Madeireiros peruanos multados nos EUA exportam madeira da Amazônia para América Latina

Investigação transnacional revela que punições dos Estados Unidos a madeireiras não impediram exportação; comércio vende também madeira da Amazônia brasileira.

01/06/2021
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Empresas ligadas a duas madeireiras peruanas punidas nos Estados Unidos entre 2017 e 2019 pelo transporte de madeira ilegal continuam exportando madeira da Amazônia para vários países. As duas companhias – chamadas Inversiones La Oroza e Inversiones WCA E. I. R. L. – utilizam uma rede de outras empresas, familiares e aliados para os negócios, com registros inconsistentes dos preços da madeira exportada. Apesar de afirmarem que verificam se a procedência é legal, não apresentaram provas no Peru ou às autoridades americanas de que melhoraram seus processos para garantir a origem da madeira embarcada para o exterior.

As revelações são o resultado de uma investigação jornalística transnacional da qual a Agência Pública faz parte com Columbia Journalism Investigations (CJI), Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (Clip), El Informe con Alicia Ortega do Grupo SIN (República Dominicana), Ojo Público (Peru) e Mongabay Latam (México e Peru). A apuração acompanhou as operações internacionais das duas madeireiras peruanas.

A primeira empresa, Inversiones La Oroza, foi a responsável pela maior parte da madeira ilegal transportada em 2015 pelo navio Yacu Kallpa de Iquitos, na Amazônia peruana, para os Estados Unidos. Como resultado, em 2017, em decisão histórica, o governo federal americano proibiu por três anos a empresa de fazer exportação de madeira para o país, sanção renovada no ano passado por mais outros três, até 2023.

Já a Inversiones WCA – a terceira maior transportadora de carga do navio Yacu Kallpa – foi impedida de entrar nos Estados Unidos em 2019 porque o governo do Peru descobriu que, um ano antes, a empresa havia enviado ao país madeira que não havia sido extraída e comercializada de acordo com a legislação peruana. As autoridades federais americanas decidirão este ano se prorrogam ou não o veto à WCA.

A investigação constatou que as duas companhias continuaram a exportar para vários outros países, incluindo o México, onde entre os compradores estão empresas do conglomerado madeireiro dos irmãos Ceballos Gallardo. Em 2015, as madeireiras peruanas já haviam vendido madeira comprovadamente ilegal ao grupo mexicano.

A reportagem descobriu também que o gerente da La Oroza, Luis Ascencio Jurado, fundou a empresa Mafilo, na República Dominicana, com um sócio dominicano – agora Ascencio Jurado é o maior acionista da Mafilo. Desde sua criação em 2016, a madeireira dominicana importou US$ 5,5 milhões de vários países, incluindo o Peru. Além disso, importou do Brasil várias cargas de madeira de espécies amazônicas ameaçadas de extinção e comprou de duas empresas brasileiras suspeitas de terem adquirido no passado madeira de origem fraudulenta, como revelou a Operação Arquimedes, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) em 2017.

Segundo a apuração, o principal parceiro da WCA, William Castro Amaringo, suspendeu as exportações após a sanção do governo federal americano, mas continuou exportando em 2020 com outra de suas empresas, a Miremi, cuja atividade comercial original era o beneficiamento de madeira. A reportagem constatou também que, em pelo menos cinco vendas originárias do Peru para a Mafilo, os exportadores relataram preços mais altos em seu país para as mesmas cargas declaradas na República Dominicana.

Em entrevista em vídeo de sua sede em Iquitos, Ascencio Jurado disse que suas empresas garantem “que a origem [da madeira] é legal tanto no Peru quanto em outras partes do mundo” e que desde 2016 tomaram medidas para extrair madeira de suas próprias concessões e exportar.

Novas empresas, velhos sócios

Jurado é um engenheiro florestal à frente da La Oroza, empresa que ele criou em 2004, seguindo o ofício do pai, que havia começado a comercializar madeira em Lima. Embora a sócia majoritária fundadora da La Oroza tenha sido Ruth Antonia Ascencio Jurado, irmã de Luis Ascencio, desde 2019 é ele quem detém as rédeas da madeireira como principal proprietário e gerente.

