Afinal, quem será o candidato do PT?
06/03/2014
- Opinión
“Respeitável público! Não
vos pedimos palmas, pedimos
bombeiros! Se quiserdes salvar
vossas tradições e a vossa moral,
ide chamar os bombeiros ou se
preferirdes a polícia.”
(Oswald de Andrade)
Temos participado de debates e palestras nas mais diversas cidades de São Paulo e do país, a convite de organizações e movimentos populares, universidades, escolas, centros e grupos culturais.
Embora os temas abordados nestes últimos meses jamais versem sobre a presente política institucional, mas sobre os 50 anos do golpe, política internacional, ou assuntos relacionados com o que se convencionou chamar de “artes” e “cultura”, tem sido bastante comum a pergunta sobre quem será de fato o/a candidato/a do PT à Presidência, nas eleições deste ano. O fato é que tanta inquietação Brasil afora, acabou por nos contagiar, levando-nos a algumas reflexões — e logo nós, que imaginávamos que a reeleição da presidenta Dilma Rousseff já fosse um fato consumado entre os dirigentes e correntes do nosso partido.
Decidimos, então, recapitular
Quando do pleito de 2002, que elegeu presidente o dirigente partidário Luiz Inácio Lula da Silva, estava mais que dado que ele seria o candidato do PT à reeleição em 2006 — normal, sem qualquer problema. No entanto, ao longo do seu segundo mandato, os nomes de seus possíveis sucessores — que já eram poucos — acabaram por tender a zero. O afastamento dos ministros José Dirceu de Oliveira e Silva e Antonio Palocci culminava um processo que deixou o PT, em termos de candidaturas, de calças curtas: para a alegria de alguns, ódio de outros e malestar para a maioria.
Lembremos que, desde 1982-1983, a política levada a cabo pelo que viria a se transformar na mais alta cúpula partidária, de destruição, afastamento e demonização de quadros políticos (cerco e aniquilamento), já procedera a grande razia nessa área, e a centralização galopante do poder, com a destruição das instâncias democráticas do partido, seguia paralela, completando o quadro. Sobreviveram ao cataclismo, apenas aqueles que, capazes de pensar a política da classe trabalhadora no médio e longo prazos — e desapegados de qualquer carreira pessoal — souberam recuar do proscênio e deixar os adversários passarem vorazmente e em alta velocidade, para em seguida espatifarem-se por conta própria contra as paredes que, aqueles que recuaram, percebiam estar próximas.
Não deu outra... Frente a esse quadro, em 2009, o deputado federal Devanir Ribeiro (PTSP), ex-dirigente cassado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e homem de confiança do presidente Luiz Inácio, lançou um balão de ensaio: propôs (sem formalizar) uma emenda constitucional que criasse a possibilidade de um terceiro mandato presidencial — golpe semelhante àquele que permitiu o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, operado por seu ministro das Comunicações Sérgio Motta, e que custou alguns milhões ao erário público, para formar maioria no Congresso. Na ocasião, em editorial deste nosso jornal, denunciamos a manobra do deputado Devanir. O fato é que seu balão de ensaio queimou a bucha e se incendiou, antes mesmo de decolar.
De todo modo, fi cava o problema: como resolver a sucessão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, sem colocar em risco sua volta em 2014 ou, pelo menos, de modo a correr o mínimo de riscos?
Sim, o melhor nome seria o da então ministra Dilma Rousseff que, vinda do Ministério das Minas e Energia, substituíra, na Casa Civil, o ministro José Dirceu de Oliveira e Silva, quando da sua queda e cassação. A essa altura, também o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, já fora incinerado.
Sem dúvida, a então ministra Dilma Rousseff reunia as melhores condições para a disputa, tanto do ponto de vista de toda sua história política, quanto da sua capacidade técnico-administrativa. Mas, sobretudo, a ministra estava no noviciado político no Partido dos Trabalhadores, uma vez que sua filiação datava de cerca de uma dezena de anos, se tanto.
Ou seja, sua capacidade de articulação interna era bem pequena, se comparada àquela do presidente Luiz Inácio, ou mesmo do ministro José Dirceu — embora este último não tenha participado da fundação do partido. Ou seja, a então ministra Dilma Rousseff não seria uma pedra no caminho dos que postulassem 2014.
