O saldo das eleições 2020
- Opinión
As eleições municipais 2020 foram atravessadas pela pandemia de covid-19, que impactou o processo desde o período pré-campanha. Para além do vírus, o pleito será lembrado pelo fracasso dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), por um ensaio de unidade da esquerda em várias capitais no 2º turno e pela eleição massiva de candidatos da direita tradicional nas principais cidades do país.
No último domingo (29), foram disputadas eleições para prefeitura em 2º turno em 57 cidades, com predomínio da direita tradicional. Dez disputas foram vencidas pelo MDB, oito pelo PSDB e sete pelo Podemos.
Quanto às capitais, sete tiveram a eleição decidida em 1º turno com vitórias da direita e da centro-direita: Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Natal (RN), Palmas (TO), Florianópolis (SC), Salvador (BA) e Campo Grande (MS). No 2º turno, o campo progressista só venceu em Belém (PA), com Edmilson Rodrigues (PSOL), em Aracaju (SE), com Edvaldo Nogueira (PDT); no Recife (PE), com João Campos (PSB); e em Maceió (AL), com João Henrique Caldas.
Campo progressista
Pela primeira vez, o PT não elegeu nenhum prefeito nas capitais. A queda em relação a 2016 não foi expressiva. Na ocasião, o PT disputou o 2º turno em sete das maiores cidades do país e só venceu em Rio Branco (AC), com Marcus Alexandre, que renunciou em 2018.
Por outro lado, o partido saltará de zero para quatro prefeituras entre as 100 maiores cidades do país. No último domingo (29), foram eleitos José de Filippi Jr., em Diadema (SP); Marília Campos, em Contagem (MG); Margarida Salomão, em Juiz de Fora (MG); e Marcelo Oliveira, em Mauá (SP).
Presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann ressalta que a sigla “obteve 40% dos votos ou mais na maioria das cidades em que disputamos a prefeitura, o que mostra que a esquerda continua competitiva”.
Na visão dela, o próximo desafio é construir um caminho de unidade e diálogo, que “se mostrou viável nas eleições municipais.”
Edilson Moura (PT), por exemplo, será vice de Edmilson Rodrigues (PSOL) na Prefeitura de Belém (PA). Embora esse tenha sido a única capital onde o PSOL se elegeu, a avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo Brasil de Fato, pela TVT e pela Rede Brasil Atual ao longo do domingo é de que o partido sai fortalecido do pleito.
Unidade
A cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria do Socorro Sousa Braga enaltece o fato de Guilherme Boulos (PSOL) ter disputado uma eleição acirrada no 2º turno em São Paulo (SP) contra o atual prefeito Bruno Covas (PSDB).
“A tendência é uma oxigenação do campo da esquerda. O PT continuará como partido mais importante do campo da esquerda, mas sem a mesma hegemonia de antes. O PSOL emerge com lideranças importantes, como o Boulos, enquanto o PT ainda tem uma capilaridade muito maior”, analisa.
Braga acrescenta que uma vitória do "centrão" não é necessariamente uma derrota para Bolsonaro, já que hoje eles estão do mesmo lado na política nacional. Segundo a especialista, esse elemento só reforça a necessidade de construção de uma frente ampla contra o avanço da direita.
Apesar de derrotada, a candidatura de Boulos representou um passo significativo para a unidade da esquerda no cenário nacional. Figuras proeminentes que estavam de lados opostos nas últimas eleições presidenciais, como Ciro Gomes (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede) apoiaram o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no 2º turno.
Fenômeno semelhante ocorreu em Porto Alegre (RS), em torno da candidatura de Manuela D’Ávila (PCdoB), que ficou em segundo lugar, e em Fortaleza (CE): a eleição de José Sarto (PDT) foi a vitória de uma frente anti-bolsonarista.
Nas cidades onde a unidade não foi possível, como o Rio de Janeiro, PDT, PT e PSOL lançaram candidaturas “avulsas” e ficaram de fora do 2º turno.
Ao todo, partidos de esquerda e centro-esquerda elegeram 12 prefeitos no último dia 29.
Direita tradicional em alta
Nas capitais brasileiras, partidos tradicionais foram os que mais elegeram prefeitos em 1º e 2º turno: MDB (5), DEM (4) e PSDB (4).
O predomínio da direita neoliberal ou tradicional contrasta com o fracasso dos candidatos apoiados por Bolsonaro, como Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo (SP), e Marcelo Crivella (Patriota), no Rio de Janeiro (RJ). O presidente se posicionou a favor de 13 candidatos a prefeito ao todo, e apenas dois se elegeram.
