Entrevista – Plínio de Arruda Sampaio

Lula tem uma possibilidade longínqua de topar um confronto com a direita; Alckmin, não

26/10/2006
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O ex-candidato a governador de SP pelo PSOL analisa quadro eleitoral e julga precipitada a posição de seu partido pelo voto nulo. “A esquerda tem de se reunir e fazer um programa compreensível pelo povo, para pressionar Lula a confrontar-se com a direita”.

São Paulo – Ele já foi chamado de “radical tranqüilo”, pela serenidade e objetividade com que expões suas idéias. Plínio de Arruda Sampaio, 76 anos, acaba de sair de um duro embate nessas eleições. Candidato ao governo de São Paulo, pelo PSOL, teve 532 mil votos. “Um resultado excepcional”, diz ele, que contou com uma estrutura precária e quase nenhum dinheiro.

“Tínhamos cerca de R$ 30 mil, o que faz de minha campanha a melhor relação dinheiro/voto: R$ 0,10 cada um, enquanto os marqueteiros orçam as campanhas em proporções até 100 vezes maiores”. Ex-exilado político, fundador do PT, ex-deputado federal, e especialista em reforma agrária e em plena atividade, Plínio deu a seguinte entrevista à Carta Maior.

Carta Maior – O que está em jogo nesta disputa eleitoral?

Plínio de Arruda Sampaio - Está em jogo completar ou não a nova estruturação da economia brasileira com vistas à globalização. A economia, nos últimos 15 anos, seguiu um longo caminho regressivo, mas ainda não chegamos a um estágio de subordinação neocolonial. O estado brasileiro ainda retém a energia, com a Petrobrás, os instrumentos de financiamento, com o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica, uma certa autonomia sindical importante e uma legislação trabalhista ainda em vigor. Avançar sobre isso é o desejo da direita mundial e de seus aliados internos, depois de tomar conta das empresas de energia elétrica e de mineração.

CM – Por que a entrega do país não se completou?

PAS - Porque a construção do projeto nacional no Brasil avançou mais do que a direita e a própria esquerda pensam. O projeto de país iniciado por Getúlio Vargas se desenvolveu enormemente na base produtiva e nas relações de produção. Temos uma classe operária que, com todos os ataques que sofreu, não cede fácil suas conquistas. Por que razão isso se deu? Porque temos uma economia extremamente complexa. Não é algo como a economia chilena, que você mexe no cobre e em outras variáveis, e você comanda tudo. Aqui não, é muito mais complicado. Na Argentina e mesmo na Itália, a entrega foi total. Aqui não.

CM – Como o senhor vê a realização deste segundo turno eleitoral?

PAS – Acho que se esgotou o debate centrado unicamente na ética e na moralidade. Até mesmo os marqueteiros perceberam ser necessário colocar algo de mais substantivo na disputa. Isso obrigou os candidatos, para não perderem votos, a falar de temas como as privatizações. Assim, o debate do segundo turno representa um avanço em relação ao do primeiro. Há um apelo popular nessa questão, que pega também o empresariado da Fiesp e a classe média. A privatização se traduziu em pedágios e aumentos de preços em vários setores. Por isso a questão é tão sensível num período eleitoral

CM – O sr. saiu do PT, partido que ajudou a fundar, e transferiu-se para o PSOL há cerca de um ano. Como foi esta passagem?

PAS - Quando saímos do PT pensávamos o seguinte: nós estamos na proa de um Titanic, afundando. Olhamos em volta em busca de algum bote de salvação. Como o PSOL nos ofereceu filiação democrática e legenda, fomos para lá. Eu estou decidido a contribuir para a formação de um novo partido de esquerda. Acho que há espaço. Existem as esquerdas e não a esquerda, incluindo setores ainda internos ao PT, que vêem seu espaço se reduzir. Agora, depois da campanha, não tenho certeza se essa jangada que conseguimos nos deixou em alto mar ou se paramos numa ilha deserta. Essa reorganização da esquerda ainda está em aberto.

CM – A executiva nacional do PSOL tomou uma posição, para o segundo turno, que causou um certo estremecimento interno, pelo caráter proibitivo da resolução aprovada. Qual sua opinião?

