Plínio Sampaio: A insanidade neoliberal não pode continuar

10/12/2001
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A insanidade da globalização neoliberal não pode continuar O ex-Deputado Federal constituinte, Promotor Público, Consultor da FAO, Professor Universitário e ex-Secretário Agrário do PT, Plínio de Arruda Sampaio, acredita que os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos produziu um sentimento no povo americano e no mundo - que vai prevalecer, a longo prazo - de que os Estados Unidos não são invioláveis. E isso tem um efeito psicológico profundo. "Os Estados Unidos como potência cujo território sempre foi inviolável começa agora uma nova fase da sua história. Isso é prenhe de conseqüências", avalia. Para falar sobre esse novo cenário e os reflexos dessa conjuntura no Brasil, Plínio Sampaio deu a seguinte entrevista ao Jornal Sem Terra. JST - Que análise o senhor faz do mundo depois dos atentados nos EUA? O que mudou no mundo depois de 11 de setembro? Plínio - O dia 11 de setembro muda muita coisa. A curto prazo, a principal mudança fica por conta da histeria norte-americana. Há uma atitude muito mais rígida dos Estados Unidos nas relações internacionais. E eles vão pressionar os países para que dêem solidariedade à brutal agressão que estão fazendo ao Afeganistão. Além disso, o império vai exigir também, com rigor extremo, que os países subdesenvolvidos restrinjam as liberdades individuais e a ação dos movimentos populares. Isso cai no gosto da elite brasileira, que quer reprimir dissidentes. Então, a curto prazo, provavelmente vamos ter problemas. Agora, a longo prazo, o quadro é completamente outro. O que vai prevalecer é o sentimento de que os Estados Unidos não são invulneráveis. Isso vai ter um efeito psicológico profundo, seja no povo americano, seja nos povos dominados pelos Estados Unidos. O fato mais parecido com o ataque a Nova York e ao Pentágno é o ataque do visigodo Alarico a Roma em 414 depois de Cristo. Fazia quase mil anos que nenhum inimigo tinha tido condição de entrar em Roma. Alarico entrou e saqueou a cidade durante vários dias. Essa data marca a decadência do Império Romano e finalmente a sua extinção. Os Estados Unidos, como potência cujo território sempre foi inviolável começa agora a uma nova fase da sua história. Isso é prenhe de conseqüências. JST - Quais são as conseqüências que o Brasil sofrerá por causa dessa conjuntura internacional? Plínio - Sendo o Brasil um país dependente, toda mudança na área internacional repercute aqui. Não há ainda elementos suficientes para determinar o alcance dessa repercussão. No plano econômico, houve reflexo em alguns setores, como o turismo e o transporte aéreo. Mas até agora não se detectou um impacto maior em nossa economia. No plano político, também não se viu, até agora, nenhum efeito maior. É de se prever que haja um recrudescimento da repressão contra pessoas e movimentos que tenham uma posição crítica diante do bombardeio norte americano ao Afeganistão. Mas no longo prazo as perspectivas são melhores porque todo mundo está vendo que essa insanidade da globalização neoliberal não pode continuar. JST - Na avaliação do senhor, quais são as causas desses ataques terroristas aos Estados Unidos? Plínio - A causa disso é evidentemente o ressentimento que a dominação econômica dos Estados Unidos cria em todos os povos subdesenvolvidos e que se vêm economicamente, cultural e, muitas vezes, militarmente agredidos pela potência do norte. É só lembrar da Iugoslávia, do Iraque, da Somália, do Sudão e agora do Afeganistão. JST - E de que forma a nossa economia será afetada? Plínio - A economia brasileira é dependente da economia americana. A economia americana está em recessão. Então a economia brasileira está sentindo os efeitos dessa recessão. A economia brasileira, após a liberalização da economia e do Mercosul, atou-se à economia da Argentina, que vive uma crise brutal. A economia brasileira corre o risco de sucumbir também nessa crise. Nossa moeda está se desvalorizando rapidamente e isto é um mau sinal. Mas eu não acredito em nenhuma crise de porte a afetar direta e imediatamente o quadro político. A economia influi na política, porém