Uma nação fragmentada: para onde vamos?

08/10/2006
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No domingo, dia 1º de outubro, mais de 105 milhões de cidadãs e cidadãos do Brasil (cerca de 84% dos(as) que tinham direito) foram às urnas escolher 513 membros da Câmara dos Deputados, 27 senadores(as) (1 por estado e pelo DF, perfazendo um terço do total de 81), todos(as) os(as) deputados(as) das 27 Assembléias Legislativas, todos(as) os(as) governadores e o presidente da República. Uma verdadeira festa cívica de exercício do poder soberano da cidadania, da ainda jovem, mas enorme democracia brasileira. Esse feito, por si só, ocorrido na mais absoluta normalidade, deve ser celebrado. Parece distante o período ditatorial, com grande limitação aos direitos civis e políticos. Às vezes esquecemos de ver o quão fundamental é esse rito da institucionalidade democrática. Sem dúvida, desta vez, o processo parecia não ser capaz de despertar a energia das eleições anteriores. A campanha foi chata na maior parte do tempo. Não dava para perceber – a mídia e os institutos de sondagem de opinião não ajudaram – o contraditório processo que a cidadania brasileira estava armando. Deu vitória a quem parecia inviável, derrotou verdadeiros chefões eleitorais e personalidades tidas como imbatíveis, adiou decisões para o segundo turno. Enfim, explodiu em surpresas. Na noite de domingo, enquanto eram totalizados os desejos da cidadania expressos em votos, sobraram emoções, compensando aquelas ausentes durante a campanha. Afinal, o que emerge das urnas? Que nação está sendo desenhada pela cidadania? Qual o sentido político do que aconteceu no primeiro turno? Como tudo isso vai ser digerido durante a campanha e vai se manifestar no segundo turno? Que governabilidade será possível arquitetar para o próximo período? São questões estimulantes, mas o grave é que vão além do mero interesse analítico, pois se trata de fazer opções e tomar decisões que forjam o amanhã da cidadania e da democracia no Brasil. Será que nossas elites – no sentido político-sociológico do termo, que abarca a todas e todos que pelos seus cargos têm função de dirigente, sejam eleitos ou não, como lideranças políticas, civis, intelectuais, de mídia, culturais, religiosas, empresariais, sindicais, de movimentos sociais – estão à altura de responder ao recado que vem das urnas, das ruas, da cidadania de múltiplas e diversas identidades e demandas? A importância do embate para presidente, no segundo turno, entre Lula, do PT, e Alckmin, do PSDB, não vai deixar ninguém indiferente, não tenho dúvidas. Quem sabe desta vez o confronto de propostas fique mais claro e emerja uma clara hegemonia política no sentido de direção e de projeto de país, democrático e sustentável, com um crescente lugar na região e no mundo. Na minha análise, porém, examinando os resultados do primeiro turno, que já definiu composição do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas, o tamanho de bancadas dos partidos e a maior parte dos governos estaduais, o mapa político que temos pela frente é extremamente complexo. A possibilidade de uma hegemonia no pleno sentido da palavra não vai se resolver pela vitória no segundo turno. Não concordo com a opinião dominante de um país dividido. Vejo mais um país fragmentado, bem mais diverso, complexo e contraditório que uma análise superficial de divisão dual pelos votos para Lula ou Alckmin no primeiro turno. Estamos mais para crise de hegemonia do que para a solução dela. Aliás, penso que a cidadania brasileira, pelo seu voto do último dia 1º de outubro, está propondo uma gigantesca tarefa de costura política, de concertação e de pacto pela governabilidade, que vai além do ganhar ou não e até de quem ganhar no segundo turno. Com isso, não estou dizendo que a eleição presidencial de 29 de outubro não seja importante e que não importa quem irá ganhar. As candidaturas de Lula e de Alckmin são diferentes em muitos aspectos fundamentais. Ambos são portadores de compromissos com políticas de inclusão social e busca de igualdade quase opostos, o que faz enorme diferença em termos de democracia substantiva, que é o objetivo estratégico a perseguir na minha escala de valores e de opções políticas. Estou, simplesmente, avaliando o quadro complexo para a governabilidade que temos pela frente. Como estabelecer alianças e compor blocos de forças que sustentem o governo com o Congresso fragmentado? Com a federação fragmentada? Com a crise da estrutura partidária, na qual líderes perderam capacidade de liderar, partidos pequenos enfrentam cláusula de barreira e a migração partidária poderá ser ainda mais acentuada? Como fazer reforma política em tal situação? Como criar uma agenda de interesse público, uma agenda política de compromissos com a democracia e o futuro, que se sobreponha a interesses privados e ao loteamento de cargos e favores? Estamos diante de uma potencial crise por falta de definição de hegemonia, que poderá se arrastar no próximo governo. Mas estamos, também, diante de uma enorme oportunidade de começar agora a construção das bases de uma nova onda de democratização, com uma nova agenda, que aponte para a reconstrução dos sujeitos sociais e de sua participação. Penso que a soberana cidadania, ao desenhar o complexo e diverso país com o voto, foi extremamente sábia para apontar o que quer e isso poderá ser bom para o nosso país. Seremos generosos(as), ousados(as) e compromissados(as) o suficiente para ir além dos meros espaços de poder e influência, ao que parece ter ficado amarrado o jogo eleitoral para algumas das principais forças e lideranças nesta hora? - Cândido Grzybowski
*Sociólogo, diretor do Ibase. Rio de Janeiro.
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