A agressão europeia à Bolívia e a pífia resposta brasileira
02/07/2013
- Opinión
Na madrugada de terça para quarta, o avião presidencial do presidente Boliviano Evo Morales teve a passagem pelo espaço aéreo da França, Espanha, Portugal e Itália (há controvérsia sobre a posição específica de cada país) negado, em uma clara violação da Convenção de Viena e da soberania boliviana.
Em outras palavras, tratou-se de uma agressão que, fosse contra um país militarmente preparado e belicoso, poderia ter resultado em um incidente mais grave. Mas, sem dúvida, tratou-se e trata-se de uma ameaça não apenas à soberania boliviana, mas de toda a América Latina, ainda tratada como colônia pela Europa que cada vez mais vê seu status de potência diminuir devido à submissão aos interesses dos EUA e à crise.
Morales foi forçado a pousar em Viena para reabastecer e aguardar até que fosse permitido pelos demais países a seguir viagem. A intenção das "potências" era a de vasculhar seu avião devido a boatos de que o ex-técnico da CIA o serviço americano de espionagem interna, Edward Snowden, estaria no avião em busca de refúgio na Bolívia ou em algum outro país vizinho.
Em termos claros, o avião de Morales - além de sua pessoa - gozam de imunidade diplomática, que impede não apenas a revista de seu avião como também proíbe que sua passagem seja vetada por qualquer Estado.
Reza o artigo 22 da Convenção de Viena que "meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.", assim como o artigo 40 da mesma convenção explicita que "os terceiros Estados não deverão dificultar a passagem através do seu território dos membros do pessoal administrado e técnico ou de serviço da Missão e dos membros de suas famílias".
Ou seja, a tentativa de busca dentro do avião presidencial na Áustria, assim como a mera recusa de França, Espanha, Portugal e Itália de permitirem acesso ao Espaço Aéreo é um atentado contra a soberania da Bolívia e contra a imunidade do presidente e de seu avião presidencial.
As razões para tal ação sem precedentes por parte de países europeus, sem dúvida agindo em nome dos interesses dos EUA, assim como permitiram o sobrevoo de aviões da CIA e a tortura de "suspeitos" em seus territórios, são várias.
As razões para tal ação sem precedentes por parte de países europeus, sem dúvida agindo em nome dos interesses dos EUA, assim como permitiram o sobrevoo de aviões da CIA e a tortura de "suspeitos" em seus territórios, são várias.
Em primeiro lugar, há a intenção de passar uma mensagem à Rússia, que abriga Snowden e não possui acordo de extradição com os EUA e não se mostra disposto a "devolvê-lo", trata-se de uma demonstração de força por parte dos EUA, mostrando que ainda manda em seu quintal imediatamente vizinho da área de influência russa.
Em segundo lugar, há a demonstração de poder por parte dos EUA, novamente, demonstrando ao mundo que por mais que falemos em multipolaridade, ainda temos um polo preponderante, mesmo que com problemas econômicos, mas ainda militarmente preponderante.
Em terceiro lugar há a mensagem para a América Latina, de que nem os tratados internacionais, a imunidade diplomática ou a resposta da UNASUL e outros organismos não são suficientes para garantir a segurança da região e seus líderes. Ou seja, o quintal deve continuar a ser quintal, dócil e sem se insurgir contra o Império.
E, em quarto e último lugar, há a mensagem direta a Snowden, ao Wikileaks de Assange e a todos que possam ter a vontade ou a iniciativa de vazar documentos secretos dos EUA de que a paciência acabou e Bradley Manning pode não ser o único exemplo. É uma forma agressiva de desencorajar qualquer tipo de solidariedade e ajuda a quem vaza arquivos secretos dos EUA e a quem pensa em vazá-los.
A reação dos países latino-americanos veio imediatamente. Cristina Kirchner, da Argentina, e Rafael Correa, do Equador, rapidamente usaram suas contas no Twitter para acusar a agressão sofrida pela Bolívia e prestar solidariedade. Até mesmo a primeira dama da Nicarágua se apressou em condenar o que muitos líderes, como o vice-presidente boliviano, e analistas chamaram de "sequestro" o bloqueio ao presidente boliviano.
O avião boliviano ficou retido no aeroporto de Viena por cerca de 12 horas, sob ordens diretas dos EUA, segundo afirmou a embaixador da Bolívia nas Nações Unidas Sacha Llorenti Soliz. Em La Paz, centenas de pessoas protestaram em frente à embaixada da França, queimando a bandeira do país e apedrejando o edifício.
A posição do Brasil, por outro lado, sequer pode ser chamada de tímida, pois durante toda a crise nem Dilma, nem o chanceler Antônio Patriota foram encontrados. Nas redes sociais circulava a piada de que Dilma estava dormindo e não conseguiam acordá-la e que Patriota, em missão na Ucrânia, não teria acesso a TV, internet ou telefone, talvez por obra de Stálin.
Outros compararam a atitude brasileira - ou falta dela - com o episódio célebre de submissão aos EUA quando Celso Lafer, então chanceler de Fernando Henrique, retirou os sapatos em um aeroporto estadunidense. O silêncio do Brasil frente à agressão a um parceiro latino-americano demonstrou a mesma submissão aos EUA. Na verdade pode até ser considerado mais grave, pois se trata não apenas de uma submissão, mas da aceitação de uma agressão a um parceiro regional e aliado.
Ficou demonstrada a pequenez da política externa brasileira que almeja participar de forma permanente do Conselho de Segurança, mas cuja chancelaria não parece funcionar durante a noite e em crises internacionais. A chancelaria brasileira foi mais rápida em condenar a tentativa de golpe militar no Egito que a agressão à Bolívia.
Em nota tímida, às 11 da manhã da quarta, o PT repudiou a agressão à Bolívia, afirmando que esta seria um atentado às leis internacionais. Horas depois, às 16h, o blog do Planalto divulgou nota pessoal de Dilma Rousseff com tom mais adequado à agressão, apesar do uso do termo "constrangimento", quando o caso se trata de um crime internacional que pôs a vida de Morales em risco.
Até o momento não é possível encontrar nota no site do Ministério de Relações Exteriores sobre o posicionamento oficial de Antônio Patriota.
O silêncio brasileiro inicial além de incompreensível é inaceitável. Autoproclamada liderança na América Latina, e em busca de uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil dormiu no ponto. Notas oficiais saíram apenas após o retorno à rota do avião presidencial boliviano, após a pressão internacional ter surtido efeito e o repúdio de presidentes latino-americanos de esquerda terem sido emitidos e conhecidos por todo o mundo - tanto oficiais quanto via Twitter, ferramenta abandonada por Dilma logo após ser eleita.
Ainda é preciso apurar profundamente o caso. A Bolívia pediu à ONU esclarecimentos sobre o caso e é necessário ampla e profunda investigação e pressão sobre os países que levaram a agressão contra a Bolívia adiante e quais interesses estavam por trás. O fato é que a UNASUL precisa dar uma resposta contundente a países que não veem problema em permitir voos secretos e torturas, mas são capazes de agredir um Estado soberano da América Latina.
Como comentou o professor Maurício Caleiro no Twitter, o "'Caso Morales' é a oportunidade para a América Latina deixar claro que não aceita mais imposições imperialistas à margem do direito internacional" e, além disso, é a oportunidade para que se forje uma verdadeira união regional contra agressões e tentativas coloniais de controle, resta saber se o Brasil terá o interesse, na verdade a coragem, de aderir, pois a liderança sem dúvida já escapou de nossas mãos.
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