Terrorismos e a Nova Ordem Mundial
03/10/2001
- Opinión
O dramático episódio que destruiu totalmente as torres gêmeas de Nova
York, o rombo profundo no prédio do Pentágono e a medonha e imediata
reação do governo dos Estados Unidos, expõem para o mundo inteiro, da
maneira mais clara e detalhada, três tipos de terrorismos.
Em primeiro lugar, o terrorismo imprevisível, praticado por autores
anônimos, invisíveis e que, na busca de seus objetivos e movidos por
ódio implacável, usam meios hediondos, sem lei, sem ética, fanáticos
suicidas, cruéis e sangüinários. Terrorismo que dispõe de enormes
recursos, utiliza a mais moderna tecnologia, planeja suas ações a
longo prazo, planeja suas ações a longo prazo, mantidas no mais
absoluto segredo.
Os co-autores que estão vivos, isto é, os que não foram incorporados
aos aviões bombas, embora caçados por toda a parte, não estariam
orgulhosos com a surpreendente precisão dos golpes, articulados na
desafiadora complexidade de variáveis sem número? Não estariam
vibrando com a magnitude do espaço gratuito que ganharam na mídia
internacional? Não estariam curtindo, finalmente, o dia a dia das
conseqüências muito mais pesadas do que o impacto inicial, a saber,
as buscas ansiosas e dolorosas dos restos mortais, bem como a
custosíssima remoção dos escombros da apocalíptica devastação?
O outro terrorismo é o visível, oficial, estatal, imperial, legal,
grandiloqüente, mobilizador dos fóruns internacionais e da mídia
mundial na conquista da opinião pública para a execração do
terrorismo acima e do parecer favorável e solidário com o Estado
atingido e com as vítimas inocentes.
Em virtude do "direito" de guerra utiliza vultuosos recursos,
declarados ou não, com ou sem aval do Legislativo e à margem do
Judiciário. Aciona táticas secretas, no mais das vezes aéticas, sujas
e malvadas. Atua veloz e ininterruptamente, através da diplomacia
entre os Estados aliados e da intervenção militar ou econômica entre
os países hesitantes. Usa o suborno, a alta premiação por cabeça, a
violação da privacidade, os encarceramentos e sobretudo as torturas e
os assassinatos. A lei aqui é a da conveniência.
Depois dessa humilhação que feriu fundo o símbolo do gigantesco
poderio econômico-militar norte-americano e desnudou os seus pés de
barro, o terrorismo oficial passa a agir com autoritarismo mandão,
arrogância e desprezo. Vai movido pelo instinto da vingança e pela
sede de banho de sangue. Declara uma guerra insana a uns bodes
expiatórios históricos, alguns deles antigos aliados e alunos bem
treinados. E aproveita para fazer, diante do mundo inteiro, a obscena
ostentação triunfalista do seu arsenal bélico.
E segue em frente, com absoluto desdém pela soberania das Nações dos
outros, especialmente as dos pobres e dos famintos, e conta, muitas
vezes, com a subserviência do aparato policial-militar dos países
subalternos, como o Brasil, copiadores da intolerância da moda de
hoje contra árabes e muçulmanos.
É este o terrorismo que o mundo já vem repudiando no holocausto dos
judeus, perpetrado pelo governo de Hitler e no lançamento da bomba
atômica sobre Hiroshima e Nagasaki. É esta a leitura que se faz dos
30 anos de política obstinadamente parcial dos Estados Unidos, no
encarniçado conflito entre israelenses e palestinos, tornando-o cada
vez mais distante da paz. São as quinhentas humilhantes intervenções
dos mesmos Estados Unidos em algum país da América do Sul e Caribe
desde 1882 até hoje. Aí se incluem os vários golpes de estado.
Inclui-se também o castigo do vergonhoso bloqueio econômico infligido
a Cuba desde 1961. Todo esse terrorismo é proclamado farisaicamente
em nome da "liberdade, da "democracia", da "civilização cristã" e ate
de "Deus".
O terceiro terrorismo. Os analistas sociais consideram o modelo
econômico neoliberal como o responsável pela atual situação de
pobreza, miséria e exclusão de um bilhão de pessoas - um quinto da
humanidade - e pela condenação à morte de milhões, vítimas da fome,
causada pela concentração incrível de riqueza nas mãos de poucos,
causada pela política de supremacia do mercado. O Fundo Monetário
Internacional (FMI), que praticamente suplantou a Organização das
Nações Unidas (ONU), tornou-se o grande articulador desta política
equivocada, imperialista e perversa.
No áspero diálogo entre membros do Fórum Social Mundial de Porto
Alegre, em janeiro deste ano, e os representantes dos oito países
mais ricos do mundo, reunidos em Davos, caiu como uma bomba a
acusação de "assassinos" lançada àquela elite de servidores do ídolo
Moloc, o deus Dinheiro, sacrificador de seres humanos.
Este é o terrorismo que mais mata hoje em dia no mundo. Mata homens e
mulheres, mata também a "mãe Terra, irmã Água, preciosa e casta, o
irmão vento, o ar e o tempo", como cantava o seráfico Francisco de
Assis. O mundo não perdoa Bush por Ter se recusado a assinar o
tratado de Kioto. E o fez por não renunciar ao lucro econômico das
indústrias norte-americanas, mesmo que o Planeta sofra o catastrófico
efeito estufa.
E a humanidade? Terá ela que ficar na total insegurança e à mercê da
crueldade destes terrorismos? Da guerra intrinsecamente imoral, só se
pode esperar o pior para o povo todo, sobretudo para os vencidos,
mas, certamente, também para os vencedores. Portanto, nem império
legal, hegemônico, policial e bélico, nem contra-império ilegal,
clandestino, violento. Qual a saída, então?
É estranho que com tanta reflexão, até científica, sobre aquele
episódio de horror, do dia 11 de setembro, e sobre as raivosas
reações guerreiras, pouco ou nada se tenha falado da impreterível
necessidade do estabelecimento da Sociedade Internacional do Direito
e da Justiça e da Nova Ordem Mundial.
Cadê a ONU? O que ela tem dito a respeito da precipitada declaração
desta 1ª guerra do século XXI? É verdade que ela foi mesmo obrigada a
suspender a ação humanitária que vinha fazendo pelos famintos do
Afeganistão?
Não teria chegado a hora de se rever a lamentável estrutura das
Nações mais desunidas do que unidas na intolerável desigualdade do
direito de vez e voto, neste tempo de universal reivindicação de
liberdade e igualdade?
E o Tribunal de Haia? Ficou para sempre desmoralizado desde que o
presidente Reagan escarneceu, com soberba, da sua condenação a uma
ação criminosa do governo dele contra a Nicarágua?
Sabemos que a Segunda sessão do Fórum Social Mundial, prevista para
janeiro de 2002, em Porto Alegre, deverá aprofundar o fecundo
horizonte da nova Ordem mundial do Direito e da Justiça.
Oremos ao Espírito de Deus para que irrompa naquela belíssima
multidão, proveniente dos quatro cantos da Terra, como um novo e
esperançoso Pentecostes de vida, de alegria e de paz!
* Bispo Emérito de Goiás e presidente da Comissão Pastoral da Terra
https://www.alainet.org/fr/node/105348
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