Feminismo em Marcha para Mudar o Mundo
31/08/2013
- Opinión
Diante da atual crise mundial, as mais variadas posições ideológicas reconhecem que vivemos em um modelo injusto e insustentável. Da mesma forma, não é possível desconhecer a crítica que o movimento feminista faz ao caráter patriarcal da sociedade.
No ano 2000, a Marcha Mundial de Mulheres realizou sua Primeira Ação Internacional, uma campanha contra a pobreza e violência sexista que envolveu 167 países. Foram recolhidas e entregues à ONU 5 milhões de assinaturas. A Ação também promoveu uma audiência no FMI e uma marcha com mulheres do mundo inteiro, em Nova Iorque.
Em outubro de 2000, a imprensa brasileira deu destaque a uma matéria sobre essa Ação cujo título era “A nova onda do feminismo”. A mesma edição trouxe uma entrevista em que Juliet Mitchell enfatizava a importância de se pensar nas crianças. Seu discurso anunciou a centralidade do tema do cuidado na agenda de feminismo, não só em relação às crianças, mas também a idosas(os). O cuidado é algo permanente em nossas vidas, e o que nos torna interdependentes. Entretanto, essa tarefa é atribuída quase exclusivamente às mulheres. Nesse sentido, pensar no cuidado faz parte da construção de um novo paradigma de sustentabilidade da vida humana, centrado no bem estar e que exige um equilíbrio na distribuição dessa tarefa.
Depois de 13 anos de continuidade da MMM em mais de 60 países, o que foi consolidado? Em primeiro lugar, a solidariedade como princípio organizador da Marcha, e não como uma ação das mulheres do Norte para as do Sul. São mulheres de todas as regiões do mundo que constroem uma agenda de ações comuns. As várias batalhas e vitórias feministas não se encerraram, porque o patriarcado continua, e, em sua intersecção com o capitalismo, o racismo e o colonialismo, redefine padrões de controle do trabalho, do corpo e da sexualidade das mulheres. Ao mesmo tempo, coopta e ressiginifica parte do discurso construído pelo feminismo, o que traz mais desafios.
Expressamos isso no texto do 9º Encontro Internacional da MMM, realizado em São Paulo entre 26 e 31 de agosto: “o controle dos corpos é mais complexo hoje, quando imagens opostas do corpo coberto por uma burca ou nu podem ter um mesmo sentido opressor”. Que diferenças existem entre a exigência de esconder e a banalização do corpo das “periguetes”, a forma como no Brasil se utiliza, neste momento, para continuar dividindo e hierarquizando as mulheres segundo as representações de virtuosas e profanas? Temos aí a medida da cooptação liberal do discurso feminista “meu corpo me pertence”, até ser traduzido em “meu corpo é meu negócio”.
Outro exemplo é a violência patriarcal, certamente a agenda mais incorporada pelos organismos multilaterais, governos e meios de comunicação. Os números deveriam assustar, principalmente diante do fato de que ainda há muito para ser denunciado, como o estupro e o abuso sexual de crianças, de todas as classes sociais, por pais, tios, irmão, etc. Nos últimos anos, testemunhamos diversos casos de estupros coletivos por bandas musicais, no transporte coletivo, em festas organizadas para isso, exemplo de Queimadas, na Paraíba. Embora esses dados não possam ser ocultados, já aparece a reação patriarcal, que divide as mulheres entre vítimas e autônomas, como no caso de Luana Piovani e a decisão judicial de inocentar o agressor.
No início dos anos 2000, a MMM analisava que, a uma economia de mercado corresponde uma sociedade de mercado, com destaque para a expansão da mercantilização em todas as dimensões da vida humana. Nesse percurso, o corpo das mulheres é fragmentado e cercado com a medicalização ou a imposição de padrões e com a indústria da beleza.
Na crise atual, o sistema está operando com uma receita muito conhecida por nós, um grande ajuste na relação capital/trabalho. Para isso, corta gastos públicos para a prestação de serviços à população e impõe um grau de precariedade antes restrito aos países do Sul ou a setores da população: mulheres, migrantes como a norma para todos e todas. Há um aumento do conservadorismo, com a valorização do papel das mulheres na família para justificar seu sobretrabalho e sua responsabilidade frente ao recorte de políticas públicas e apoio à reprodução social (onde existiam).
Assim, a força e a potência da MMM estão em construir, desde o cotidiano e a partir da realidade das mulheres, uma ação local conectada à articulação mundial em que a solidariedade é um eixo estruturante. Essa experiência se consolidou como uma força mundial, atualizando o feminismo como um projeto para garantir a igualdade entre todas as mulheres, nos marcos da construção de uma sociedade de mulheres e homens livres e iguais, sem discriminação de raça/etnia e com um livre exercício da sexualidade.
- Nalu Faria é integrante da coordenação nacional da Marcha Mundial das Mulheres
https://www.alainet.org/es/node/78851
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