Colômbia na geopolítica regional (e contra a Venezuela)

A atitude da Colômbia contradiz as declarações da UNASUL e da CELAC, as quais comprometem os estados membros a manter a região como “zona de paz” e “livre de armas nucleares”.

27/02/2019
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
policia_militar.jpg
Foto: Dominique A. Pineiro
-A +A

Desde o começo do século XXI, a Colômbia manteve uma atitude inversa em relação aos estados da região. Enquanto a arquitetura internacional de integração buscava alcançar níveis mais elevados de autonomia frente aos Estados Unidos, Bogotá mostrava fidelidade e confiança na assistência econômica e militar, assim como condescendência de sua política hemisférica. As implicações no cenário geopolítico atual se expressam em uma liderança para suplantar os esquemas de integração criados e abonar o terreno para a intervenção na Venezuela.

 

Colômbia e os EUA

 

Grande parte do que significa a Colômbia na região latino-americana e caribenha se deve a sua política exterior, caracterizada por uma postura subordinada aos interesses dos planos hemisféricos dos Estados Unidos, priorizando assuntos militares e segurança em suas relações internacionais. Um dos ordenadores desta política, que mantém consequências visíveis na atualidade, tem sido o Plano Colômbia (renomeado Plano pela Paz da Colômbia [1] em 2016, no final do governo Obama), outro rótulo da “guerra contra as drogas” e o “terrorismo”. Análises sucessivas apontam que os objetivos reais eram destruir as organizações político-militares de esquerda e aprofundar os mecanismos de acumulação via extração de recursos de energia e mineração [2].

 

Através do Plano Colômbia, se articulou uma projeção continental que combina a militarização da sociedade, a “assistência para o desenvolvimento” e a criação de uma infraestrutura regional a serviço da extração de valiosos recursos naturais. Nesta linha, a Colômbia concatenou sua atitude hostil com as agendas da Estratégia de Segurança Nacional de 2002 [3], e outras como o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), o Plano Puebla-Panamá (PPP), Iniciativa Regional Andina (IRA) e a Iniciativa Mérida[4]. Do mesmo modo, tem se desenhado uma política de Defesa e Segurança Nacional conhecida como “Segurança Democrática”, cuja aplicação tem gerado situações de alta tensão tanto nas fronteiras com a Venezuela quanto Equador, devido a incursões militares em seus territórios, como na região que, através de um convênio de cooperação, põe à disposição dos EUA sete bases militares colombianas [5]. Esta trajetória é atualmente o cheque em branco para ser instrumento de operações no marco da crise com a Venezuela.

 

Enquanto a região sul-americana vivia um processo crescente de integração com independência em relação aos Estados Unidos, a Colômbia destoou, sendo aliás o único país com um conflito armado, um agressor com seus vizinhos e um articular permanente de iniciativas extraoficiais para as institucionalidade internacional emergente. Enquanto na UNASUL se avançou na perspectiva de articular as agendas políticas e de defesa, com as quais se reduziu o pan-americanismo sob a tutela da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Colômbia fortaleceu – por meio de ONGs e fundações – uma rede de outsiders políticos da ala direita que planejava reconfigurar o continente como área de influência de Washington.

 

Em maio de 2018, Juan Manuel Santos comunicou publicamente a aprovação, por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), da incorporação da Colômbia como sócio global [6], categoria compartilhada por outros estados como Afeganistão, Iraque, Coréia do Sul e Nova Zelândia. Sendo o único estado da região com o dito status, a atitude da Colômbia contradiz as declarações da UNASUL (2008) e da CELAC (2014) [7], as quais comprometem os estados membros a manter a região como “zona de paz” e “livre de armas nucleares”. A incorporação foi mostrada como uma conquista após sucessivos intercâmbios iniciados em 2013, quando o então ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón, apresentou o pedido. Entre eles, se destaca a participação da armada colombiana em exercícios conjuntos contra a pirataria no oceano índico, como parte da Operação Atalanta realizada no Golfo de Aden [8]. Embora no aspecto técnico a associação não implique ser membro pleno do Tratado, a troca de informações, a transferência de experiências, o treinamento de tropas e a incorporação de doutrinas de segurança global e cibersegurança implicam um papel hostil em um cenário de tensão na região.

