“É lamentável ver que parte da esquerda festeja a prisão”

20/11/2013
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O processo de fragmentação das organizações da classe trabalhadora e a polarização política dentro dos setores progressistas nos últimos 10 anos têm aprofundado a perda da perspectiva sobre quem são os inimigos centrais das transformações sociais no nosso país.
 
É lamentável ver que parte da esquerda se regozija com a prisão de José Dirceu e José Genoíno. Assim como, tempos atrás, foi constrangedor observar militantes dos setores progressistas caírem na onda de repressão aos jovens que lançaram mão da tática Black Bloc.
 
Tanto os dirigentes que lideraram o processo de chegada do PT à Presidência da República como os jovens que optaram pela destruição de símbolos do capitalismo como forma de denúncia são exemplos de lutadores que lançaram mão de táticas limitadas, que tiveram efeitos colaterais perversos.
 
1 – Antecedentes
 
José Dirceu e José Genoíno, assim como Lula, moldaram as bases do PT para ganhar eleições e construir a caminhada para o Palácio do Planalto. Esse processo de edificação de uma máquina eleitoral começou de forma tímida nos anos 80.
 
Aprofundou-se no período seguinte, em paralelo à ofensiva do capital contra o movimento sindical, com a implementação das reformas neoliberais, como a flexibilização da legislação trabalhista.
 
A tática do “Lula lá”, ou seja, de ganhar a eleição presidencial a qualquer custo, ganhou força a cada derrota eleitoral e se tornou a prioridade para o PT. Assim, o partido passou a assimilar os procedimentos usados por outros partidos para vencer eleições.
 
Rebaixamento do programa, adoção de uma perspectiva de conciliação de classes, aproximação com setores da burguesia, contratação de marqueteiros, pasteurização dos programas de TV/rádio foram as faces visíveis. Por trás disso, estava a necessidade de recursos para bancar campanhas que pudessem ser vitoriosas.
 
Diante do modelo eleitoral em vigor, vencer campanhas no Brasil significa investir milhões e milhões na realização de atividades, propagandas e produção de materiais. Para isso, os partidos competitivos precisam fazer acordos com empresas privadas para obter recursos. É o financiamento privado de campanha.
 
Nessa trajetória, perdeu intensidade o trabalho político do PT nas bases, no movimento sindical em crise e nos movimentos populares em luta. Nascido para ter um pé na institucionalidade e outro no movimento social, o PT foi de cabeça na tática eleitoral. Além disso, foi abandonando a luta ideológica e abriu mão de construir instrumentos de comunicação para fazer a relação com a sociedade. Parece até que havia uma envergonhada ilusão de que seria possível disputar a sociedade por jornais, rádios e TVs controlados pela burguesia…
 
2 – Mensalão
 
Com a vitória na eleição de 2002, o PT fez um governo a imagem e semelhança do processo de consolidação como máquina eleitoral, construindo uma coalizão de forças com frações da burguesia e da classe trabalhadora. Assim, conseguiu dinamizar a economia com um crescimento de nível médio e melhorar as condições de vida da população com a valorização do salário mínimo e políticas sociais.
 
A questão é que essa política moderada contrariou frações da burguesia, assim como criou descontentamento em setores da esquerda, que não admitiram as contradições desse modelo de conciliação de classes.
 
Houve um deslocamento e reorganização das frações da burguesia nas esferas da política institucional como reflexo das medidas econômicas. Esse deslocamento representou perda de espaço político para o capital rentista, que dirigiu com mão de ferro a economia no governo FHC e tem utilizado como expressão de massa do seu descontentamento a classe média tradicional.
 
Nesse quadro, entraram com maior intensidade no jogo político os meios de comunicação de massa, que lideraram a oposição ideológica ao governo Lula, e amplos segmentos do Poder Judiciário, que passaram a “judicializar a política”, ocupar o papel do Congresso e enfrentar o governo federal.
 
Diante disso, as forças progressistas não tiveram condições de enfrentar a ofensiva político-ideológica dos setores conservadores. A tática de vencer eleições a qualquer preço, sem força social organizada nem instrumentos para a luta ideológica, não foi capaz de fazer frente à articulação dos grandes meios de comunicação e do Poder Judiciário em torno do caso do Mensalão.
 
Embora Dirceu seja o símbolo da tática do “Lula lá”, devendo ser criticado pelos efeitos negativos dessa opção política, a sua prisão representa a criminalização daqueles que ousaram deslocar as forças políticas tradicionais do governo federal e implementar um projeto que beneficiou a população mais pobre. Não podemos esquecer que perdemos Getúlio Vargas e João Goulart, dois presidentes nacionalistas, sob pressão das forças conservadoras.
 
