No Bananistão dos Parapoliciais 3ª parte

13/07/2020
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Foto: Rafael Costa
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* Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes ou pessoas terá sido mera coincidência.

 

Na 1ª parte desta série de ficção não ficcional, abordamos um panorama geral das mazelas da segurança pública sob o regime de democracia liberal capitalista no estado do Arroio de Fevereiro. Na 2ª parte analisamos a periodização histórica dos modelos de exploração e controle da economia política do crime nos territórios segundo o tipo de organização criminosa operando na Região Metropolitana da antiga capital da República do Bananistão. Nesta 3ª parte analisamos o modelo de novos negócios, complementando ou competindo contra o formato anterior, quando clãs familiares se involucram diretamente no negócio de proteção de segurança e extorsão, projeção eleitoral com base em bairros da Zona Oeste da cidade e grilagem de terras públicas, devolutas e de proteção ambiental.

 

A expansão territorial e as formas de extração de riqueza e controle do poder

 

Primeiro é preciso reconhecer que as linhas de investigação histórica formam um trio de componentes oriundos no período anterior da última ditadura militar: grupos de extermínio da Baixada Fevereirense se confundiam com a Irmandade de Policiais e com o fim da última ditadura terminaram expandindo-se também para o estado do Sagrado Espiritual e da Mineração Generalizada. Mas, tal expansão também acompanhou a urbanização periférica na Zona Oeste do Arroio de Fevereiro, em especial a partir do final dos anos ’80, sendo pioneira a primeira geração da valente favela da Porteirinha. Ali, ainda no final da década de ’70 do século XX, o brio de trabalhadores nordestinos, muitas vezes dotados de um moralismo de sobrevivência, expulsou “a vagabundagem” na ponta da faca e no tiro. Perderam a mesma guerra na gigantesca comunidade do Arraialzinho e pelo visto passou algo semelhante na Urbanidade Divina.

 

Na década de 1980 a antiga zona rural do Arroio de Fevereiro foi ganhando um fluxo de população. O mesmo que ocorrera durante as décadas anteriores nas favelas da cidade. Pessoas de origem humilde, êxodo rural, famílias nordestinas e da roça foram ampliando novas comunidades de urbanismo precário e ainda sem regularização fundiária. Esses novos bairros dentro de enormes bairros, no começo ao menos, não tinha tráfico assim como nesta década se dizia que “na Baixada não tem Comando, a Bicheirada e os grupos de extermínio e de polícia tropeira” não permitem. Mais à frente, o avanço das Facçções, em especial com a presença e a imitação do modus operandi da Facção Tomate, após a guerra no Martina Adonada (1987), ficou decretado que “verme não pode morar em favela nem em conjunto dominado”. Daí para a autodefesa de elementos da segurança pública, da baixa soldadesca que é levada pelo modelo de policiamento a buscar na informalidade o complemento de seu salário, foi um salto.

 

Em tese as áreas de gente trabalhadora, honesta e moralmente conservadora não queria conviver em comunidades onde o crime anda armado e o cidadão fica refém de negociações entre associações de moradores e as redes de varejo do tráfico. Na virada dos ’80 para os ’90, o avatar real e concreto desse que escreve fazia recortes de jornais (ainda impressos) com um número absurdo de assassinatos de lideranças locais e de comunidades de favela. A fase heroica da Federação de Associações de Favelas do Arroio de Fevereiro (FAFERF) já havia passado, com um gigantesco estrago de cooptação exercido nos dois governos estaduais do Velho Caudilho. Ainda assim, com a mudança permanente de donos, gerentes e frentes – a rapaziada se matando, com o tempo de vida médio do “passageiro da vida errada” não passando de cinco anos – as tensões entre a “turma da farmácia” e as associações só fazia crescer. Logo, dominar os territórios sem tráfico, sem gente portando armas ostensivamente, parecia uma boa ideia.

 

Concomitante, o já presente nesta série coronel Cleomir Tangerina e seus Jumentos Velozes estavam barbarizando, tanto nos turnos de trabalho do 109º BFM como nas horas vagas, na informalidade organizada pelos meganhas já citados. Ou seja, morria-se de um lado (pressão do tráfico sobre as associações de moradores) e de outro (pressão da polícia militarizada sobre essas comunidades dominadas pelo tráfico que também os pressionava). Uma “saída” seria o controle pela própria associação de moradores, mas como se tratam de terrenos irregulares, a atribuição de casas, o poder de alocar ou não moradores concentra na associação. A cultura da violência estava presente e a transformação de líder comunitário em grileiro é sempre possível. O personagem que a Rede Bobo atribuiu a um de seus galãs do elenco e fazia as vezes de líder da Porteirinha exemplifica o modelo anterior, pré-formação das “milícias”.