 

As consequências da dita associação militar são evidenciadas no papel atribuído à Colômbia nos exercícios conjuntos recentes na região. Alguns exemplos são a participação no Red Flag 2018, exercício de treinamento de combate aéreo organizado pela Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) e coordenado pela OTAN; o AmazonLog 17 [9] realizado na tríplice fronteira amazônica do Brasil, Colômbia e Peru com as três forças em conjunto; e os UNITAS Pacific e UNITAS Amphib 18 [10], desenvolvidos no Caribe colombiano e no Rio de Janeiro, respectivamente. A ele se somam um conjunto de reuniões de ministros da Defesa e seus chefes das Forças Armadas, com a participação de membros do alto escalão do Comando do Sul dos EUA (USSOUTHCOM), como o almirante Kurt Tidd, agora sucedido por Sean Buck, o qual visita assiduamente a Colômbia.

 

Colômbia, Trump e Venezuela 

 

No contexto atual, a Colômbia é um dos estados que mais tem exercido pressões diplomáticas contra o governo de Nicolás Maduro, recorrendo à Organização dos Estados Americanos e até à Corte Penal Internacional. A escalada de sua linguagem conseguiu instalar nos meios massivos de comunicação a possibilidade de uma intervenção militar e enlaçar uma série de operações psicossociais.

 

O presidente, Iván Duque, tentou liderar a coalizão neoconservadora em meio à situação. Entre suas ações esteve a menção da necessidade de criar um mecanismo de cooperação regional que sepulte a UNASUL – organismo de cooperação do qual ele se retirou em agosto de 2018 [11] – que se tornará efetivo em fins do mês de fevereiro. O evidente até agora é que o PROSUL, como disse o presidente colombiano a respeito da proposta, se projeta como um fórum “não-ideológico” o qual fornece uma estrutura formal ao Grupo de Lima e que, com a flexibilidade burocrática que propõe, busca vincular agendas comerciais com sócios estratégicos como o Brasil, um ausente na Aliança do Pacífico que se encontra num estancamento econômico.

 

É pertinente mencionar, frente a este panorama, que no ano de 2004 a República Bolivariana da Venezuela reformulou suas bases de sua política de segurança e defesa, dotando-a de um caráter integral que vincula áreas económicas, sociais e culturais com a participação direta do povo em seu conjunto (algo similar ao que foi implantado no Vietnã durante a resistência ao colonialismo, ou em Cuba com a sistematização da doutrina do “povo em armas”). Esta política, baseada na Lei Orgânica de Segurança da Nação [12], promoveu a Doutrina Bolivariana de Defesa e Desenvolvimento Integral, que reconhecia quatro cenários de conflito: a) guerra de quarta geração [13] b) golpe de Estado c) conflito regional d) intervenção direta dos EUA.

 

Embora Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, tenha feito duas viagens pela América do Sul em busca de consenso para “terceirizar” a intervenção militar na Venezuela, o governo de Juan Manuel Santos se absteve do uso da opção de força e apostou em outras mediações, sem deixar de estabelecer uma posição contra o governo Maduro, que é chamado de “regime” como uma expressão pejorativa e que penetrou nos meios de comunicação até chegar à conotação de ditadura. Santos reconheceu tacitamente que o governo venezuelano era legítimo até 10 de janeiro de 2019, o que preocupou seu sucessor.

 

Ainda que a hipótese de intervenção militar por uma força estrangeira há anos ocupe diversas análises estratégicas e esteja contida no planejamento da Força Armada Nacional Bolivariana, as condições foram limitadas pelo ambiente amistoso entre suas fronteiras, com a exceção da Colômbia que, entretanto, não contava com uma margem de manobra para enfrentar um conflito interestatal sobre o conflito social e armado que mantinha culminante.

 

Apesar do apoio que a Colômbia recebe por parte dos Estados Unidos, cabe fazer a seguinte pergunta: Em um cenário de conflito interestatal, em que situação estão a Colômbia e a Venezuela? A nação que hoje governa Iván Duque tem acumulado uma experiência não desprezível na guerra contra-insurgente, modernizou seus meios e incorporou novas capacidades, a maioria para um tipo de guerra assimétrica que apresenta graves limitações ao comparar as vantagens de defesa com outros Estados da região. Também há de se mencionar que conquistou um acordo de paz com as FARC, sua principal ameaça interna, concluindo seu posterior desarmamento.

