Ortodoxia neoliberal prejudica Lula
02/03/2006
- Opinión
Divulgado na véspera do carnaval, o indicador oficial de que a economia brasileira cresceu apenas 2,3% em 2005 foi uma ducha de água na fria num reanimado presidente Lula. As pesquisas eleitorais já vinham confirmando um aumento da sua popularidade, decorrente da fadiga das denúncias de corrupção, da ação mais enérgica do governo e da própria cisão na oposição liberal-conservadora. A divulgação da medíocre evolução do PIB, porém, deve causar novos estragos na imagem do governo e a dar novo fôlego à direita revanchista. Na prática, a economia cresceu menos da metade dos 4,9% de 2004 e ficou bem abaixo das médias estimadas para a América Latina, de 4,3% - superando apenas o Haiti, a Jamaica e a Guiana.
Segundo relatos de bastidores da mídia, o presidente ficou muito irritado com o resultado do PIB e cobrou explicações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em duras conversas. Reclamou que o índice foi pior do que previra o próprio Banco Central em dezembro passado – de 2,6%. “Lula avalia que o crescimento baixo dará discurso à oposição numa hora em que ele recupera o cacife eleitoral nas pesquisas e vive boa fase com uma série de notícias positivas”, comentou o insalubre jornal Folha de S.Paulo. Ainda segundo a imprensa, o presidente se sente “traído” pela equipe econômica e exige uma queda mais rápida das taxas de juros. Também pretende destravar os investimentos públicos, com a redução do superávit primário.
Como diz o ditado, há males que vem para o bem! Há muito que a equipe econômica, parte dela composta por notórios tecnocratas que serviram ao governo FHC, promete o tal crescimento sustentado com a pura manutenção do receituário ortodoxo do passado. O resultado é o famoso “vôo de galinha” – com fugazes períodos de crescimento e trágicos períodos de retração. Não é para menos que Lula se diz traído. Como um neófito no assunto, ele comprou gato por lebre. Agora, o presidente parece despertar para o engodo e os malefícios causados pelo nefasto tripé neoliberal – política monetária restritiva de juros altos; política fiscal contracionista de elevados superávits; e política cambial de total libertinagem financeira.
Em março passado, Lula contava com uma queda mais brusca dos juros para destravar o crescimento do setor privado, mas ela novamente não ocorreu. Na ocasião, chegou até a cogitar uma retaliação no Banco Central, mas depois conteve sua bronca. Lula também não esconde mais sua irritação com a insistência da Fazenda em exceder as metas do superávit primário – em 2005, a economia do setor público para pagar os juros da dívida bateu o recorde de 4,8% do PIB, acima dos 4,25% fixados. Nos últimos tempos, Lula tem até usado termos duros ao se referir à equipe econômica, como “facada nas costas” e “a maior decepção”. Fontes bem informadas garantem que Antonio Palocci se enfraqueceu muito no Palácio do Planalto.
Pressão crescente
Diante do pífio crescimento do PIB em 2005, o coro contra a política macroeconômica da dupla Palocci-Meirelles só tende a aumentar – o que pode ajudar o “decepcionado” presidente Lula a alterar esse rumo, mesmo que de forma cautelosa. Vai se formando um impressionante consenso de que é preciso destravar o crescimento da economia brasileira, superando de vez a atual ortodoxia neoliberal. Ele reúne desde as várias centrais de trabalhadores até setores expressivos do empresariado produtivo. Além disso, ele conta com o aval dos partidos de sustentação do governo e até mesmo de lideranças do próprio núcleo do poder.
Para o vice-presidente José de Alencar, o segundo homem na hierarquia da República, a questão agora é eminentemente política. “O Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central, que regula os juros] é um órgão técnico. A decisão não é técnica, é política. Você pode delegar autoridade a um ministro e ao Copom, mas não lhes transfere a responsabilidade pelos resultados”. Já o presidente da Câmara Federal, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), o terceiro homem da República, faz críticas “ao fanatismo doutrinário de alguns” e afirma que “todos sabem que não há por que manter a taxa de juros neste patamar”. Para ele, “o medo termina criando entraves ao crescimento. A estabilidade não pode significar a morte da economia”.
Outro petardo partiu de Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais e homem de confiança do presidente. Em recente entrevista para duas pesquisadoras britânicas, ele afirmou que a atual política macroeconômica é conduzida por “pessoas com vínculos históricos com os círculos financeiros, com o aparato econômico de governos anteriores”. Informou, ainda, que o presidente “já esteve tentado a mudá-la em várias ocasiões”. E, de forma provocante, também instigou as forças políticas e sociais de esquerda, inclusive o seu partido, a aumentar a pressão por mudanças nesta orientação conservadora. “A única maneira de evitar que isto ocorra [o aumento do superávit primário] é através da pressão social”.
Como se observa, vão se criando as condições para as mudanças, mesmo que prudentes, na atual política de marca neoliberal. A proximidade do pleito presidencial inclusive ajuda a intensificar este debate. Não dá mais para manter uma política monetária que asfixia a produção e privilegia a especulação financeira através dos juros estratosféricos. Não dá mais para insistir numa política fiscal de superávits elevados que inibe os investimentos públicos apenas para garantir a segurança dos credores da dívida. É urgente repensar a política cambial, que desestimula as exportações e favorece as importações, todos a mercê do cassino financeiro. O governo precisa dar sinais evidentes e rápidos de que deseja alterar esse rumo. Do contrário, corre ainda o sério risco de presenciar a vingança maligna da direita neoliberal.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
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