Conselho denuncia ameaças à democracia e aponta Estado de exceção
O CNDH cita ações de incentivo ao ódio e à intolerância, tentativas de reprimir mobilizações populares, militarização e desrespeito aos princípios constitucionais de presunção da inocência e ampla defesa.
- Opinión
Brasília – O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) decidiu em plenária que vai elaborar um relatório para denunciar inclusive fora do país as ameaças cada vez maiores ao Estado democrático de direito no Brasil. O CNDH cita ações de incentivo ao ódio e à intolerância, tentativas de reprimir mobilizações populares, militarização cada vez mais frequente e desrespeito aos princípios constitucionais de presunção da inocência e ampla defesa.
Em entrevista coletiva, a presidenta do órgão, Fabiana Severo, e o vice, Darci Frigo, destacaram que iniciativas contra representantes de direitos humanos e movimentos sociais têm tido impacto imediato na população mais pobre. O CNDH, que possui autonomia, pretende incluir neste documento, a ser apresentado nos próximos dias, todos os diagnósticos e alertas que fez sobre temas diversos desde o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Na avaliação dos conselheiros, o período representa retrocesso nos avanços obtidos nas últimas décadas em termos de direitos sociais.
Eles apresentaram como exemplo a emenda constitucional que congelou os gastos públicos, a "reforma" trabalhista, o projeto que fez com que crimes cometidos por militares contra civis sejam julgados pela Justiça Militar, o projeto de lei que tramita no Congresso e objetiva inibir manifestações de movimentos sociais e a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, entre vários outros.
Seletividade do Judiciário
Os conselheiros chamaram a atenção, também, para a morte da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, o atentado à caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região Sul e a prisão de Lula sem que tivesse sido respeitado o princípio constitucional da presunção da inocência. “Estamos vendo uma aplicação seletiva do direito penal, inclusive quanto à velocidade do processo, em detrimento das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção da inocência. O que só fortalece expressões que não prezam o Estado Democrático de Direito”, destacam, na nota. “Isso tudo leva a um ambiente de permissão de instrumentos de criminalização da livre atuação política e manifestação democrática”, acrescentam.
Segundo Fabiana Severo, outro ponto que tem chamado muito a atenção e preocupado o Conselho tem sido a forma como os debates estão sendo observados na sociedade, com um discurso de ódio que leva ao medo. “São ameaças feitas constantemente, numa tentativa de promover insegurança e inibir qualquer tipo de mobilização social”, ressaltou.
“Exemplo disso é a condição de uma pessoa detida pelo Exército atualmente, no Rio de Janeiro, sem que nenhum defensor público saiba para onde ela está sendo conduzida pelos militares”, acrescentou Darci Frigo.
“São quebras de paradigmas que atingem imediatamente as camadas mais pobres da população, a periferia. Mas que também atingem toda a população brasileira e nos levam a um contexto de Estado de exceção”, destacou.
Recorte social
No início de maio, os representantes do Conselho vão entregar o documento à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em Santo Domingo, na República Dominicana. Eles lembraram que o relator das Nações Unidas que viria em abril ao Brasil, para observar denúncias, teve a visita postergada pelo governo brasileiro.
“Todas estas questões têm um recorte racial, social e de gênero. Vivemos uma fase de ameaça às instituições democráticas, inclusive com investimentos vultosos voltados para um viés militarizado, em detrimento de ações de inclusão social para a população”, disse Frigo.
“Como explicar casos como o que aconteceu no último sábado em Curitiba, quando a Polícia Federal, que costuma evitar até mesmo dar tiros, decide jogar bombas de efeito moral sobre manifestantes que apoiavam o ex-presidente Lula?”, questionou o vice-presidente do CNDH.
Os dirigentes do conselho disseram que o órgão está especialmente preocupado a intolerância política, que leva ao aprofundamento do fascismo no país. “Nos chama a atenção o fato de altas autoridades não se manifestarem de forma contundente sobre esses ataques, como é o caso da presidenta do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia”, acrescentaram.
Na nota, eles reiteram sua posição de que “o direito penal do espetáculo, instigado pela mídia, valoriza de forma indevida o encarceramento e reflete o racismo e os preconceitos regionais e de classe existentes na sociedade brasileira, enfraquecendo as instituições democráticas, acirrando o cenário de polarização política e incentivando a disseminação do discurso do ódio e da intolerância”.
Confira abaixo a nota na íntegra.
Nota pública do CNDH em repúdio às reiteradas ameaças ao Estado Democrático de Direito
O Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH, órgão autônomo criado pela Lei no 12.986/64, vem a público manifestar seu repúdio às reiteradas ameaças ao Estado Democrático de Direito e sua extrema preocupação com o atual contexto de judicialização da política no Brasil.
A aplicação seletiva do direito penal, inclusive quanto à velocidade do processo, em detrimento das garantias do devido processo legal e da ampla defesa, bem como do respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, fortalece expressões que não prezam pelo Estado Democrático de Direito e pela defesa dos direitos humanos, e gera um ambiente de permissão à utilização de instrumentos de criminalização da livre atuação política e manifestação democrática.
O Estado Democrático de Direito pressupõe um ambiente de segurança jurídica e política para que o próprio povo não perca o poder nem direitos historicamente conquistados. Qualquer ameaça à democracia pode nos levar a regimes autoritários com graves retrocessos e violações de direitos humanos que, inicialmente, atingem os grupos sociais mais vulneráveis, mas, inevitavelmente, vão atingir a toda a população brasileira.
O direito penal do espetáculo, instigado pela mídia, valoriza de forma indevida o encarceramento e reflete o racismo e os preconceitos regional e de classe existentes na sociedade brasileira, enfraquecendo as instituições democráticas, acirrando o cenário de polarização política e incentivando a disseminação de discursos de ódio e de intolerância.
O CNDH reafirma o seu compromisso com a defesa dos princípios democráticos e do direito `a liberdade de atuação política e de manifestação, como pressupostos dos direitos humanos, garantidos pela Constituição Cidadã de 1988 e pelos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS - CNDH
13/04/2018
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