Entrevista: Daniel Pascual Hernandez, da Guatemala

Indígenas, terra e território

09/03/2006
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Daniel Pascual Hernandez, do movimento indígena da Guatemala, alerta que a discussão sobre o conceito de território, soberano entre os povos indígenas, não deve ser visto como algo restrito a uma única cultura. Durante as atividades do Fórum Terra, Território e Dignidade, que se realiza nessa semana em Porto Alegre (RS), ele lançou aos movimentos camponeses o desafio de desenvolver uma nova relação entre brancos e índios, cheia de conflitos desde a colonização européia na América Latina. - Qual é a diferença entre os conceitos terra e território? Desde a cosmovisão dos povos indígenas e desde o ponto de vista espiritual, o ser humano faz parte de todo o mundo. O homem se relaciona com a água, com os bosques, com as pedras, o sul, a lua, as estrelas. Então, é pela cosmovisão maia que o ser humano vê que faz parte da natureza e que a natureza e a terra se relacionam com a Mãe Terra. Pelo que significada, precisamos respeitá-la e cuidá-la. Quando falamos de território falamos de uma determinada área geográfica, onde há um povo, uma comunidade, que vivem há dezenas ou centenas de anos dele. Porém, o território não tem um significado somente produtivo, está relacionado a aspectos políticos e administrativos dessa terra, cuidando da nossa biodiversidade e dos nossos recursos naturais, além do nosso solo. Dessa maneira, o conceito de território é mais do que um assunto de distribuição de terra, é mais abrangente do que uma reforma agrária que não contempla ou não prevê o respeito dos territórios, não somente dos povos indígenas, como os pescadores e os pastores. Então existe a reforma agrária que se concentra, somente, na distribuição de terra. No entanto, nossa luta é pela terra e também pelo território. A luta pela terra é a luta para ter acesso à terra pelos que não têm, que são os sem terra. A luta por defender o território significa proteger os povos ancestrais que vivem, convivem e cuidam dos recursos naturais existentes. A biodiversidade dos ecossistemas e dos recursos naturais como minérios e metais, como ouro, prata, etc, devem ser protegidos porque são parte dessa natureza. -Que benefícios essa nova visão mais global traz à sociedade? A questão do território, assim como a necessidade de cuidar da terra e da natureza também está como primeiro passo dentro do tema da soberania alimentar. Se é para que nós mesmos, o próprio povo, produza para consumir, não é com uma visão mercantilista de vender o produto que conseguiremos cumprir a prioridade de abastecer primeiro os povos de seu país original e, depois, poder produzir para os outros povos. Isso também significa uma economia digna e campesina, onde há um mercado, uma economia campesina que funciona a partir dessa produção, que não é baseada em moeda de compra que pode existir troca, como os nossos antepassados, e que agora se vê a possibilidade de vender produtos. Agora é uma nova situação, porém o território agora também possui outros elementos. Além disso, ainda tem a questão dos povos tradicionais, os quais se vêem ameaçados com esse sistema comercial da produção e com as novas estruturas de poder e de organização social, as quais ignoram a estrutura original dos povos indígenas. Nesse ponto, entra a questão da autodeterminação dos povos. - Como se encontram os povos indígenas, atualmente? A situação dos povos indígenas hoje é de muita pobreza, desemprego e fome. Não há serviços públicos, devido a esse modelo de um Estado neoliberal, que transformou o que antes era grande em pequeno, e que agora não tem condições de fornecer à população os serviços - o que tem muito ver com a grande acumulação de riquezas em poucas mãos. Há ainda as multinacionais e agências multilaterais, que vêm empobrecendo os nossos países. Por isso é que é muito importante esse tema da luta pela terra e pelo território. - Que desafios o povo da Guatemala tem para enfrentar? Primeiro a pobreza, que não deixa o povo se mobilizar a fim de mudar a situação. Relacionada com a pobreza está o acesso restrito à educação, falta de saúde. Então é uma situação de falta de oportunidades à população, de formas de chegar às mudanças buscando melhores condições de vida. Há também muita concentração de terras, o que impede o desenvolvimento da agricultura no país e que somente pode ser solucionado com a reforma agrária. Essas mudanças só serão obtidas através da organização do povo, que pode, inclusive, tomar o governo dos países. - Raquel Casiraghi/Minga Informática de Movimientos Sociales
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