As estratégias atuais do capitalismo para sobreviver
22/06/2006
- Opinión
Ao longo de sua história, o sistema capitalista utilizou de diversas estratégias para sobreviver. Atualmente, o modelo passa por uma crise, mas segue se alimentando da pobreza do povo e explorando a classe trabalhadora em todo o mundo. Um exemplo de estratégia do capital para se manter vivo é a utilização de práticas ilegais de dominação.
Em entrevista ao Jornal Sem Terra, a economista Roberta Traspadini alerta que o tráfico de drogas, que movimenta cerca de 1 trilhão de dólares por ano, é uma empresa organizada e que atua como uma linha de montagem. "Ela só não é formal no sentido de não estar legalizada juridicamente, mas na produção da mercadoria que gera o preço de mercado, tem a mesma lógica de criar mais-valia através da exploração do trabalho do outro". Seguindo esse raciocínio, Roberta defende que, de certa forma, não existem excluídos do sistema.
A economista fala também sobre a atual organização do trabalho e sobre a forma de resposta do sistema àqueles que dizem não. "Quem é criminoso hoje para esse sistema? É todo aquele que diz não para todos os tentáculos do capitalismo. Então se você diz não à corrupção, não à injustiça, não ao latifúndio, não a propriedade privada das grandes corporações, não a privatização, você está entrando naquele grupo de pessoas não gratas, daqueles que falam demais contra uma ordem que está passiva".
Para superar a fragmentação da sociedade e reorganizar a classe trabalhadora, Roberta aponta alguns caminhos: "Temos que destinar horas da nossa semana com o tempo de trabalho intelectual, recuperando instrumentos que já existem. Se nós tivermos as militâncias dos movimentos sociais completamente engajadas no enfrentamento contra o capital, conseguiremos vencê-los".
Leia abaixo a entrevista completa:
Jornal Sem Terra - Qual é a estratégia do capitalismo para incluir todas as pessoas?
Roberta Traspadini - Como incluir os 850 milhões de pessoas que passam fome no mundo? Ou os 2 bilhões de seres humanos que não tem água potável no mundo? Para que o capital consiga este feito é preciso ter uma outra rede, que não seja oficial, mas que organize mais lucro que o sistema formal.
O tráfico de drogas, por exemplo é, realmente, uma empresa organizada. Existem as crianças que embalam, as que cortam, as que armazenam e enviam. É como uma linha de montagem. Ela só não é formal no sentido de não estar legalizada juridicamente, mas na produção da mercadoria que gera o preço de mercado, ela tem a mesma lógica de criar mais valia através da exploração do trabalho do outro. É a mesma dinâmica que envolve o trabalho infantil em empresas como a de produtos esportivos Nike ou a rede de supermercados Walmart.
Não existem excluídos do sistema. A questão é saber como cada um está inserido nele. O sistema capitalista, ao longo da história, fragmentou, cooptou, matou os trabalhadores e trabalhadoras. É importante dizer que nós sofremos uma derrota na luta de classes porque a burguesia possui todos os instrumentos ideológicos de dominação. No século 21 o estado de direito, que nasce como estado burguês, encontra novos mecanismos de criminalizar aqueles que não querem fazer parte disso. Há aqueles que dizem não. Estes são tratados como criminosos.
JST - Como a prática de ações ilegais, como o tráfico de drogas, pessoas e armas estão inseridas neste atual processo de desenvolvimento do capitalismo?
RT - O tráfico de drogas é um mercado que movimenta 1 trilhão de dólares por ano, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas. Deste valor, 260 bilhões são arrecadados com a venda de cocaína em todo o mundo, cujo principal destino são os países desenvolvidos. Isso nos ajuda a perceber a estratégia que o capitalismo usou, ao longo da história de seu desenvolvimento: de utilizar a exclusão como fonte central de sua sobrevivência.
Este processo, ao gerar cada vez mais pessoas que ficam de fora, encontra mecanismos de as incluir em crimes hediondos contra a humanidade e a favor do capital. É importante perceber que estas práticas criminosas ficam na mão dos excluídos. Pessoas que são trabalhadoras de um crime organizado por grandes capitalistas mundiais. O tráfico, em suas mais variadas formas, está estabelecido de forma empresarial no mundo, por isso que gera todo este lucro. Não dá pra descasar esta questão da reprodução formal do capital nas bolsas de valores e na geração dessa informalidade que, do ponto de vista capitalista, está na mais completa normalidade.
Dentro da economia política se separa a classe trabalhadora que gera mais-valia daquela que não gera lucro, ou seja, o formal do informal. Mas, na verdade, o trabalhador tem sido explorado e expropriado ao longo desses últimos séculos. Com isso recuperamos o sentido da dinâmica de um sistema que já sabia quem iria deixar de fora pra incluir em outro lugar. De certa forma, ninguém está excluído.
JST -A maneira como o trabalho está organizado contribui para esta realidade?