A empresa extrai, transforma e comercializa madeira nas áreas florestais das províncias de Loreto e Ucayali, na Amazônia peruana. Atualmente, detém cinco concessões madeireiras em Loreto, segundo investigação do Ojo Público. A sede da La Oroza fica em Iquitos, e sua planta de secagem industrial de madeira está localizada em Pucallpa, capital peruana da madeira no rio Ucayali, onde operam 87 serrarias, de acordo com o mais recente relatório do Serviço Nacional de Florestas e Vida Silvestre do Peru (Serfor). Durante anos, antes de se expandir para o exterior, os Ascencio Jurado forneceram madeira para um dos maiores exportadores de madeira do Peru, a Maderera Bozovich.

Em outubro de 2017, o governo federal americano, por meio do Escritório de Representação Comercial (USTR), proibiu por três anos a importação de madeira da La Oroza. A decisão se baseou em uma emenda ao Lacey Act que impede a importação de madeira de origem ilegal e permite que se exija a documentação de origem para qualquer importação em caso de suspeita de irregularidades. Em outubro de 2020, a sanção foi renovada por mais três anos, até 2023. “Até hoje, porém, o governo do Peru não demonstrou […] que La Oroza atende aos requisitos necessários para a colheita e comercialização de produtos de madeira”, afirma o USTR em sua última declaração sobre o assunto.

Nesses anos, a La Oroza acumulou uma longa história de sanções e multas por diferentes razões no Peru. Os motivos são infrações que vão desde o não cumprimento dos planos de manejo florestal com os quais se comprometeu em duas de suas cinco concessões até a extração de madeira falsamente endossada nesses planos ou o transporte com licenças que não correspondem à realidade.

Em julho de 2016, logo após o escândalo da exportação ilegal de madeira das viagens do navio Yacu Kallpa, Ascencio Jurado criou outra madeireira, a Mafilo SRL, na República Dominicana. A empresa foi criada por meio de um procurador, com os dominicanos Juan Agustín Vargas González (mais conhecido como Johnny Vargas) e Amauris Andreu como sócios minoritários. Andreu deixou a empresa, e hoje apenas Vargas González e Ascencio Jurado, que ainda detêm a maior parte das ações, permanecem, de acordo com os registros públicos.

 

Vargas González vem de uma família tradicionalmente ligada ao setor madeireiro na cidade dominicana de Santiago de los Caballeros. Há vários anos, ele se separou da empresa familiar, Madesol, para criar a própria companhia comercial, Maderas del Valle (Madeva), segundo informou seu irmão, Arnaldo Vargas.

Com González Vargas como parceiro comum, as empresas dominicanas Madeva e Mafilo trabalham em conjunto, explicou o engenheiro florestal Abraham Maca, representante legal da La Oroza entre 2015 e 2016, quando se descobriu que o Yacu Kallpa transportava madeira de origem ilegal. Maca estava nos escritórios da Mafilo quando esta equipe jornalística entrou em contato com ele. “Se eles têm madeira, eles me emprestam, eles nos dão”, disse. “Comigo é a mesma coisa. É uma relação de amizade, mas não mais. Eu o chamo de ‘meu sócio’ porque conversamos muito e ele me ajuda muito.”. Entretanto, ao contrário do que Maca afirma, os registros oficiais mostram que Vargas González é um parceiro em ambas as empresas, e ele próprio explicou sua razão para se associar à Mafilo.

“A lógica de participar como acionista da Mafilo era a expansão”, explicou Vargas Gonzáles em respostas escritas às perguntas enviadas pela reportagem. “Tivemos a oportunidade de fazer parte de uma empresa em processo de formação por um fornecedor de longa data nosso. Naquela época, ele estava procurando crescer no mercado de Santo Domingo [na República Dominicana], já que a Madeva opera somente em Santiago [também na República Dominicana], exceto por um pedido específico de clientes em Santo Domingo.” 