 

A Venezuela, em contrapartida, tem desenvolvido uma política de acordo com sua hipótese, tendo em vista uma eventual colisão com seu vizinho, diante do qual sua supremacia aérea pode ser um dos pontos a favor. O que foi dito até aqui apresenta apenas um cenário contingente que omite os alcances das alianças internacionais as quais, em uma segunda fase de confrontação, podem desencadear em uma guerra donde intervenham potências militares como Estados Unidos, Rússia e China, algo similar com o ocorrido recentemente na Síria.

 

No último dia 13 de fevereiro, Iván Duque viajou a Washington para reunir-se com Donald Trump. As ações de ambos os países para terminar com a crise na Venezuela foram parte da agenda; não obstante, o tema mais tratado foi “a luta contra as drogas” sobre a qual os EUA mantém uma pressão indeclinável contra a Colômbia. Independentemente da Colômbia ter instalado na opinião pública a possibilidade de uma intervenção militar, a ação em curso é uma campanha planejada em torno da “ajuda humanitária”. Esta operação influi fundamentalmente na esfera midiática, alcançando maior simpatia e facilitando a construção de uma imagem de acordo social sobre a “transição democrática” em um segmento da população. Portanto, esta ação psicossocial busca justificar outro tipo de medidas que, diante do esgotamento do “assédio diplomático” e do bloqueio financeiro, podem apontar uma manobra militar, seja direta ou indireta. A expressão que Duque usou na reunião bilateral com Trump foi: “Temos que mandar uma mensagem muito forte à ditadura” [14]. A seguinte batalha deste cenário se desenvolveu entre sexta 22 e sábado 23 de fevereiro, quando a USAID (acrônimo em inglês para Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) pretendeu introduzir uma caravana de “voluntários” para distribuir a “ajuda humanitária” na Venezuela.

 

Em nenhum dos momentos anteriores a possibilidade de intervenção da Colômbia era tão clara como agora. Atualmente, o governo colombiano conseguiu liberar a maioria de suas forças militares e de polícia (quase meio milhão de efetivos no total) e, embora retardando a implementação dos Acordos de Paz, conseguiu aprovar um aumento no orçamento de defesa e segurança para o exercício 2018, destinando uma parte para a compra de sistemas de defesa antiaérea [15]. O que implica em dispor de suas forças para uma possível incursão no país vizinho e preparar-se para defender-se em um teatro de operações pouco conhecido.

 

- Christian Arias Barona | Celag

 

Tradução de Leonardo Justino para a Revista Opera

 

[1] https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/2016/02/04/fact-sheet-peace-colombia-new-era-partnership-between-united-states-and

[2] ESTRADA ALVAREZ, Jairo (2010) Derechos del capital. Dispositivos de protección e incentivos a la acumulación en Colombia. Universidad Nacional de Colombia: Bogotá. p. 143. Disponible en http://www.espaciocritico.com/node/110#dnld

[3] https://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf

[4] https://mx.usembassy.gov/es/our-relationship-es/temas-bilaterales/iniciativa-merida/

[5] https://www.elespectador.com/noticias/politica/articulo169464-eeuu-y-colombia-firman-convenio-militar

[6] https://www.eltiempo.com/politica/gobierno/santos-habla-de-ingreso-de-colombia-a-la-ocde-y-anuncia-entrada-a-la-otan-222398

[7] http://www.granma.cu/file/sp/ii-cumbre-de-la-celac-la-habana-2014-10/cumbre-109.html

[8] https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_48815.htm?selectedLocale=en

[9] http://amazonlog.net/en/sobre-o-amazonlog-2017.html

[10] http://www.southcom.mil/Media/Special-Coverage/UNITAS-2018/

[11] https://www.cancilleria.gov.co/newsroom/news/colombia-oficializo-su-retiro-unasur

[12] https://www.resdal.org/Archivo/venezuela-ley-seguridad.htm

[13] La ilusión del metacontrol imperial del caos. http://beinstein.lahaine.org/b2-img/beinstein_militarismo.pdf

[14] https://www.cancilleria.gov.co/en/newsroom/news/queremos-trabajar-juntos-ponerle-fin-dictadura-afectando-pueblo-venezolano-presidente

[15] https://www.eltiempo.com/justicia/investigacion/colombia-debe-destinar-presupuesto-para-misiles-antiaereos-271532

 

fevereiro 26, 2019

http://revistaopera.com.br/2019/02/26/colombia-na-geopolitica-regional-e-contra-a-venezuela/

 

https://www.alainet.org/fr/node/198441?language=en
S'abonner à America Latina en Movimiento - RSS