RT - Na atual fase da economia política, é interessante analisarmos todos os dados fornecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Existem hoje no mundo cerca de 2 bilhões de trabalhadores e trabalhadoras. Metade deste número não consegue sequer repor suas próprias energias, ou seja, sobreviver. Por isso, necessitam encontrar outros mecanismos para garantir a sua sobrevivência, desde a venda do corpo até jornadas triplas de trabalho. Além disso, o mundo possui 200 milhões de desempregados. Nos próximos anos, se não fortalecermos a luta de classes no âmbito internacional, estaremos totalmente subordinados à ótica capitalista da informalidade que é, na verdade, formal. Hoje no mundo do trabalho, não é mais necessário contrato trabalhista. Desta forma, voltamos praticamente à era do trabalho escravo. É preciso reformular a economia política para saber o quanto a exclusão pode significar geração de lucro para o sistema formal, que é cada vez mais concentrado e centralizado no mundo em forma de grande redes.
JST - E como são tratados aquelas pessoas que dizem não à este sistema?
RT - Primeiro temos que entender o papel dos meios de comunicação na geração de estereótipos, como o do pobre bom, do malvado, do rico que ajuda, do rico que é arrogante. A mídia é uma verdadeira criadora de imagens. E é a partir dessa criação de imagens, que encontra nos outros aparatos ideológicos, um mecanismo para reproduzir esse ideário todo. Quem é criminoso hoje para esse sistema? É todo aquele que diz não para todos os tentáculos do capitalismo. Então se você diz não à corrupção, não à injustiça, não ao latifúndio, não à propriedade privada das grandes corporações, não à privatização, você está entrando naquele grupo de pessoas não gratas, daqueles que falam demais contra uma ordem que está passiva. O discurso da classe dominante é o discurso da paz em uma prática de guerra e quando o nosso discurso evidencia esta situação, eles entram com Estado de Direito. Como é que se pode instituir dano moral contra a propriedade em uma sociedade que não defende seus cidadãos e cidadãs?
A ética e a moral dominante apelam ao individualismo. O peso do fracasso e a leveza do sucesso são de responsabilidade do individuo.
Pregam a idéia mentirosa de, com força de vontade e otimismo, todos nós podemos alcançar tudo o que quisermos. Mas isso não é verdade. A condição de se ter uma vida digna não depende apenas do indivíduo, mas deste sistema que esta aí. Mas o capitalismo tem o discurso do individual. Isso acontece porque coletividade para o capitalismo é uma desgraça. Se nos juntamos e nos organizamos, daremos muito trabalho para esta realidade construída pelo capital.
Esta democracia que vivemos já não tem mais sentido porque responde apenas aos interesses da classe dominante. Os meio de comunicação, o sistema de ensino, a justiça, o executivo e o legislativo já estão nas mãos da burguesia. Eles vendem a pacificação de uma sociedade que está em guerra há séculos.
JST - Em uma sociedade tão fragmentada, quais seriam as estratégias para articular as pessoas em torno de um projeto coletivo?
RT - Acredito que teríamos que pensar pelo menos em três linhas. A primeira é a que diz respeito à articulação da sobrevivência. Como podemos gerar nossa própria fonte de alimentação, enquanto classe trabalhadora no mundo, na América Latina e no nosso país. Porque o primeiro grande problema é que você não pode articular e organizar uma classe trabalhadora que passa fome, que não tem o que comer. Por isso é preciso gerar pelo menos o básico que é a sobrevivência.
Durante muito tempo os socialistas fizeram as caixas de ajuda e cooperação dentro dos partidos. Se pagava uma cota proporcional ao trabalho que cada um desempenhava. Nós, enquanto classe trabalhadora, poderíamos retomar experiências que já aconteceram ao longo da história.
Um segundo elemento é a formação política. Vamos ter que destinar horas da nossa semana como o tempo de trabalho intelectual, recuperando instrumentos que já existem. Se nós tivermos as militâncias dos movimentos sociais completamente engajadas no enfrentamento contra o capital, conseguiremos vencer o capital.
Não temos que criar a roda. O desafio é articular os instrumentos que já existem em uma rede única, como o jornal Brasil de Fato, os periódicos de esquerda do México, da Venezuela. Isso é um elemento central. Podemos fazer redes de estudo do que está acontecendo no nosso país a partir dos jornais, montar os nossos suplementos latinos e mundiais. É preciso criar novas formas do processo de estudo da classe trabalhadora.
Por fim o terceiro elemento é organizar a sociedade alienada. Iniciar uma campanha séria, de esclarecimento cuidadoso. Deixando claro que não queremos enfrentar estas pessoas, mas sim o capital. Então demanda muito paciência e muito cuidado nosso. Nossa luta não é contra a população que não sabe o que está acontecendo, mas sim com o sistema que as aliena.
Quem é:
Roberta Traspadini é economista e doutoranda da Universidade Nacional do México (UNAM). Professora na Faculdade de Economia, de Vitoria, Espirito Santo.
https://www.alainet.org/fr/node/115742?language=en
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