O caso a seguir prova como a Madeva e a Mafilo operam juntas. Em 29 de abril de 2018, a Madeva importou do porto de Paranaguá, no Sul do Brasil, 21 toneladas de mogno (Swietenia macrophylla). O mogno é uma árvore que cresce até 70 metros de altura e está listada no Apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (Cites). Ao listá-la na Cites, Brasil e Peru estão informando ao mercado internacional que essa espécie está em perigo e, portanto, seu comércio exige uma verificação especial para saber se ela saiu de um plano florestal sustentável.

O mogno aparece de maneira significativa apenas no limite sul da floresta amazônica, do estado do Pará ao leste do Peru, de acordo com um relatório apresentado em 2013 pelos cientistas Mark Schulze, da Universidade da Flórida, e James Grogan, da Universidade Yale, à Organização Internacional de Madeiras Tropicais (OIMT).

O Ministério do Meio Ambiente da República Dominicana informou que a empresa importadora que desejar trazer madeira de espécies listadas na Cites, como cedro ou mogno, deve obter uma licença da Diretoria de Biodiversidade do Ministério e apresentar a ela um “parecer de extração não degradante” emitido pela autoridade da Cites do país de origem. A Diretoria de Biodiversidade informou que de fato registrou a Madeva como importadora de mogno do Brasil e, portanto, presumivelmente esta apresentou a licença do Cites.

Entretanto, a Madeva serviu apenas de ponte para a Mafilo. De acordo com a documentação detalhada da alfândega dominicana, a primeira endossou a carga para a segunda por um valor de US$ 29 mil.

A La Oroza e a Mafilo também são muito próximas. Questionado sobre a cadeia de funcionamento da empresa, Abraham Maca respondeu: “Temos as serrarias, as concessões. Mas este é realmente um mercado pequeno. O grande mercado é o México, não a República Dominicana. Quase tudo o que é produzido no Peru vai para o México. Os contêineres com o carvalho, o congona, vêm daqui. Mas o grande mercado é o México. Vendemos muito lá.”

“A empresa que administramos lá com John”, explicou Ascencio Jurado referindo-se à Mafilo, parceria com Vargas González, “é uma empresa muito diferente, é uma empresa na qual eu tenho ações, mínimas, mas tenho. Trabalhamos com outros países que não o Peru, trabalhamos com madeira americana, madeira africana. Não lidamos com madeira daqui da América do Sul. É uma questão muito à parte daqui.”

No entanto, os documentos oficiais dizem o contrário. Ascencio Jurado é acionista majoritário da Mafilo, que desde sua criação importou quase 1.400 mil toneladas de madeira para a República Dominicana pelo valor de US$ 1,1 milhão. A madeira foi enviada do Peru pela Inversiones La Oroza, o que representa um sétimo de todas as suas importações.

A análise dessas operações internacionais indica também que a Mafilo (de Vargas González e Ascencio Jurado), a Madeva (de Vargas González) e a La Oroza (de Ascencio Jurado) frequentemente trabalham juntas: ou enviam cargas nos mesmos navios, usam as mesmas agências e operadores logísticos, ou até mesmo compartilham parceiros comerciais.

A expansão da La Oroza não termina aí. No mesmo mês em que a autoridade comercial do governo dos Estados Unidos exigiu explicações do governo peruano para as exportações de madeira ilegal, o marido de uma tia de Ascencio Jurado criou uma nova empresa para comercializar madeira.

A P&O Exportaciones y Comercialización S. A. C. foi fundada no Peru em 15 de fevereiro de 2016 por Pedro León Montes, como sócio majoritário e proprietário de 6.300 ações. Montes é casado com Rachel Jurado Zurita, conforme consta em dados do registro público peruano. Ela é, por sua vez, irmã da mãe de Ascencio Jurado, Mila Jurado Zurita.

A empresa negocia também com a Madeva. Do total de 7.200 toneladas de madeira que exportou do Peru entre 2016 e 2020, 66% foram para dois clientes: Mafilo e Madeva.

A P&O envia madeira para o México e às vezes compartilha clientes com a La Oroza. Estes continuam a exportar para empresas mexicanas da família Ceballos Gallardo – que haviam atestado boa-fé em 2015, no porto mexicano de Tampico, quando sofreram apreensões de madeira ilegal comprada da La Oroza e enviada pelo navio Yacu Kallpa.