A prisão dos dirigentes do PT, inequivocamente, interessa aos setores conservadores que lideraram, por meio dos grandes meios de comunicação e do Poder Judiciário, a oposição ao governo Lula.
 
O processo de transformação do mensalão no “maior caso de corrupção do país” busca apagar da história os crimes dos detentores do poder em 500 anos. Por isso, erram aqueles que comemoram as prisões, porque perdem a perspectiva de quem são os principais ganhadores desse round.
 
3 – Black Blocs
 
Também houve uma incompreensão de setores progressistas em relação aos verdadeiros inimigos das transformações sociais quando ganhou força a discussão sobre os adeptos da tática Black Bloc.
 
O sentimento de desconfiança com as organizações tradicionais e com a política institucional levou um segmento da juventude (uma parcela do “precariado”, de acordo com indícios levantados pelo professor Ruy Braga) a adotar como forma de protesto a tática de destruição de símbolos do capitalismo.
 
A adoção desse tipo de manifestação reflete, de fato, a incapacidade de partidos, sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais darem uma resposta organizativa aos anseios dessa juventude que quer ir pra rua e mudar a sociedade.
 
Esse desgaste das organizações tradicionais é consequência do refluxo da luta de massas dos últimos 20 anos, da incapacidade dos partidos de esquerda que chegaram aos governos de fazer as reformas estruturais e da ofensiva da direita para enfraquecer essas entidades, que tiraram espaços dos tucanos na política institucional.
 
Por outro lado, ainda não surgiram novas formas de organização que tenham a capacidade de canalizar os anseios da juventude para uma ação de luta que corresponda a um projeto político de reformas estruturais. Diante disso, jovens dos Black Blocs encontraram na depredação uma forma de manifestação política e denúncia do atual estado das coisas.
 
A população passou a apoiar os protestos por todo o país e condenar a violência policial depois da repressão no 13 de junho. Assim, colocou a repressão na defensiva. Em São Paulo, por exemplo, mudaram as condições concretas para a realização de manifestações, com maior margem para ocupar ruas e avenidas importantes com marchas.
 
No entanto, diante das ações de depredação dos Black Blocs descoladas dos protestos de massa, tivemos dois retrocessos: a queda do apoio da sociedade às manifestações de rua e legitimação da repressão pela Polícia Militar.
 
As ações de quebradeira abriram margem para os grandes meios de comunicação retomarem o processo de estigmatização da luta social e, assim, afastarem o apoio da sociedade a bandeiras necessárias e legitimarem a ação violenta da PM.
 
Uma ação de vanguarda, que pretende impactar a sociedade em relação a um tema, pode alcançar seus objetivos com uma radicalização maior. No entanto, perde efeito se não gera uma indignação generalizada e uma movimentação da sociedade para enfrentar a questão denunciada.
 
Foi o que aconteceu com as ações dos Black Blocs, que optaram pela tática equivocada ao insistir com as ações de depredação depois que as massas saíram das ruas.
 
O erro dessa tática está na incompreensão de que, apenas uma ação política organizada, que exponha claramente à população o que se pretende com cada ato, garantirá a massificação do movimento de luta e sustentará o apoio da sociedade.
 
No entanto, defender a criminalização desses jovens é colocar um torniquete no processo que levou a juventude às ruas e impedir o desenvolvimento de um novo ciclo que poderá contribuir para a organização de um segmento que não encontrou ainda canais para a participação política.
 
Os setores progressistas que fizeram coro com a mídia burguesa, defenderam o endurecimento da legislação e a repressão policial aos jovens mascarados não compreenderam que a opção deles é consequência da desigualdade social e da incapacidade organizativa e programática da esquerda.
 
A adoção de táticas limitadas faz da repressão aos Black Blocs e da prisão de Dirceu/Genoíno dois lados da mesma moeda. Sem mudanças no sistema político, não será possível ter uma ação revolucionária sem entrar no jogo ou sem ficar totalmente fora dele.
 
Enquanto os dirigentes petistas cumpriram um papel fundamental para melhorar as condições de vida dos mais pobres via a política institucional, os Black Blocs colocaram no horizonte dos jovens a participação política, a rebeldia e a luta anti-capitalista por meio da ação direta.
 
Assim, a tarefa dos setores progressistas na atual conjuntura é pressionar por uma profunda reforma política, fortalecendo o plebiscito popular dos movimentos sociais por uma Assembleia Constituinte Exclusiva para o Sistema Político, que possa envolver a juventude na democracia, ampliar a organização da sociedade, fortalecer as lutas sociais e criar canais para institucionalizar as reformas estruturais.
 
Especial para o Viomundo
 
https://www.alainet.org/fr/node/81001
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