Elas não nos representam!
02/10/2013
- Opinión
As mulheres são peças-chave na publicidade. Mas quais mulheres estão nas telas? Para quais brasileiras estão falando? O que a democratização da comunicação tem a ver com isso? Pesquisa do Instituto Patrícia Galvão revela insatisfação com a representatividade da mulher nos comerciais de TV.
Loiras, magras e ricas. Cabelos lisos e corpos magros. Experimente assistir aos canais de televisão brasileiros e observe as propagandas de shampoos, absorventes, televisores, cerveja, geladeiras, carros, imóveis, roupas, maquiagem ou torradeiras. Não importa o produto. As mulheres são peças-chave na publicidade e têm um grande poder de decisão na hora do consumo. Mas quais mulheres estão nas telas? Para quais brasileiras estão falando?
Uma pesquisa divulgada nesta semana pelo Instituto Patrícia Galvão mostra que a publicidade brasileira está longe de satisfazer o seu público alvo no quesito representação. Foi o que 56% dos entrevistados/as – homens e mulheres – afirmaram ao considerar que as propagandas da TV não mostram as brasileiras reais.
O levantamento "Representações das mulheres nas propagandas na TV", realizada pelo Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, mapeou o conflito entre o que os espectadores veem e o que gostariam de ver nas publicidades exibidas na televisão. A pesquisa foi realizada com base em 1.501 entrevistas com homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 10 e 18 de maio deste ano.
Para os/as entrevistados/as, nas propagandas de TV dominam as mulheres brancas, de classe alta, magras e loiras de cabelos lisos (veja dados abaixo). A pesquisa indica que nem de longe os anunciantes e publicitários têm dialogado com a diversidade da mulher brasileira, mas sim reforçado diariamente do padrão de beleza imposto pela indústria cultural.
Para 65% das/os entrevistadas/os, o padrão de beleza mostrado nas propagandas é distante da realidade da população, e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas por não conseguirem ter o corpo e a beleza das personagens mostradas nos comerciais.
Além disso, homens e mulheres consideram que o corpo da mulher é usado para promover a venda de produtos nas propagandas na TV e avaliam que os anúncios publicitários mostram a mulher como objeto sexual. E os publicitários e anunciantes que se cuidem: 70% dos entrevistados defendem a punição aos responsáveis por propagandas que mostram as mulheres de modo ofensivo.
A pesquisa mostra também que o mercado da publicidade não retrata a mulher negra: 80% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas e 51% gostariam de ver mais mulheres negras. “As pessoas querem se ver e a população negra não se vê na mídia, ou quando se vê é em situações que a coloca como uma pessoa sem poder”, diz a vice-diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Mara Vidal. Para ela, existe um racismo manifesto em relação à capacidade das negras e ao seu poder de compra. “E é isso que tem levado a ações de boicote a algumas marcas e produtos”, diz.
Miopia e mercado
Segundo a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa revela que a percepção das mulheres e homens entrevistados é de que a propaganda veicula modelos ultrapassados.
“A irrealidade da representação da mulher é percebida pela absoluta maioria e há uma clara expectativa de mudança. Aqui se revela um paradoxo: se pensarmos a partir da lógica de mercado, pode-se dizer que anunciantes e publicitários, em razão de uma visão arcaica do lugar da mulher na sociedade e de um padrão antigo de beleza, não estão falando com potenciais consumidoras”, aponta.
Para Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, as empresas perdem dinheiro com a representação distante da realidade, uma vez que as mulheres movimentam hoje, no Brasil, um mercado consumidor de R$ 1,1 trilhão por ano e determinam 85% do consumo das famílias, segundo dados do próprio instituto.
“Não estamos falando de um nicho consumidor, mas do principal mercado consumidor brasileiro. Então, há uma miopia do ponto de vista de oportunidades de negócios”, considerou.
Diversidade e defesa de direitos
Os programas de TV, jornais, novelas, seriados e filmes segue no mesmo caminho da publicidade. Por isso, a pesquisa, na opinião de militantes pelo direito à comunicação, reforça a luta pela democratização da comunicação no país.
“As mulheres não se vêem representadas na mídia em geral. Uma pesquisa realizada recentemente pela Fundação Perseu Abramomostra que a maioria considera que a TV retrata as mulheres com desrespeito, além de apontar que a população negra é menos retratada do que deveria”, destaca Rosane Bertotti, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Para ela, é preciso democratizar os meios de comunicação para possibilitar a visibilidade desses grupos, a diversidade e pluralidade de vozes na radiodifusão.
A campanha “Para Expressar a Liberdade!”, que tem como principal instrumento a Lei da Mídia Democrática, propõe a regulamentação dos setores de rádio e TV no país para a garantia da diversidade e pluralidade na programação, além de combater a discriminação.
A campanha tem o apoio do Instituto Patrícia Galvão e de entidades feministas como a Marcha Mundial das Mulheres, o Observatório da Mulher e a União Brasileira de Mulheres, entre outras.
“A democratização dos meios de comunicação é essencial não só para a sociedade como um todo, para a democracia do nosso país, mas para as questões específicas feministas, de como é usada a imagem da mulher na mídia, como são tratadas as nossas lutas da emancipação da mulher, de sua autonomia, da luta contra a violência contra a mulher, do aborto legal”, disse Mônica Miranda, da União Brasileira de Mulheres, na XVII Plenária do FNDC, em Brasília. Para ela, as mulheres não têm espaço para contraposição de ideias. “Isso mostra pra gente cada vez mais a importância da democratização da mídia”, terminou.
Veja alguns dos dados da pesquisa:
- 80% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas; e 51% gostariam de ver mais mulheres negras
- 83% veem as mulheres reais como sendo em sua maioria de classe popular, mas 73% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres de classe alta
- 73% veem mais loiras do que morenas nas propagandas na TV, mas 67% gostariam de ver mais morenas
- 83% veem mais mulheres com cabelos lisos nas propagandas na TV, mas maioria gostaria de ver mais mulheres com cabelos crespos/cacheados
- 87% veem mais mulheres magras nas propagandas na TV; 43% gostariam de ver mais mulheres gordas
- 78% veem mais mulheres jovens nas propagandas na TV, mas maioria gostaria de ver mais mulheres maduras
- Raquel de Lima, com informações da assessoria do Instituto Patrícia Galvão.
Fonte: FNDC
https://www.alainet.org/fr/node/79797
Del mismo autor
- Elas não nos representam! 02/10/2013
- FNDC: fortalecendo a luta pela democratização da comunicação 22/09/2013
- Le Mouvement des Sans terre entre dans la campagne pour la démocratisation des médias au Brésil 12/05/2013
- MST entra na campanha por democratização dos meios de comunicação 05/05/2013
- Projeto de Lei para a democratização da Comunicação 18/02/2013
- Para La Rue, a regulação dos meios de comunicação deve ser discutida com a sociedade 14/12/2012
- Diversidade e pluralidade por uma sociedade democrática 14/12/2012