Na República Dominicana, segundo o engenheiro florestal Abraham Maca, a Mafilo, que está no mercado há cinco anos, é uma pequena empresa no mundo da madeira. De fato, esta investigação descobriu que outros comerciantes de madeira no país, como a Madesol, importam muito mais do que a Mafilo. Mesmo assim, a Mafilo não possui uma operação insignificante: movimentou cerca de 7.200 toneladas de madeira do Peru, Brasil, Espanha, Costa do Marfim e Camarões pelo valor de US$ 5,5 milhões entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2021, de acordo com dados da Direção Geral de Alfândega da República Dominicana.

Em 2020, apesar das restrições de mobilidade devido à pandemia, a Mafilo importou um pouco mais de US$ 1 milhão do Peru. Desse valor, comprou muito pouco da La Oroza (US$ 88,6 mil) e consideravelmente mais da P&O (US$ 488,3 mil), de acordo com dados da Direção Geral de Alfândega da República Dominicana. Vargas González, coproprietário da Mafilo com Ascencio Jurado, em comunicação escrita a esta equipe ofereceu números ligeiramente inferiores: US$ 63,5 mil da La Oroza e US$ 487,4 mil da P&O.

Em uma entrevista, Ascencio Jurado garantiu veementemente que a La Oroza não havia exportado madeira para a República Dominicana em 2020.

República Dominicana, um grande mercado da madeira da Amazônia

Em uma análise sobre as discrepâncias no comércio internacional de madeira do Peru publicada em maio deste ano, o pesquisador Camilo Pardo-Herrera, do Centro sobre Terrorismo, Crime Transnacional e Corrupção da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, descobriu que “existe uma lacuna impressionante entre as quantidades de madeira importadas para a República Dominicana e seu potencial de consumo interno”, levantando questões sobre o papel do país caribenho no comércio internacional de madeira.

Em 2019, a importação dominicana de madeira serrada somaram US$ 89,9 milhões, de acordo com dados do Observatório de Complexidade Econômica, uma plataforma de visualização de dados macroeconômicos e comerciais vinculada ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos. Essa mesma fonte informa que as importações mexicanas foram de US$ 531 milhões, o que ilustra que o número dominicano é desproporcional ao tamanho de sua economia.

Não é que esse país esteja exportando na sequência a madeira que entra em suas fronteiras. Dos quase US$ 86 milhões que a República Dominicana exportou em todos os tipos de madeira e objetos de madeira entre 2018 e 2020, segundo o registro alfandegário, apenas US$ 480 mil foram serrados ou aplainados e muito pouco foi de madeira tropical.

Uma explicação talvez seja que parte da madeira que chega aos portos dominicanos não entra, mas segue para outros destinos. A administração privada do porto de Caucedo, a leste de Santo Domingo, em resposta a um questionário desta colaboração jornalística, explicou que as cargas entram no porto e o transbordo é feito para outros navios, com destinos múltiplos, e que esses transbordos não são revisados pela alfândega, pelo Ministério da Agricultura ou pelo Ministério do Meio Ambiente.

A reportagem constatou que uma pequena quantidade das importações de madeira do Peru pelas empresas analisadas não possui documentação alfandegária, o que coincidiria com o que diz o porto: há transbordo.

De acordo com Vargas González e Ascencio Jurado, sócios da Mafilo, essa empresa não transporta madeira importada de vários países do mundo para qualquer lugar. Tudo é para o consumo no país, dizem. A alfândega dominicana confirmou a afirmação.

Ascencio Jurado quis deixar claro que o esquema de operações que ele estabeleceu após a sanção nos Estados Unidos, com sua aliança no Peru com a P&O de seu parente e a criação da Mafilo na República Dominicana, não tem nada de “mal pensado entre aspas; é um negócio, um pequeno negócio além disso”. Ele reiterou que sua única ligação com a P&O é por vantagens fiscais e que a Mafilo é uma empresa separada que não importa a madeira da área do Peru onde ele a extrai.