PAS – A posição da executiva nacional, que aprovou uma nota indicando “nem Lula e nem Alckmin” foi uma precipitação e um erro. Na prática se indica um voto nulo tout court. Externei minha crítica à Heloísa Helena. Mal acabaram as eleições, sem qualquer reunião que contasse com uma maior participação dos estados, onde vários companheiros passaram por experiências importantes, a direção aprovou uma proposta fechada. Se o jogo tem dois tempos e se você anuncia que sai no segundo tempo, você está fora do jogo.

CM – Qual foi sua sugestão?

PAS - Antes seria necessário fazer uma tentativa de mostrar ao povo a razão de um possível voto nulo, como eu propus. Seria verificar se Lula atenderia ou não a algumas reivindicações mínimas. Poderíamos, por exemplo, propor que ele atendesse a cinco questões muito objetivas. Um deles seria uma proposta sobre a questão da terra. Que ele, através de uma portaria determinasse a atualização dos índices de produtividade da terra. Eles são estratégicos para a realização da reforma agrária. Os índices em vigor são de 1970, reajustados em 1975. A produtividade média da agricultura mudou muito desde então e a alteração desses parâmetros abre caminho para a realização de mais desapropriações. Isso depende de um telefonema de Lula para os ministros da Agricultura e da Reforma Agrária. Os estudos para esta modificação foram concluídos em 2000. Se ele dá este passo, abre caminho para outras mudanças e justifica o voto. Se ele não dá, também justifica o porquê de não se votar nele, pois se uma coisa simples não se realiza, como acreditar em promessas mais complexas? Os outros pontos sugeridos à direção nacional eram impedir a licitação dos campos de petróleo pela Petrobrás e não aceitar mudanças na legislação trabalhista, sindical e previdenciária. Se ele fizesse isso, eu estaria com a camiseta do Lula. Mas a executiva não fez isso e cortou a conversa. Acabou, não há o que dizer. A direção do PSOL cometeu um erro político.

CM – Este segundo turno exibe uma polarização que há muito não se via. Os movimentos sociais, em sua maioria, apóiam a reeleição do presidente. Seu partido não se isolará nesse contexto?

PAS - Entendo e estou de acordo com o voto dos movimentos populares. Na base há uma diferença enorme entre o governo Lula e um governo Alckmin. Para quem lida com jagunço, há uma grande diferença entre os dois. Para o movimento social que luta por creches e outras melhorias, há diferença. Agora, lá em cima, no plano geral do país, não há diferença, porque ambos fazem movimentos destinados a reestruturar a economia brasileira para que ela cumpra seu papel no novo capitalismo globalizado. O drama é que não posso desconhecer que o povo tem razão. Mas também não posso desconhecer que se ele votar iludido, achando que o Lula representa mudança, a esquerda sai do horizonte político do país. Hoje podemos não ser entendidos ao dizer isso. Mas a realidade se impõe mais cedo ou mais tarde, se houver uma reversão de expectativas. O caso do (Raúl) Alfonsin é clássico. Em 1982, no auge da guerra das Malvinas, ele se colocou contra o conflito, em meio a uma onda nacionalista bélica. Não podia sair à rua. Quando a Argentina foi derrotada e ficou evidenciada a inconseqüência do ato, ele elegeu-se presidente da República.

CM - Há um componente nas pesquisas, que é novo, dos pobres em sua maioria votarem em Lula e os ricos em Alckmin. Isso é inédito no país?

PAS – Não, a eleição do Getúlio, em 1950, foi de rico contra pobre. Um negócio muito mais agressivo do que agora. Eu me lembro, pois participei da apuração. Havia tropas policiais em toda parte. Os fiscais do Getulio e os do brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, entraram quase em guerra. O que eu queria com os cinco pontos é que Lula desatasse um processo que o levaria a um confronto com a direita, como Getúlio.

CM – Qual sua expectativa para um segundo governo?

PAS - Acho que a esquerda agora tem de reunir-se e fazer um programa compreensível pelo povo, para pressionar Lula a confrontar-se com a direita. Se formos nesse fogo brando, solidifica-se uma situação ruim. Se não houver um aumento da temperatura política, com pressão popular, os quatro anos a mais do Lula podem solidificar o fim da era Vargas, como era o projeto de Fernando Henrique Cardoso. Lula tem uma possibilidade longínqua de topar um confronto com a direita e Alckmin não.

Fonte: Fonte: Carta Maior
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