 

O desenvolvimento dos parapoliciais, evolução da polícia tropeira e de grupos de extermínio, expande pela zona oeste da capital tomando por base três fatores: comunidades ainda sendo estabelecidas e sem a presença do tráfico; comunidades onde viviam servidores públicos da segurança e que tomavam a defesa nas próprias mãos; o mimetismo de ex-policiais transformados em políticos locais, imitando os mecanismos de centros sociais, garantia de proteção e caixa de negócios locais. Algo de comum entre essas formas iniciais, a capacidade de resolução local de conflitos, paralelo a Justiça, apontando saídas para as controvérsias e disputas locais.

 

O modelo de forças parapoliciais, ou paramilitares, ganha padrões através do desenvolvimento inicial. Um fator fundamental – na primeira década do século XXI ao menos – era o combate aos narcotraficantes com “soldados” portando armas ostensivamente. Também a presença pública de bocas de fumo estaria proibida. A segurança física de moradores e comerciantes garantida, mas com a tributação de todos os negócios da região dominada. Para as residências, a taxação pode se dar pela TV a cabo ilegal (gatonet), a distribuição de gás de cozinha e alguma tributação extra, como nas instalações elétricas. O território é tributado através do controle de rotas, como nas já citadas operações de Vans e Kombis de “transporte alternativo”.

 

A representação política pode ter duas vertentes. Uma, a auto representação, com elementos do clã familiar sendo representantes diretos de territórios dominados. Isso ocorreu em Big Field com as famílias que lideraram – parece que ainda lideram – a Religa da Injustiça, também conhecida como A Empresa. Os famosos Vesperino, Herodinho e Branquinha ajudaram a eleger o Playboy e “fecharam a zona oeste” na aliança absurda entre o candidato fevereirense ao governo do estado e a chegada da Economista Vanuza em 2010. Quem a indicou, o Ex-Sindicalista, também contou com esse apoio no amplo colégio eleitoral do oeste fevereirense e mais uma vez o PP (Playboy Parasita) garantiu o “fechamento”. Em 2014, quando o ex-vice Dedo Gigante foi eleito, já não houve esse fechamento, porque o ex-governador e o indicado mudaram de aliança federal.

 

Outro modelo, o do “fechamento” externo e não o da auto representação, ocorre quando um candidato acerta o apoio e a aliança. A comunidade é “vendida” como de porteira fechada, com candidatos a vereador, deputado estadual e mesmo federal, acertam os votos locais e esses passam pelo escrutínio posterior. Ou seja, se os moradores não votam do candidato indicado, é possível que as famílias mais “suspeitas” recebam algum tipo de punição. Em tese, o acerto da Repartição da Delinquência com as FA e particularmente o apoio incondicional do legislador estadual “Gelatina” ao Matador Mariano da Obra e seu fiel, o fiel de todo mundo, papai, garoto e capitão, o hoje pop star Faz-tudo de Oroz. Garantido o território de confiança, somado ao legado político do progenitor, coube ao Chocolate do Tremelique complexificar o modelo, conforme veremos na sequência.

 

O modelo complexo aplicado através do gabinete do “Gelatina”

 

Como tudo o que diz respeito ao clã dos Fascistas Arrivistas (FA), e no caso, do hoje representante majoritário da unidade subnacional e então legislador estadual, CT vulgo “Gelatina”, é alvo tanto de especulação como de intenso trabalho investigativo, a modelização que segue é mais ilação do que definição. Sempre recordando o princípio de Galileu, pois não gire embora gire, e a Terra é redonda. Dito isso, vamos à engrenagem “supostamente” existente.

