Agua, principio de vida, nao mercadoria
01/11/2001
- Opinión
"A vida brotou das águas. Nosso Planeta tem 70% de sua
superfície cobertas por água. Desconhece-se qualquer forma
de vida que dispense a água. No poema bíblico da Criação
está escrito que "no princípio o Espírito de Deus pairava
sobre as águas". O próprio ser humano, feito de terra e
água, ao receber o sopro do Espírito de Deus "foi formado à
imagem e semelhança do seu Criador".
No seu primeiro Congresso realizado na Lapa (Ba) a Comissão
Pastoral da Terra, (CPT), assumiu profeticamente "a missão
de defender, junto com a terra, a água, como constitutiva
do ser humano, da vida como um todo e do meio ambiente.
Dádiva divina, não se pode aceitar que seja reduzida a uma
mercadoria e a um bem particular. Nenhum ser humano pode
arrogar a si o poder de retirar ou negar esse bem essencial
a qualquer semelhante ou a qualquer outro ser vivo."
Há uma questão chave no desafio que a água representa no
mundo contemporâneo. Nesta fase neoliberal da história,
onde tudo é transformado em "mercadoria", chegou a vez da
água ser desfigurada em objeto de mercado.
"Há que se pagar mais caro pelo bem mais raro", afirmam os
defensores desta teoria. Na verdade, o que está subjacente
a este conceito é, a subordinação de tudo à lei da oferta e
da procura, inclusive a água. Nesse sentido a água passaria
a ter "valor econômico". Teríamos que pagar não apenas os
serviços referentes a ela, mas a própria água, como um bem
em si.
Em apoio desta tese há pessoas, até bem intencionadas,
afirmando que os grandes consumidores de água - por
exemplo, os da irrigação, da indústria, etc - pagam apenas
pelo seu uso quando, na realidade, gastam livremente um bem
que é de todos, depredam os mananciais e não pagam o
produto. Portanto, seria uma medida de justiça que estes
usuários da água a pagassem.
Foi esta mesma "boa vontade" que orientou o atual Governo a
enviar ao Congresso, em regime de urgência, o Projeto de
Lei 4.147 que retira dos municípios a titularidade dos
serviços de saneamento básico, assegurada pela Constituição
Federal, e a transfere para os estados, de maneira a
facilitar a privatização em bloco deste serviço. Aqui
reside a perversa malícia de tripudiar sobre a
desinformação e enganação de todo o povo.
É mister, pois, denunciar, sem nenhuma vacilação, que a
privatização e mercantilização das águas no Brasil e no
mundo é uma exigência do FMI, e condição por ele imposta a
países pobres e subordinados, como o Brasil, para receberem
empréstimos. Esses países foram obrigados à privatização e
à mercantilização das águas, disfarçadas sob o eufemismo de
"condicionalidade cruzada". Ultrapassa os limites da
crueldade condicionar à privatização das águas os
empréstimos a países africanos e da América Central,
secularmente saqueados no seu rico potencial natural e
agora, por cima disso, lançados ao lixo da exclusão.
Os argumentos acima a favor da mercantilização da água são
sofismas. Água não pode ser reduzida a mercadoria, por ser
um é elemento essencial da vida.
Reduzida a mercadoria, só terá acesso à água quem tiver
poder de compra, quem não o tiver fica sem água.
Em face do desafio do futuro da água, foi levantada ainda a
sugestão de se garantir "o mínimo necessário" para todos,
sendo que a abundância, esta sim, seria regida pelas leis
do mercado. Chega de garantir o mínimo necessário em lei
para os pobres - que depois, nem como mínimo, vem a ser
realidade - e de colocar a abundância à disposição
unicamente de quem tem o poder de compra.
A água precisa, de fato, ser garantida em abundância para
todos. Alguns especialistas, percebendo os obstáculos que
uma cultura religiosa da água criaria para o mercado,
propõem que seja debelada a compreensão da água como
"dádiva divina". Ela é dádiva divina sim! A vida, que é um
dom de Deus, não subsiste sem a água. Reafirmamos, pois, a
sacralidade desta, a partir do princípio da destinação
universal dos bens, principalmente os da natureza,
particularmente a água.
Como CPT estamos fazendo o nosso possível e torcendo para
que as Igrejas, as pastorais sociais, os movimentos
populares e todas as pessoas e organizações dotadas de
espírito de justiça empreendam uma luta pra valer contra a
privatização e mercantilização das águas. Em muitos pontos
do país estão surgindo, felizmente, articulações populares
no enfrentamento da privatização dos serviços municipais de
água, contra a construção de novas barragens, na batalha do
semi-árido brasileiro por captação de água de chuva, o
heróico empenho dos ribeirinhos pela defesa de seus rios.
Essas lutas vieram para ficar.
Que a água seja, pois, considerada e assumida como
patrimônio da Humanidade! Defendamos, especificamente, que
ela seja um bem público, gerenciado pelo estado, e bem
garantido para todos. O seu gerenciamento tem que passar
por outros critérios que não sejam as leis do mercado. Se
esses critérios não existem, precisamos criá-los e logo.
*Presidente da Comissão Pastoral da Terra
** Coordenador Nacional da Comissão Pastoral da Terra
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