Quem sabe, os Grandes Arquitetos tivessem a ilusão de terem encontrado uma refém ou, quem sabe, uma invertebrada como tantas e tantos que costumam pulular nos corredores e salões dos palácios e outros labirintos do poder, muitas vezes construindo com os colchões das alcovas, os degraus para sua ascensão. Mas, por tudo que conhecemos da hoje presidenta, nada disto combina com sua trajetória e caráter que, diferentemente dos cortesãos e cortesãs, arrivistas e oportunistas em geral, não se presta a manobras capazes de rechear os dossiês hoje tão em voga na política brasileira, e às quais o PT tão bem se adaptou.
Este reconhecimento sobre a presidenta, não implica que concordemos com todas as políticas levadas por seu Governo. No entanto, a rigor, essas críticas são as mesmas que podemos atribuir ao seu antecessor e, sobretudo, ao Partido dos Trabalhadores. Há apenas uma diferença com relação ao ex-presidente petista e ao partido: a nossa presidenta costuma agir de maneira clara e direta — o que, aliás, neste universo de políticas sempre articuladas nas sombras, e compromissos assumidos na calada das noites, só depõe a seu favor.
Quando — com justeza, razão e legitimidade — os setores mais à esquerda (do PT, ou fora dele) batem na política de alianças e base de governabilidade do atual Governo, embora a presidenta tenha responsabilidade pelo fato de se dispor a levá-las adiante, o problema central é a política do Partido dos Trabalhadores. Lembremos bem: o seu antecessor na Presidência da República, não apenas a praticou ao pé da letra, como foi e permanece o principal arquiteto e fiador desse imbróglio — secundado sempre pelo ex-ministro e ex-deputado José Dirceu. E, quando a presidenta apanha, partido e arquitetos se calam: que ela coma sozinha o desgaste.
Quando das manifestações de junho passado... Bem, a omissão do PT foi absolutamente imperdoável, e o “desaparecimento” do ex-presidente que se propõe a maior liderança popular deste país, beirou o crime. Diga-se de passagem, esse tipo de “desaparecimento” do ex-presidente Luiz Inácio nos momentos de crise, não é novidade. É hábito. É estilo. É personalidade. É caráter.
Quem acompanha a história das lutas da classe trabalhadora brasileira, lembra do seu primeiro “desaparecimento”, quando da intervenção federal no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que ele presidia, durante a greve de 1979. Embora tenhamos conhecido e vivido de perto (e de dentro) esse episódio, melhor pode ser lido no livro de memórias da grande Lélia Abramo, “Vida e Arte”, publicado pela Editora Perseu Abramo.
A novidade — durante a crise de 2013 — foi o fato do ex-presidente Luiz Inácio só reaparecer concedendo uma entrevista ao “New York Times”, depois de ter passado por Berlim, onde participou clandestino de uma reunião de chefes de Estado e da banca internacional.
Mas, enquanto o ex-presidente se omitia, seus porta-vozes agiam para reforçar o desgaste da presidenta Dilma Rousseff. No auge da crise de junho de 2013, numa reunião de prefeitos das sete cidades do ABC paulista, um dos prefeitos petistas — da maior confiança do ex-presidente Luiz Inácio — referindo-se aos acontecimentos e à presidenta, foi claro, curto e grosso: “O problema é que a Dilma não ouve ninguém” (sic.).
O mesmo entendimento e a mesma frase ecoariam dias depois na grande mídia comercial, desta vez na boca do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, ao tratar com jornalistas do mesmo assunto. O ministro Gilberto Carvalho ocupa — desde a posse da presidenta — o mesmo cargo que ocupou no Governo do presidente Luiz Inácio, de quem priva da mais alta confiança. Comentam as más línguas (e estas sempre existem) que o ministro Carvalho seria o P2 do ex-presidente junto à atual chefa do Executivo. No vocabulário e entendimento político do prefeito e do ministro, a frase deve ser lida/ouvida como: “O problema é que a Dilma não ouve o nosso chefe, o ex-presidente Luiz Inácio”. Simples como descascar uma bergamota.
Entre outros, três problemas — não sem razão — têm levado a atual presidenta a sucessivos desgastes, sempre reforçados pelo silêncio e omissão do Partido: dos Trabalhadores e o “ar-de-paisagem” do seu antecessor na Presidência: a questão da Copa; a questão da segurança nacional; e a questão dos leilões dos nossos campos de petróleo, compromissos herdados do Governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas essas são questões que exigem um tratamento mais apurado, e que esperamos ter condições de abordar adequadamente em outros artigos.
- Alipio Freire é jornalista, escritor e membro do conselho editorial do Brasil de Fato
06/03/2014
https://www.alainet.org/es/node/83695
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