USMCA entrou em vigor. E agora?
- Opinión
Após três anos de negociação, o United States-Mexico-Canada Agreement (USMCA) finalmente entrou em vigor em 1º de julho. Ainda é cedo para avaliar seu impacto econômico, mas é possível refletir sobre seu significado e efeito na atual conjuntura política dos Estados Unidos, especialmente porque foi uma das grandes vitórias do atual mandato do presidente Donald Trump.
Desde sua campanha eleitoral para a presidência em 2016, Trump vinha, reiteradamente, acusando o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês) de ser o pior acordo da história dos EUA. Os dois principais motivos alegados pela Casa Branca para ter dado início à renegociação do acordo, que remete à primeira metade da década de 1990, foram o déficit comercial na balança com os parceiros, especialmente com o México, e a perda de postos de emprego, sobretudo no setor automotivo, para o vizinho do sul.
Assim, após muitas ameaças e pressões ao longo de sete rodadas de renegociação, os três países chegaram a um acordo que foi devidamente ratificado pelos respectivos Congressos nacionais. Segundo determinado, o passo seguinte à ratificação era que cada governo deveria notificar seus parceiros assim que todos os trâmites necessários para a implementação do acordo tivessem sido tomados. O USMCA entraria em vigor dois meses após todos os países terem realizado essa notificação.
Em 24 de abril de 2020, o Representante Comercial dos EUA (USTR), Robert Lighthizer, notificou os Congressos do Canadá e do México de que seu país havia concluído todos os requisitos para poder implementar o acordo, tendo sido o último a realizar esse procedimento. O Canadá encaminhou sua notificação em 2 de abril, e o México, dois dias depois.
Interesses eleitorais aceleram entrada em vigor
O prazo de dois meses para a entrada em vigor do acordo é considerado bastante exíguo dada a complexidade das mudanças, das novas regras e das adaptações necessárias para os atores. Esse curto intervalo gerou diversas demandas por sua postergação por parte de alguns setores – como o de autopeças nos EUA e no México, e o de laticínios no Canadá –, especialmente em razão da pandemia do COVID-19, que complicou ainda mais o processo de ajuste. Sem contar que esse prazo tão curto não é comum para a implementação de novas regras comerciais por parte dos EUA.
A mesma demanda foi apresentada pelos dois outros parceiros, havendo sinalização de que esses governos estariam dispostos a uma postergação, para permitir aos setores produtivos realizar os ajustes necessários num contexto menos conturbado. Essa demanda não foi atendida.
Qual a razão da não postergação? As eleições presidenciais nos EUA.
Como dissemos anteriormente, a renegociação do NAFTA foi um dos grandes trunfos da administração Trump, representando seu lema de campanha “Make America Great Again”. O novo acordo resume toda a lógica do discurso do presidente estadunidense, pois coloca, claramente, os interesses nacionais acima da cooperação com seus aliados – pelo menos é assim que seu eleitorado e apoiadores entendem o acordo.
Nesse sentido, o USMCA conseguiu criar uma expectativa muito positiva na opinião pública dos EUA, baseada nas estimativas de crescimento de alguns setores e no possível estímulo à criação de novos postos de trabalho.
Benefícios para os EUA
O USMCA trouxe mudanças significativas ao incorporar dispositivos com previsões sobre plataformas digitais de comércio e regras de origem mais aprofundadas. Pode haver, no entanto, um impacto nos preços para o consumidor final, visto que essa maior rigidez quanto às regras de origem visam a fazer frente aos produtos provenientes do continente asiático, em especial da China. O novo acordo estendeu garantias de propriedade intelectual ao setor farmacêutico e de tecnologia agrícola.
Além disso, ampliou-se o direito de propriedade intelectual para escritores. Com o USMCA, os direitos autorais serão estendidos de 50 anos após o falecimento do autor para 70 anos. Trata-se de um ganho para os EUA, de onde provém boa parte da produção científica e tecnológica entre os parceiros do agora USMCA. Com esse novo acordo de livre-comércio, Washington também quer garantir que cerca de 75% de peças automotivas sejam fabricadas nos EUA, o que, mais uma vez, pode enfrentar problemas com a concorrência asiática.
O novo acordo estabelece ainda um piso salarial de 16 dólares a hora no setor automobilístico mexicano. Outro ganho de Washington foi a diminuição da barreira imposta pelo Canadá aos laticínios vendidos pelos EUA, taxação alta que era considerada por Donald Trump como injusta. A diminuição da barreira canadense deve favorecer o aumento do fluxo de comércio entre os dois países nesse setor.
Sem dúvida, esses ganhos esperados seriam um elemento importante na campanha para a reeleição. A entrada em vigor do acordo quatro meses antes da eleição se tornava, então, estratégica.
Nem tudo, porém, são expectativas positivas, já que algumas mudanças geram um clima de incerteza, como a chamada cláusula sunset, segundo a qual o acordo deve ser revisto pelos parceiros a cada seis anos, com relação a permanecer no arranjo comercial ou, eventualmente, denunciar o tratado. Se pelo menos um deles quiser se retirar do USMCA, a parceria trilateral de livre-comércio expira 16 anos depois dessa manifestação. Se, por um lado, isso flexibiliza o poder de negociação dos atores, por outro, gera insegurança jurídica pela incerteza da continuidade do acordo e pela assimetria econômica entre os parceiros e o decorrente poder de barganha desigual que se estabelece.
USMCA vira plano A de campanha
A pandemia também mudou drasticamente o cenário pensado inicialmente. Em vez de reforçar a campanha eleitoral, o USMCA se tornou agora praticamente uma tábua de salvação, que busca reverter o mau desempenho do presidente na corrida presidencial.
O enfrentamento desastroso da COVID-19, nos EUA, por parte do governo federal, fez o que três anos de oposição do Partido Democrata parecem não ter conseguido. Para reverter sua queda de popularidade e de intenção de voto entre os eleitores, o governo Trump usa a implementação do USMCA não apenas como um instrumento para tornar a nação “grandiosa novamente”, mas para reverter os problemas relacionados à queda do Produto Interno Bruto (PIB) e ao aumento das taxas de desemprego em decorrência da pandemia.
Nas palavras do próprio Robert Lighthizer, “A crise e a recuperação da pandemia da COVID-19 demonstram que, agora, mais do que nunca, os Estados Unidos devem se esforçar para aumentar sua capacidade produtiva e o investimento na América do Norte”.
Nessa estratégia, o USMCA é entendido pela administração Trump como a principal referência nesse esforço. De acordo com as estimativas da Comissão de Comércio Exterior (US International Trade Commission), o novo acordo aumentaria em 0,35% o PIB americano e criaria aproximadamente 176.000 empregos, mas isso em um cenário pré-pandemia e dentro de um prazo de seis anos, ou seja, até 2026.
Com efeito, o USMCA apresenta-se como um bom acordo para a economia americana, podendo cumprir as promessas de benefícios feitas pelo presidente Trump, mas somente a partir do próximo mandato. No plano político imediato, talvez seja preciso encontrar outra estratégia para tentar permanecer na Casa Branca.
- Karina L. Pasquariello Mariano é professora de Ciência Política da UNESP, coordenadora do Observatório de Regionalismo vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
- Angelo Raphael Mattos é doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), com apoio CAPES.
05.07.2020
https://www.opeu.org.br/2020/07/05/usmca-entrou-em-vigor-e-agora/
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