Duas empresas com histórico suspeito

Em 24 de julho de 2019, um carregamento de 50 toneladas de cerejeira (Amburana cearensis) deixou Porto Velho, capital de Rondônia. Essa madeira, conhecida no Peru como ishpingo e em outros lugares como carvalho-brasileiro, está na lista de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), na categoria intermediária de “ameaçadas”, em uma escala em que o risco mais grave é classificado como “crítico” e o mais leve, como “vulnerável”.

A carga, que tinha como destino a República Dominicana, havia sido exportada pela empresa brasileira Woodland Comércio Importação e Exportação, Ltda., e a Mafilo estava registrada no manifesto alfandegário do navio como compradora na República Dominicana.

No passado a Woodland foi acusada de comprar madeira de origem ilegal no Brasil. Em dezembro de 2017, 11 contêineres da empresa foram apreendidos pela PF brasileira na primeira grande apreensão da Operação Arquimedes, uma das maiores operações de combate à extração ilegal de madeira da história do Brasil. Laudos feitos pela área técnica da PF em 2018 e 2019 mostram que a Woodland recebeu 42,8 metros cúbicos de madeira da Madeireira São Lucas, que havia movimentado 1.564 metros cúbicos (um volume que encheria aproximadamente 51 caminhões) da extração de espécies nativas em uma área considerada pública.

A São Lucas tinha o respaldo de um plano de manejo aprovado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) do Amazonas, como exigido por lei, mas esse plano foi considerado fraudulento pela PF, pois autorizava a retirada de madeira de uma área que não pertencia à pessoa que havia sido autorizada pelo governo. Em uma análise técnica, feita no Laudo 384/2018, a PF declarou que “não havia regularidade fundiária” no plano de manejo em que a Sema havia autorizado a São Lucas a retirar a madeira que posteriormente venderia para a Woodland. A PF descobriu também que, no mesmo ano de 2018, a Woodland havia adquirido outros 48,73 metros cúbicos de madeira da Real Madeiras, também apoiada por um plano de gestão fraudulento, segundo a PF atestou no Laudo 333/2018.

De acordo com relatório enviado à reportagem, o Ministério do Meio Ambiente dominicano encontrou importação de 636 metros cúbicos  de ishpingo (cerejeira) da Mafilo em 2019 (o equivalente a cerca de 19 contêineres como os que transportavam essa carga do Brasil), mas não especifica de que país foi importado nem enumera cada importação, de modo que não se pode determinar se incluiu os 68,17 metros cúbicos comprados da Woodland.

Em 5 de novembro de 2019, a mesma Woodland fez outra exportação de cerejeira para a Mafilo, na República Dominicana.

Contatada, a Woodland disse por meio de seu advogado e representante perante a investigação da PF, Maguis Umberto, que os contêineres apreendidos na Operação Arquimedes já foram devolvidos à empresa por determinação judicial. O porta-voz afirmou também que a empresa entregou à PF a documentação que prova a legalidade da cadeia de custódia da carga confiscada e que não está ciente das irregularidades apontadas nos documentos de origem da madeira, mas a investigação ainda não terminou.

Outra carga semelhante da mesma madeira viajou para o mesmo destino, mas dessa vez exportada por outra empresa brasileira, a Complexo Industrial Florestal Xapuri, localizada no estado do Acre.

Cinco contêineres do produto florestal dessa empresa também haviam sido apreendidos em dezembro de 2017, como parte da Operação Arquimedes. De acordo com laudos da PF, a Complexo Industrial adquiriu madeira sem origem legal comprovada de outras empresas florestais e, juntamente com a Woodland, permanece sob investigação das autoridades federais brasileiras.

Além disso, as duas empresas foram mencionadas na Operação Sinapse, conduzida pelo Ibama em 2017, que as apontou como receptoras de madeira oriunda de planos de manejo classificados como fraudulentos pelo Ibama e pela PF.