 

O fluxo de recursos permanentes, o caixinha rápido, seria o da rachadinha. O Gelatina não a inventa, apenas copia o modelo, batizando o salário de assistentes parlamentares na forma de funcionários fantasmas ou pouco frequentes. Essas parcelas que são pagas e imediamente retribuídas, retornam para operar como prebendas do legislador – mensalidades de escolas particulares de filhas e filhos ou planos de saúde suplementar – mas, também entram como a “caixinha dos amigos”. O Faz-tudo de Oroz, um autêntico “irmãozinho parapolicial”, pegaria as “merrecas” e as transformaria em importantes “faz-me rir” nas comunidades dominadas pela Repartição da Delinquência. Nestes territórios, o caixinha da merreca virava pagamento em espécie para pequenos serviços, girando a roda da renda familiar de apoiadores incondicionais, mas também poderia entrar – igualmente em espécie – como capital de giro de empresas de materiais de construção.

 

Tais empresas, como lojas de ferragens, madeireiras ou pequenas empreiteiras, conseguem multiplicar o ingresso destes recursos, fazendo vales – pegou e paga depois, tudo anotado, e se não paga em dinheiro, paga em serviço, ou vai para a vala - para as pequenas reformas em casas de alvenaria de moradores das comunidades. Não apenas para levantar muro, consertar fundações ou levantar uma, duas ou até uma terceira laje; por vezes duas ou três casas no mesmo terreno. Das lojas de construção, materiais e reforma, o próximo passo é o emprego de maquinário, aí para multiplicar o dinheiro arrecadado nas atividades tradicionais extratoras sobre população de território dominado. Duas formas clássicas de fazer esse dinheiro se multiplicar de forma limpa é na atividade de terraplanagem – em especial em áreas verdes ou devolutas – e a venda de imóveis na planta, “com segurança garantida”.

 

Contratos de gaveta e alguns cartórios de registros de imóveis que diante uma “taxa de urgência adequada” fazem andar, sumir ou desviar qualquer bem imobiliário já ajudam muito. A complexidade seguinte é a verticalização, onde a venda de terrenos passa para a de apartamentos, ou sobrados com mais andares, vendendo-os ou alugando. A “tragédia” na área do Cai Tudo (obs: que no mundo físico real seria ali na Muzema) exemplifica que para rentabilizar em tudo o quanto é possível, o padrão Palace II foi retomado, e segue sendo, enquanto essas empresas de fachada dos parapoliciais seguir operando.

 

Já o esquema próprio do Gelatina implicaria em abrir caras franquias de lojas de doces (as mais sofisticadas do segmento), posicionadas em shopping centers (com aluguel também muito dispendiosos) e fazer uma parte do giro do arrecadado como suposto sócio externo da Repartição da Delinquência. Para “botar na reta”, ele próprio quando tinha gabinete na famigerada ALEAF, empregou a senhora progenitora do Matador da Obra, a “conja” do ex-capitão de Forças Táticas; já para o Faz-tudo, colocou a “conja” (copiando aqui o padrão Marreco da Republiqueta da Farsa Jato de língua portuguesa) e duas rebentas (uma delas circulando na alta como requisitada treinadora particular de preparação atlética). Amáquina azeitada ia além.

 

Através de “dotôres adEvogados” de confiança, o investimento em imóveis formais, com valor sub apreciados na compra e com elevação acima da média na venda, daria a movimentação necessária para lavar os valores. Não se sabe se tais valores seriam para ele, Gelatina, para seu clã dos FA ou um negócio associado, entre o gabinete, a familícia e a Repartição. O certo é que no mandato do CT, havia muita mobilidade e apoio para suspeitos de pertencer a facções paramilitares e parapoliciais, chegando a dar prêmio para o Matador quando esse estava em cana no Batalhão Especial Prisional da Força Militarizada. Ao não ter um território único de “fechamento”, partindo do eleitorado difuso no discurso da extrema direita policial e adjacências, foi mais fácil evadir do foco, até porque no período do Playboy Parasita governador estadual, a Religa da Injustiça era a mais “famosa” das bandas podres de parapoliciais apelidados de “milicianos”.

 

No próximo episódio, quarto e último, vamos nos debruçar na ampliação do modelo complexo, incluindo controle a terminais portuários, entroncamentos rodoviários e a expansão dos negócios de terrenos e imóveis.

 

12 de julho de 2020

 

- Bruno Lima Rocha é editor dos canais do Estratégia & Análise, a análise política para a esquerda mais à esquerda. Rafael Costa é desenhista e cartunista (E-mail- Rafael.martinsdacosta@yahoo.com.br. Instagram- @chargesecartuns )

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