Alckmin e a conspiração do Opus Dei
09/10/2006
- Opinión
O presidenciável Geraldo Alckmin se encaixa perfeitamente nos planos políticos e eleitorais do Opus Dei na América Latina. Desde a sua chegada ao continente, nos anos 50, esta seita planeja ardilosamente a sua ascensão ao poder. O projeto só ganhou ímpeto com a onda de golpes militares na região a partir dos anos 60. Seguidores do Opus Dei presidiram ou assessoraram vários ditadores. Nos anos 90, com a avalanche neoliberal no continente, os tecnocratas fiéis a esta seita voltaram a gozar de prestígio. Agora, o Opus Dei torce e trabalha na “surdina” pela eleição de Geraldo Alckmin no segundo turno da sucessão presidencial.
A “catequese” na América Latina
Nos anos 50, a seita aliciou seus primeiros fiéis entre as velhas oligarquias que procuravam se diferenciar dos povos indígenas e pregavam o fundamentalismo religioso. Mas o Opus Dei só adquire pujança com a onda de golpes a partir dos anos 60. Até então, a sua ação ainda era dispersa. Segundo excelente artigo de Marina Amaral na revista Caros Amigos, “em 1970, Josemaría Escrivá viajou para o México dando início às ‘viagens de catequese’ pelas Américas que duraram até às vésperas de sua morte em Roma, em 1975”.
Em 1974, o fundador do Opus Dei visitou a América do Sul, então dominada por ditaduras militares. “O clero progressista tentava utilizar o peso da Igreja para denunciar torturas e assassinatos e para lutar pelo restabelecimento da democracia. Em suas palestras, ele respondeu certa vez a um militar que perguntara como seguir o caminho da ‘santificação espiritual’ do Opus Dei: ‘Os militares já têm metade do caminho espiritual feito’”, revela Marina Amaral. Neste período sombrio, a seita apoiou os golpes e participou de vários governos ditatoriais, segundo Emílio Corbiere, autor do livro “Opus Dei: El totalitarismo católico”.
No Chile, a seita fascista foi para o ditador Augusto Pinochet o que fora para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo deste regime sanguinário, Jaime Guzmá, era um membro ativo desta seita, assim como centenas de quadros civis e militares. Ela também apoiou os golpes militares e participou ativamente dos regimes autoritários na Argentina, Paraguai e Uruguai. Ainda segundo Corbiere, o Opus Dei financiou o regime do ditador nicaragüense Anastácio Somoza até sua derrota para os sandinistas. Na década de 90, ela ainda deu “ativa assistência” à ditadura terrorista e corrupta de Alberto Fujimori, no Peru.
O fundamentalismo neoliberal
Outra fase “próspera” do Opus Dei se dá com a ofensiva neoliberal na década de 90. Gozando da simpatia do papa e da total autonomia frente às igrejas locais, esta seita se beneficia da invasão das multinacionais espanholas, decorrente da privatização de estatais. Muitas delas são influenciadas por numerários do Opus Dei. Conforme relembra Henrique Magalhães, em artigo para a revista A Nova Democracia, “a Argentina entregou as suas estatais de telefonia, petróleo, aviação e energia à Telefônica, Repsol, Ibéria e Endesa, respectivamente. A Ibéria já havia engolido a LAN [aviação], do Chile, onde a geração de energia já era controlada pela Endesa. Os bancos espanhóis também chegaram ao continente neste processo”.
“O Opus Dei é para o modelo neoliberal o que foram os dominicanos e os franciscanos para as cruzadas e os jesuítas para a Reforma de Lutero”, compara José Steinsleger, colunista do mexicano La Jornada. Nos anos 90, a seita também emplacou vários bispos e cardeais na região. O mais famoso é Juan Cipriani, do Peru, amigo intimo do ditador Alberto Fujimori. Em 1997, quando da invasão da embaixada do Japão por militantes do Movimento Revolucionário Tupac Amaru, o bispo se valeu da condição de mediador e usou um aparelho de escuta no crucifixo, o que permitiu à polícia invadir a casa e matar todos seus ocupantes.
Os tentáculos no Brasil
No Brasil, o Opus Dei fincou a sua primeira raiz em 1957, na cidade de Marília, no interior paulista, com a fundação de dois centros. Em 1961, dada à importância da filial, a seita deslocou o numerário espanhol Xavier Ayala, segundo na hierarquia. “Doutor Xavier, como gostava de ser chamado, embora fosse padre, pisou em solo brasileiro com a missão de fortalecer a ala conservadora da Igreja. Às vésperas do Concílio Vaticano II, o clero progressista da América Latina clamava pelo retorno às origens revolucionárias do cristianismo e à ‘opção pelos pobres’, fundamentos da Teologia da Libertação”, explica Marina Amaral.