Contatada, a Complexo Industrial Florestal Xapuri disse por meio de sua assessoria de imprensa que os cinco contêineres apreendidos na Operação Arquimedes já foram devolvidos à empresa por determinação da Justiça Federal do Amazonas e que comprovou judicialmente a legalidade da carga apreendida. A investigação, porém, está em andamento.

Ascencio Jurado disse não conhecer os exportadores brasileiros que venderam madeira para a Mafilo, já que foram as empresas de logística que os encontraram e financiaram a operação. A Fedex Trade Networks foi a responsável por essa operação. Indagado no Brasil, o porta-voz da Fedex afirmou que a empresa opera no Brasil desde 2009, coordenando a logística da carga marítima e aérea, e que seus serviços incluem a reserva de espaço em contêineres de carga para exportadores e importadores. “Os exportadores são responsáveis pelo cumprimento das exigências e pelo fornecimento dos documentos necessários às autoridades antes que o movimento de exportações do Brasil seja aprovado”, explicou.

Preços discrepantes e outras inconsistências

Há inconsistências entre os dados de exportações da La Oroza e da P&O para a República Dominicana e o que a alfândega dominicana relatou como importações dessas empresas entre 2016 e janeiro de 2021.

Em pelo menos cinco remessas entre 2017 e 2020, os exportadores peruanos relataram valores FOB mais altos para a madeira do que a Mafilo relatou às autoridades dominicanas. Isso apesar do fato de que as remessas em questão coincidiram exatamente em peso e tipo de madeira.

Por exemplo, em 21 de novembro de 2018, a La Oroza exportou dois contêineres com 55,8 toneladas de ishpingo do Peru para a República Dominicana. A madeira entrou em 4 de dezembro, com exatamente o mesmo peso e os mesmos números de contêineres – HLXU8531319 e BEAU4708612 –, sendo relatada como saída do Peru no navio Callao Express.

No Peru, a La Oroza informou o envio com um valor FOB de US$ 49,7 mil, mas na República Dominicana o declarado foi muito mais baixo: US$ 28,2 mil. A diferença não é explicada em nenhum dos documentos oficiais. A mesma fatura preparada pela La Oroza indica US$ 28,2 mil como valor da carga. Como as autoridades alfandegárias peruanas autorizaram uma exportação cujo valor não corresponde à fatura?

Embora as diferenças nas cinco exportações peruanas destinadas à Mafilo totalizem apenas US$ 66,6 mil a mais do que o declarado pelas importações correspondentes na República Dominicana, o assunto é delicado, segundo um ex-agente aduaneiro, pois significa que o exportador entregou às autoridades peruanas um documento com informações imprecisas e, por essa razão, violaria as normas alfandegárias. Toda a madeira com diferenças de preço veio da P&O e da La Oroza.

A análise revelou também que os códigos tarifários foram alterados com alguma frequência. Por exemplo, a madeira exportada por empresas peruanas sob o código 4407.22, que se refere à virola (Virola calophylla), à imbuia (Ocotea porosa, classificada como vulnerável na lista global de espécies ameaçadas de extinção) ou à balsa (Ochroma pyramidale), quando chega à República Dominicana é reclassificada sob o código 4407.99, mais genérico, utilizado para “outras madeiras tropicais”. Pelo menos 17 remessas, totalizando 144 toneladas de madeira importada do Peru pela Mafilo, mostram essa mudança.

Em sua análise recente das discrepâncias no comércio internacional de madeira que saem do Peru, Pardo-Herrera encontrou padrões gerais similares.

Cruzando os dados de exportação do Peru com os dados de importação dos países para os quais o Peru exportou, durante os mesmos períodos de tempo e com os mesmos tipos de madeira por código tarifário, Pardo-Herrera descobriu que eles não coincidem. Quando comparou, por exemplo, as estatísticas do Peru e do México, ele descobriu que entre 2009 e 2018 o Peru relatou exportar uma média de US$ 4,1 milhões a menos por ano do que o México relatou importar. Quando cruzou a República Dominicana com o Peru, verificou que o contrário é verdade: por exemplo, em 2015 o Peru informou ter exportado US$ 2,7 milhões a mais do que a República Dominicana importou. Todos os dados utilizados por Pardo-Herrera têm a mesma fonte: o comércio declarado oficialmente pelos países às Nações Unidas e hospedado pela sua plataforma Comtrade.

