Perigosamente disfarçados: exercícios militares dos EUA no Paraguai
- Opinión
A embaixada dos Estados Unidos, nos dez meses de gestão do presidente Fernando Lugo e desde o início de um importante processo no país, se converteu no principal e grande colaborador do governo no que se denominou a instauração da mudança.
Processo de mudança que inclui algumas contradições e que, principalmente, deve ser entendido a partir de dois olhares muito diferentes, que são os do setor do executivo e o olhar dos movimentos sociais, que, cada vez mais, se vem afastados desse processo, aspecto que não tocarei neste artigo, mas só como referência.
Em apenas dez meses, o processo do presidente Lugo recebeu 422 mil dólares de apoio direto da embaixada yankee. No marco desse apoio, se restituíram, depois de dois anos, os chamados Exercícios Militares, mas agora, sob o revestimento de Colaboração Diplomática, por meio de "funcionários" da embaixada dos EUA.
Desde dezembro de 2003, o Paraguai não voltou a assinar nenhum convênio de imunidade para a realização de exercícios militares com os EUA. Esses exercícios consistiam principalmente na suposta "Atenção Médica e Construção de Infraestrutura Social", denominados Medretes e Novos Horizontes, respectivamente.
Mas, diante da ausência de um convênio, a embaixada norte-americana, encabeçada agora por Liliana Ayalde encontrou uma forma melhor para continuar realizando esses exercícios – que não têm outra finalidade que estabelecer um berço no Conesul – por meio da cooperação técnica com as Forças Armadas, para que estas realizem os Medretes, mas com funcionários da embaixada, que seriam efetivos militares norte-americanos destacados na sede diplomática em caráter de civis.
A modificação da estratégia para a realização de Exercícios Militares Conjuntos, e com isso o monitoramento de movimentos sociais, deveu-se ao fato de que o ingresso de tropas estrangeiras se encontra submetida à aceitação do Senado da Nação, o que teria um caráter público, fato que geraria a reação dos movimentos sociais nacionais e regionais, além dos governos do Mercosul e, especialmente, do Itamarati, com quem o Paraguai se encontra atualmente em negociação sobre o Tratado de Itaipu.
Diante dessa situação, o governo aceitou que a embaixada colabora em missões de saúde com o exército nacional, com funcionários norte-americanos, "técnicos", que seriam efetivos militares afeitos ao serviço da embaixada, mas que, ao serem registrados como pessoal da embaixada, têm livre desenvolvimento no país, o que é ainda mais grave.
É assim que, desde novembro de 2008, vem sendo realizados os denominados Exercícios ou Plano Ñepohano, que significa, em castelhano, Cura ou Plano Atenção em Saúde, do qual participam o Exército Nacional, funcionários da embaixada ou militares, além de efetivos da Drug Enforcement Administration (DEA) com seus pares da Direção Nacional Antinarcóticos (Dinar). Esses últimos seriam destinados a realizar palestras contra as drogas, segundo indicam, mas, na verdade, o que realizam é um monitoramento e estudo dos líderes locais, assim como o estabelecimento das conexões destes com o narcotráfico, para criar cenários de repressão.
No dia 24 de novembro, realizou-se o denominado Plano Ñepohano 03 na cidade de San Antonio, próximo de Assunção, um lugar onde se expande o movimento suburbano, os denominados sem teto [1], chegando a 2.342 pessoas [2] nos dias do desenvolvimento do plano.
Mas esse plano da embaixada se estende a várias localidades do país, desenvolvendo-se jornadas
A segunda Operação Ñepohano 04 ocorreu ao sul da capital, no departamento de Itapúa, na localidade de Capitán Meza, próximo da fronteira com a Argentina. A operação foi realizada em fevereiro passado e, assim como em novembro, chegou a uma grande quantidade de pessoas. Todas essas pessoas foram assistidas com as famosas pastilhas "cura tudo", que foram já indicadas no Relatório da Missão de Observação no Paraguai, realizada em 2006 pela Campanha para a Desmilitarização das Américas, em que se denunciavam abortos espontâneos e as hemorragias em mulheres.