Ainda segundo seu relato, “aos poucos, o Opus Dei foi encontrando seus aliados na direita universitária... Entre os primeiros estavam dois jovens promissores: Ives Gandra Martins e Carlos Alberto Di Franco, o primeiro simpático ao monarquismo e candidato derrotado a deputado; o segundo, um secundarista do Colégio Rio Branco, dos rotarianos do Brasil. Ives começou a freqüentar as reuniões do Opus Dei em 1963; Di Franco ‘apitou’ (pediu para entrar) em 1965. Hoje, a organização diz ter no país pouco mais de três mil membros e cerca de quarenta centros, onde moram aproximadamente seiscentos numerários”.
Crescimento na ditadura
Durante a ditadura, a seita também concentrou sua atuação no meio jurídico, o que rende frutos até hoje. O promotor aposentado e ex-deputado Hélio Bicudo revela ter sido assediado duas vezes por juízes fiéis à organização. O expoente nesta fase foi José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do STF pelo ditador Garrastazu Médici em 1972, e tio do atual presidenciável. Até os anos 70, porém, o poder do Opus Dei era embrionário. Tinha quadros em posições importantes, mas sem atuação coordenada. Além disso, dividia com a Tradição, Família e Propriedade (TFP) as simpatias dos católicos de extrema direita.
Seu crescimento dependeu da benção dos generais golpistas e dos vínculos com poderosas empresas. Ives Gandra e Di Franco viraram os seus “embaixadores”, relacionando-se com donos da mídia, políticos de direita, bispos e empresários. É desta fase a construção da sua estrutura de fachada – Colégio Catamarã (SP), Casa do Moinho (Cotia) e Editora Quadrante. Ela também criou uma ONG para arrecadar fundos: OSUC (Obras Sociais, Universitárias e Culturais). Esta recebe até hoje doações do Itaú, Bradesco, GM e Citigroup. Confrontado com esta denúncia, Lizandro Carmona, da OSUC, implorou à jornalista Marina Amaral: “Pelo amor de Deus, não vá escrever que empresas como o Itaú doam dinheiro ao Opus Dei”.
Ofensiva recente na região
Na fase recente, o Opus Dei está excitado, com planos ousados para conquistar maior poder político na América Latina. Em abril de 2002, a seita participou ativamente do frustrado golpe contra o presidente Hugo Chávez, na Venezuela. Um dos seus seguidores, José Rodrigues Iturbe, foi nomeado ministro das Relações Exteriores do fugaz governo golpista. A embaixada da Espanha, governada na época pelo neo-franquista Partido Popular (PP), de José Maria Aznar – cuja esposa é do Opus Dei –, deu guarita aos seus fiéis. Outro golpista ligado à seita, Gustavo Cisneiros, é megaempresário das telecomunicações no país.
Em dezembro do ano passado, o Opus Dei assistiu a derrota do seu candidato, Joaquim Laví, ex-assessor do ditador Augusto Pinochet, à presidência do Chile. Já em maio deste ano, colheu uma nova derrota com a candidatura de Lourdes Flores, declarada numerária do partido Unidade Nacional. Em compensação, a seita comemorou a vitória do narco-terrorista Álvaro Uribe na Colômbia, que também dispôs de milhões de dólares do governo George Bush. Já no México, outro conhecido simpatizante do Opus Dei, Felipe Calderon, ex-executivo da Coca-Cola, venceu uma das eleições mais fraudulentas da história deste país.
Um perigo sorrateiro
Agora, como afirma o estudioso Henrique Magalhães, “as esperança do Opus Dei se voltam para Geraldo Alckmin, que hoje é um dos seus quadros políticos de maior destaque. A Obra tenta fazer dele presidente e formar um eixo geopolítico com os governantes da Colômbia e do México, aos quais está intimamente associada”. De maneira ardilosa, a seita usará todos os “recursos”. Prova do seu método pode ser visto na recente eleição do Senado no Rio de Janeiro, onde foi desencadeada brutal campanha contra a candidatura da comunista Jandira Feghali. Não por acaso, dois dos principais numerários do país atuam neste estado: o bispo de Nova Friburgo, Rafael Cifuentes, e o bispo-auxiliar dom Antônio Augusto Dias Duarte.
Apesar de ter mentido numa recente sabatina ao jornal Folha de S.Paulo, quando afirmou que “não sou da Opus Dei; respeito quem é, mas não conheço”, hoje são notórias as estreitas relações de Geraldo Alckmin com esta seita fascista – desde os tempos de infância, no convívio com seu pai e o tio-ministro do STF da ditadura, até as irregulares “palestras do Morumbi”. Na excelente reportagem da revista Caros Amigos, a jornalista Marina Amaral lembra o constrangimento do padre Vicente Ancona, numerário do Opus Dei que lhe atendeu: “Quando perguntei ao padre Vicente Ancona se Alckmin estava recebendo orientação espiritual e desistiu por causa da repercussão, a resposta foi curta e grossa; ‘Exato’”.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
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