na requalificação ao longo da vida, em programas sociais. No Brasil, recorde-se, o governo incentiva o emprego precário e reduziu a proteção social com a reforma da Previdência.
E se há restrições orçamentárias, seguiu Kristalina, é possível elevar a eficiência do gasto público e, no médio prazo, a arrecadação estatal. A OCDE, clube de nações ricas ou simpatizantes, estima que 200 bilhões de dólares deixem de ser arrecadados por ano em nações que não pertencem à entidade (o Brasil quer entrar) por causa de paraísos fiscais e de brechas legais favoráveis a grandes empresas.
É necessário ainda, prosseguiu a economista, “abordar a concentração do mercado que limita a criação de empregos e prejudica os pobres por meio de preços mais altos”. Tradução: enfrentar monopólios e oligopólios. Cabe também “empoderar as mulheres, reduzindo as discriminações no mercado de trabalho”.
No capítulo “globalização da esperança”, Kristalina disse serem necessários a expansão do comércio global e “investimentos ampliados em redes de treinamento e segurança social, para que os trabalhadores possam aprimorar suas habilidades, fazer a transição para empregos de melhor qualidade e ganhar mais”.
Quanto aos desafios ambientais , ressaltou: “são os pobres que geralmente são mais vulneráveis”. E citou uma estimativa do Banco Mundial, onde trabalhou antes de chegar ao FMI: sem mudar o caminho climático atual, 100 milhões de pessoas viverão na extrema pobreza até 2030.
Kristalina Georgieva, mais uma “comunista búlgara” perigosa.
- André Barrocal é Repórter correspondente da revista CartaCapital em Brasília-DF
11 de fevereiro de 2020
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