Doutor em Ciências Políticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rudá Ricci relaciona esses números ao antipetismo, fenômeno que se agravou desde 2014, com a operação Lava Jato.
“O eleitor votou, durante mais de uma década e principalmente no âmbito nacional, no PT. Nunca um partido havia ganho quatro eleições no Brasil”, lembra.
“Depois, veio a campanha difamatória contra o PT, que confundiu o eleitor, ou o deixou em dúvida. Então, ele migra para o outro lado, para o totalmente novo, o apolítico e o empresário. Em pouco tempo, o eleitor percebeu que foi um erro, porque nessa eleição, o voto vai para os partidos de centro e centro-direita. O eleitor parece ter cravado o voto nas candidaturas que ele já conhecia.”
Para Gleisi Hoffmann, não é possível apontar uma força política como vencedora das eleições 2020.
“A direita liberal, representada por partidos como PSDB e DEM, enfrentou duras batalhas em cidades onde costumam hegemonizar a Prefeitura, como São Paulo”, interpreta.
“O significado político da vitória do ‘Centrão’ também não é tão expressivo, uma vez que ele esteve com o PT durante alguns anos, agora está com Bolsonaro, e não tem uma identidade política definida.”
João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST, pondera que o bolsonarismo continua sendo uma ameaça consistente, mesmo quando “escondido” em partidos tradicionais.
“Não dá para subestimar a força do bolsonarismo. As eleições mostraram a força do agronegócio nas candidaturas da regiões do Centro-Oeste, às vezes usando partidos de centro, mas com conteúdo bolsonarista. Até 2022, veremos uma migração do Bolsonaro para os partidos do famoso ‘centrão’, que é uma reserva política dele para fazer um segundo mandato e nos atacar”, prevê.
“Em um contexto de pandemia, as pessoas querem resolver o problema da fome e do desemprego. Vejo que nossa ‘bolha’ da esquerda, com a pauta contra Bolsonaro, não conseguiu dialogar com esses problemas centrais do povo brasileiro”, lamenta. "Além disso, o debate de uma frente ampla não pode ficar para o 2º turno. Onde teve força máxima e unidade no 1º turno, chegamos com mais força na reta final."
Limites
O cientista político Paulo Nicoli Ramirez entende que o pleito deste ano foi um “aquecimento para as eleições de 2022” e mostrou, principalmente, o esgotamento de um discurso ultraconservador que vinha em ascensão no Brasil desde 2013.
Os disparos massivos de notícias falsas, no entanto, continuam provocando estragos. O especialista chama a atenção para a campanha misógina e violenta contra Manuela (PCdoB), em Porto Alegre, e Marília Arraes (PT), no Recife (PE), ambas derrotadas no 2º turno. “Nossa sociedade ainda é muito arcaica no que diz respeito à participação das mulheres na política”, ressalta.
Apenas uma capital brasileira será comandada por mulher a partir do ano que vem: Palmas (TO), onde Cinthia Ribeiro (PSDB) venceu ainda no 1º turno. Dezoito dos 25 eleitos são brancos. Dos sete prefeitos negros, três se declaravam brancos na última eleição.
O desafio da unidade no campo progressista adquiriu novos elementos após o pleito. Partidos como PSB e PDT tiveram resultados expressivos em grandes cidades – este último elegeu candidatos em três das quatro prefeituras que disputou em 2º turno.
Para Rodrigues, dirigente do maior movimento popular da América Latina, a campanha mais bonita, que oportunizou as disputas de projeto mais interessantes, ocorreu em Juiz de Fora (MG) – Margarida Salomão (PT) será a nova prefeita a partir de 2021.
O balanço final é de que muitos estragos da onda conservadora que elegeu Bolsonaro permanecem visíveis. “O conjunto dos partidos progressistas ainda não recuperou sua imagem junto ao conjunto da população. Vai levar tempo para consertar os ataques do lavajatismo.”
A pandemia, segundo Rodrigues, foi um agravante significativo. “Não conseguimos fazer o que a esquerda tem de melhor, que é a militância na rua, de casa em casa”, reconhece. "A partir desta segunda-feira (30), os partidos precisam necessariamente convocar um debate sobre unidade e sobre organização das tarefas políticas nas grandes cidades", finaliza o dirigente.
Edição: Rodrigo Chagas
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