“Transações que mostram artificialmente um valor maior do que os importadores estão realmente pagando podem ser uma forma de legitimar a entrada de dinheiro ilícito no país ou de ter acesso a subsídios mais altos à exportação”, diz.

A reviravolta da Inversiones WCA

A outra empresa peruana cuja entrada foi bloqueada de 2019 a 2021 pelas autoridades americanas é a Inversiones WCA.

A ordem foi dada em julho de 2019 por Robert Lighthizer, então Representante Comercial dos Estados Unidos, à Customs and Board Protections (CBP), como resultado de um pedido feito ao Peru em fevereiro de 2018 pelo Comitê de Comércio de Produtos de Madeira para verificar se três remessas para os Estados Unidos estavam cumprindo as normas ambientais e florestais do país sul-americano.

“O pedido foi feito no contexto das contínuas preocupações de que o corte ilegal de madeira continua no Peru”, afirma-se na declaração que anunciava a sanção. Depois que conduziu a verificação, o governo peruano constatou que um carregamento de madeira da Inversiones WCA não havia sido extraído em conformidade com os regulamentos.

Essa foi a segunda vez que o governo dos Estados Unidos tomou fortes medidas para fazer cumprir o anexo florestal aprovado no âmbito do acordo comercial entre os dois países (PTPA).

Embora o governo peruano não tenha tomado medidas específicas para garantir que a WCA estava extraindo madeira amazônica de forma sustentável, a própria empresa não exportou mais seus produtos no ano seguinte à sanção, de acordo com informações da alfândega peruana.

Entretanto, seu principal acionista, William Castro Amaringo – cujas iniciais dão nome à WCA –, é sócio de outras empresas do setor, como Consorcio Forestal Loreto S. A. C., W&A Forest Company S. A. C. e Miremi S. A. C.

Esta investigação confirmou que a Miremi continuou a exportar para o México, França, Dinamarca e China. Entre 2019 e 2020, a empresa exportou 4.100 toneladas de madeira, no valor de US$ 4,6 milhões, de acordo com o banco de dados comercial da Panjiva – uma empresa global de dados comerciais. Seus principais clientes estão no México, incluindo uma empresa do consórcio de madeira Ceballos. Também é notável que grande parte da madeira exportada seja da espécie Dipteryx odorata, conhecida local e comercialmente como shihuahuaco ou cumaru.

Embora a espécie não esteja atualmente protegida pela convenção Cites ou na Lista Vermelha da IUCN de espécies ameaçadas, há mais de cinco anos os cientistas peruanos vêm argumentando que a exploração maciça de sua madeira, de crescimento lento, a está levando à extinção e pedindo medidas urgentes para protegê-la, como a inclusão nessas listas.

Esta equipe de investigação entrou em contato com Castro Amaringo para pedir-lhe que explicasse por que, sem ter certificado que sua operação madeireira já estava em conformidade com as leis e os regulamentos florestais peruanos, tinha continuado a exportar.

O empresário apontou o dedo para as autoridades do país porque, de acordo com sua versão, eram responsáveis por verificar a acusação, mas não estavam “trabalhando para fazer avançar a indústria florestal”. “Por isso, acabamos com uma sanção injusta. São três anos que não posso trazer madeira para os Estados Unidos, e nada acontece com os verdadeiros informais”, disse.

Morte por ganância comercial

Um número crescente de países está tentando regular e controlar o comércio internacional de madeira, particularmente o das espécies ameaçadas de extinção.

Além da já mencionada emenda ao Lacey Act, de 2008, nos Estados Unidos, que impede a importação de madeira de origem ilegal e permite que se exija a documentação de origem para qualquer importação em caso de suspeita de crime, a Austrália aprovou a Lei Australiana de Proibição de Exploração Madeireira Ilegal (AILPA) em 2012, e a União Europeia introduziu a Regulamentação de Madeira da UE (EUTR) em 2013.

No entanto, o cumprimento dessas leis e políticas é prejudicado por cadeias de fornecimento cada vez mais complexas.

