«Nossa casa está em chamas»
O descontrole climático, que pode ser constatado em todo o planeta, vem se intensificando como nunca se viu. E é a ação humana – sobretudo o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) – que degrada o clima.
- Opinión
De volta a Paris, leio no Le Monde e no Libéation reportagens sobre o relatório do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Evolução do Clima (GIEC em francês, IPCC em inglês), ligado à ONU. O GIEC recebeu o prêmio Nobel da Paz em 2007, compartilhado com o ex-vice-presidente americano Al Gore.
O relatório atesta, com provas irrefutáveis, que as atividades humanas são responsáveis pelo descontrole climático do planeta.
Há quase vinte anos, o presidente Jacques Chirac impressionou os líderes mundiais reunidos em Johannesburg, na África do Sul, na IV Cúpula da Terra, em 2002. Em seu discurso histórico, Chirac afirmou:
«Nossa casa está em chamas e não estamos querendo ver», disse, ressaltando a aceleração da mudança do clima e a armadilha que o homem criou para a vida na Terra.
Ele cobrava mais ação dos líderes mundiais no combate ao aumento da temperatura que ameaça os ecossistemas, a perenidade das florestas, a vida nos oceanos e torna impossível a sobrevivência humana em algumas regiões da terra, devido às temperaturas extremas e às secas que aumentam a cada ano.
Chirac se referia ao que se chamava o «aquecimento global» («climate change» em inglês e «changement climatique» em francês) e agora é chamado com mais propriedade «dérèglement climatique», descontrole climático, pois o que se verifica atualmente é não somente o aquecimento do ar e dos oceanos mas também acontecimentos extremos como chuvas diluvianas e incêndios gigantescos.
O aquecimento do ar é apenas um aspecto do descontrole climático, informam os cientistas.
Chuvas diluvianas
Este ano, em poucos meses tempestades causaram estragos nunca vistos na Alemanha, Bélgica e Áustria. A seca prolongada em outras regiões – com temperaturas recordes e ventos fortes – causou incêndios gigantescos na California, no Canadá, na Grécia, na Turquia, na Argélia, na Sibéria (!) e na Sicília, onde fez 48,8° centígrados nesta quinta-feira, dia 12 de agosto, o recorde europeu de calor em todos os tempos.
«A crise climática é real e nós a estamos vivendo. É a prova de que tudo deve mudar», disse na sexta-feira, 13 de agosto, o primeiro-ministro grego, Kyriákos Mitsotákis, fazendo um balanço dos mega-incêndios que o país está vivendo, sob temperaturas extremas e seca prolongada.
No ano passado, houve incêndios gigantescos na Austrália e na Amazônia.
O novo relatório do GIEC é cabal: o descontrole climático, que pode ser constatado em todo o planeta, vem se intensificando como nunca se viu. E é a ação humana – sobretudo o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) – que degrada o clima causando, entre outras coisas, a elevação da temperatura do ar e dos oceanos, o degelo dos pólos e a elevação do nível do mar.
Uma das consequências mais nefastas desse descontrole climático é a extinção acelerada de espécies animais. Toda essa mudança vem acontecendo a um nível jamais visto nos últimos milênios, diz o relatório.
Divulgado dia 9 de agosto, o documento foi redigido por 234 cientistas de 60 países a partir da análise de mais de 14 mil estudos científicos. Dois outros relatórios sobre a vulnerabilidade de nossas sociedades diante desse processo de degradação do clima e as soluções para reduzir as emissões de gás de efeito estufa serão divulgados em fevereiro e em março de 2022.
O resumo do relatório para os governantes do mundo tem 15 páginas e foi negociado linha a linha por representantes dos 195 países membros do GIEC, o que lhe dá uma extraordinária legitimidade.
“Se agirmos agora, veremos o efeito daqui a dez ou vinte anos», diz ao Le Monde a paleoclimatóloga Valérie Masson Delmotte, diretora de pesquisa no Commissariat à l’énergie atomique et aux énergies (CEA) e co-presidente do grupo 1 do GIEC. «Por outro lado se já é impossível reverter certas realidades do sistema climático, o aumento do nível dos mares pode ser limitado e poderemos ver uma estabilização dos acontecimentos extremos recentes».
As concentrações de dióxido de carbono (CO2), o principal gás responsável pelo efeito estufa, atingiram 410 partes por milhão (ppm) em 2019, um aumento de 47% em relação ao início da era industrial, um nível jamais alcançado de dois milhões de anos até hoje.
Degelo acelerado na Antártica
O degelo das calotas polares do Ártico e da Antártica foi multiplicado por quatro entre 1992-1999 e 2010-2019. O aumento do nível dos mares é mais rápido desde 1990 que durante os últimos três mil anos. E na Antártica, o aquecimento é três vezes maior que a média mundial.
«Cada meio grau de aquecimento da temperatura da terra traz acontecimentos climáticos mais intensos, mais frequentes e que atingem mais regiões», lembra no Le Monde o climatólogo Robert Vautard, diretor do Institut Pierre-Simon Laplace e um dos autores do relatório.
Segundo ele, o aquecimento continuará a aumentar os picos de calor e o tempo das estações quentes, diminuindo as ondas de frio. Num mundo com mais 2 graus centígrados, os extremos de temperaturas atingirão muitas vezes os limites de tolerância para a saúde e para a agricultura. Em muitas regiões do mundo, a vida humana será impossível por causa do calor.
Resta saber se o relatório do GIEC vai mobilizar os líderes mundiais a abandonar o carvão, o petróleo e o gás no subsolo.
E passar a investir exclusivamente nas energias renováveis.
É a vida no planeta Terra que está em jogo.
13/08/2021
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