Esses exercícios militares, revestidos de cooperação diplomática, encontram-se intrincados em uma vasta rede que a nova embaixadora Liliana Ayalde estabeleceu com o governo nacional. Em menos de dez meses, visitou, em mais de três oportunidades, o ministro do Interior, Rafael Filizzola, encontrou-se com as principais autoridades nacionais e, como se fosse pouco, nem bem o chanceler nacional Héctor Lacognata havia chegado ao país provindo de Cuba, ela teve uma reunião com ele.
A agenda da reunião da diplomata com o chanceler nacional não foi divulgada, indicando que foi uma visita de cortesia, mesmo que muito sugestiva, depois das manifestações do governo sobre a implementação do modelo educativo e de saúde cubanos.
Esse fato gera a preocupação da embaixada norte-americana, que impulsionou a cooperação médica militar. Mesmo que com objetivos de infiltração nacional, também o fez com o fim de socavar a aproximação, nessas áreas, com os governos de Cuba e Venezuela, principalmente.
É assim que, diante do aumento do número de pessoas beneficiadas com a Operação Milagro, a embaixada realizou importantes doações a instituições oftalmológicas nacionais para a realização de cirurgias gratuitas.
Desde outubro de 2007, vem-se enfatizando o programa "Opérese en casa, con seguridad y responsabilidad" [3], em coordenação com a Sociedade Paraguaia de Oftalmologia, conseguindo que, com esse fato, essa sociedade se pronunciasse e realizasse uma campanha contra a Operação Milagro e contra os profissionais cubanos em geral.
Essa reproposta da estratégia de inserção no país é muito mais perigosa do que os Exercícios Militares tradicionais, devido a que passa despercebida ao monitoramento social, é apresentada como apoio ao novo governo e goza de simpatia da população.
Com essa estratégia, consegue-se o ingresso de pessoal militar ao território nacional, sem controle nenhum, mesmo que ele também não era aplicado com a permissão outorgada pelo Congresso nacional. O que se contava era com um controle soberano dele e com um monitoramento social que hoje desaparece.
O governo nacional deverá ter em conta esse fato, essa nova estratégia, que, dentre outros, deu um de seus primeiros resultados, que é a informação enviada pela DEA local ao seu escritório de Washington sobre o dirigente campesino Elvio Benítez, que é indicado como narcotraficante [4].
O governo de Fernando Lugo deverá reconfigurar sua aproximação à embaixadora Ayalde, que maneja muito habilmente as relações diplomáticas e as políticas sociais, vinculando-as às teorias de segurança norte-americanas, pois não devemos deixar passar por alto o seu currículo de diretora da United States Agency for International Development (USAID) na Bolívia e, antes de chegar ao Paraguai, seus cinco anos na Colômbia, dentro do marco da segurança democrática.
Mesmo que o presidente Lugo não pode se desprender da noite para o dia de seu relacionamento com os EUA, seria sim conveniente ir delimitando-o e não permitir a livre mobilidade de funcionários estrangeiros dentro do território, o que se torna perigoso para seu governo, tendo-se em conta a história de desestabilização e golpes suaves [5] que as sedes diplomáticas desse país trazem igualmente.
- Orlando Castillo Caballero é advogado de direitos humanos, antimilitarista e membro da Campanha para a Desmilitarização das Américas (Cada). (Tradução de Moisés Sbardelotto)
Notas:
1. Os sem teto são movimentos urbanos, suburbanos, de campesinos removidos de suas terras e que realizam ocupações. Um importante setor se encontra cooptado pelo Partido Colorado, e outro setor é afim ao governo.
2. Ver "Apoyo directo e inmediato de
3. Ver "Cirugías de cataratas sin costo recibe apoyo de Embajada estadounidense": http://spanish.paraguay.usembassy.gov/pe_121808.html
4. Ver "Senad registró a Elvio Benítez por un caso de Narcotráfico", ABC Color, 10-06-2009: http://www.abc.com.py/2009-06-10/articulos/529876/senad-registro-a-elvio-benitez-por-un-caso-de-narcotrafico
5. "Estados Unidos y su guerra de baja intensidad en América Latina. El caso argentino. Los golpes blandos". Stella Calloni, en Revista Zoom, Política y Sociedad en Foco. Más información: http://alainet.org
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