Não é possível saber ao certo se os atores mencionados nesta apuração exportaram madeira de origem ilegal do Brasil ou do Peru, mas os pesquisadores concordam que tanto no Brasil quanto no Peru as autoridades não tiveram a capacidade de regular a exploração voraz, desregulada e muitas vezes ilegal das espécies florestais mais comerciais.

Uma análise das exportações de 2015 registradas pelo posto de controle portuário de Callao da Administración Técnica Forestal y de Fauna Silvestre (ATFFS), do Serfor, feita pela ONG Agencia de Investigación Ambiental, constatou que apenas 16% da madeira nos embarques verificados tinha origem legal. Outros 17% foram extraídos ilegalmente e os 67% restantes “têm um risco alto ou médio de serem ilegais”.

Em outras palavras, cinco de cada seis árvores podem ter sido extraídas ilegalmente.

Em outra pesquisa publicada na Journal for Nature Conservation, cinco cientistas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro cruzaram dados de documentos de origem florestal (DOF) entre 2012 e 2016 com o Livro Vermelho da Flora do Brasil. Eles descobriram que, entre 2.214 espécies comercializadas, havia 38 ameaçadas de extinção, totalizando 6 milhões de metros cúbicos. Isso equivale a 10% de todo o comércio de madeira no Brasil naquele período. Algumas dessas espécies ameaçadas de extinção estavam entre as 20 espécies mais vendidas a cada ano.

A exploração madeireira que não segue os planos de exploração florestal sustentável contribui para a perda dos ecossistemas amazônicos, cuja conservação é a maior contribuição dos países para mitigar a crise climática. É por isso que as empresas têm que garantir que a madeira vendida venha de florestas sustentáveis, uma responsabilidade exigida pelas normas peruanas e brasileiras, assim como as dos Estados Unidos, Austrália e Europa.

“Mas mesmo uma gestão ordenada não garante que seja sustentável”, disse à Clip, parceira desta aliança jornalística, a ecologista Ángela Parrado Rosselli, que pesquisou a regeneração das espécies na Amazônia colombiana. Isso não é garantido porque não há conhecimento claro de quantas espécies se reproduzem, dependendo da região onde estão localizadas, da qualidade do solo e da água ou da produção de seus frutos. “Portanto, os governos aplicam normas genéricas que não garantem necessariamente a regeneração de todas as espécies”, explica.

Além disso, diz Ángela, mesmo que os planos de corte autorizado sejam seguidos, também é essencial verificar se a floresta foi manejada para permitir a regeneração de espécies mais fracas.

O bom manejo florestal para produzir madeira amazônica às taxas industriais exigidas pelo mundo é, no melhor dos casos, problemático. Dadas as inconsistências nas cadeias de abastecimento do comércio internacional, é difícil rastrear até mesmo os atores proibidos ou suspeitos e a madeira de espécies ameaçadas de extinção.

Sendo um grande produtor de madeira amazônica, com exploração intensa e mal regulada, não é surpreendente que somente em 2020 o Peru tenha perdido 278 mil hectares de floresta natural, em sua maioria amazônica, que deixou de reter 132 milhões de toneladas de emissões de CO2, de acordo com o último relatório da Global Forest Watch.

Luis Ascencio Jurado, da La Oroza, está convencido de que aqueles que destroem a Amazônia não são aqueles que, como ele, a exploram comercialmente. “Ainda estou neste negócio porque sou um silvicultor em primeiro lugar, e me deixa muito triste que pessoas sem escrúpulos estejam mexendo com nossas florestas tropicais e as desmatando de forma criminosa”, diz, citando traficantes de drogas entre esses predadores. “Cada pessoa que se envolve nisto está ganhando mais dinheiro, a ponto de já existirem campos de coca em Iquitos.”

Ele explica que não quer abandonar aqueles que trabalham para a sua empresa há anos e que, embora não esteja mais exportando tanto como antes, quer continuar tentando. Se não tiver sucesso, ele conclui que terá que deixar o negócio.

https://www.alainet.org/es/node/212472
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