quase sempre a longo prazo. Só influi diretamente e a curto prazo quando o descontrole é total. Aí, economia e política tornam-se uma coisa só. Não creio que seja o caso. Acho que a crise econômica continuará sangrando a nossa economia mas não chegará a ponto de determinar o processo político imediato. JST - O senhor acredita que haverá reação dos povos contra a guerra, contra a política norte-americana ou, de certa forma, essas reações já iniciadas tendem a diminuir e vamos aceitando esse cenário normalmente? Plínio - Tenho esperança de que possamos fazer alguma coisa para superar o garrote da globalização sobre os países subdesenvolvidos. Por exemplo, o Fórum Social Mundial poderá dar um forte impulso na resistência à dominação capitalista. Penso mesmo que os movimentos populares dos diversos países já estão maduros para lançar uma campanha mundial pela paz. Uma campanha desse tipo forneceria um desaguadouro natural para os protestos que estão se sucedendo um atrás do outro, mas que constituem ainda manifestações negativas. Creio que está na hora de lutar pelas alternativas. Já há acumulo de conhecimento e amadurecimento político suficientes para propor uma economia das necessidades que se contraponham à economia da lucro. JST - Então a mobilização mundial contra a guerra pode se transformar também num grande movimento de protesto contra o neoliberalismo? Plínio - Eu estou bem otimista. Estou muito animado com o processo de mobilização social no mundo. Inclusive aqui no Brasil. JST - Mas por outro lado há uma tendência de aumentar ainda mais repressão aos movimentos sociais, como já vinha acontecendo... Plínio - Acho que sim. As duas coisas vão acontecer simultaneamente. Vai haver uma mobilização popular pela paz, envolvendo setores da sociedade que hoje estão parados. Mas por outro lado, àqueles setores que já estão mobilizados e que tem uma direção política definida contra o capitalismo vão ser mais reprimidos. Porém, no caso do Brasil hoje há um aspecto muito positivo. A correlação de forças da sociedade brasileira impede a repressão total aos movimentos sociais e partidos políticos que se opõem ao capitalismo e à dominação burguesa. Isto abre um enorme campo - antes inexistente - para a ação cultural. Felizmente, o movimento popular mais importante e aguerrido - o MST - tomou consciência disso e realiza um trabalho de formação política da massa popular como nunca houve na história do Brasil. Este trabalho é tão importante quanto a pressão pela Reforma Agrária. Na verdade os dois são inseparáveis: sem ocupações, protestos, lutas, o trabalho de formação política se esvazia. Sem luta não há combustível para energizar a mística e sem mística não há conscientização. JST - Embora os grandes meios de comunicação estejam todos voltados para a guerra, o Brasil enfrenta uma grave crise econômica e social. Como conciliar a luta internacional contra o neoliberalismo e a luta na perspectiva de se construir um projeto popular para o Brasil? Plínio - O 11 de setembro veio apenas agravar o processo de re-colonização do país, que já estava em marcha. Em outras palavras, veio acelerar a rearticulação da economia brasileira aos centros do capitalismo mundial, na base da desindustrialização e da desnacionalização do que restar da nossa indústria. O processo de desenvolvimento de uma economia nacional, tendo como elemento dinâmico a produção industrial que vivemos entre os anos trinta e os anos oitenta do século XX encontra-se entravado. O Brasil não consegue superar as duas travas que o paralisam. Ou seja, a dependência externa e a extrema disparidade na distribuição das rendas. JST - E como resolver esse problema? Ou seja, como retomar o crescimento com geração de emprego, distribuição de renda etc.? Plínio - É preciso mudar o modelo econômico. O modelo atual, atrelado ao Consenso de Washington, não tem a menor condição de resolver os problemas acima referidos. Para resolvê-los, temos de montar uma economia que produza para o mercado interno e que aproveite os nossos recursos, sem depender do capital externo. Precisamos confiar nas nossas forças e deixar de depender eternamente das exportações, do capital estrangeiro e dos empréstimos de bancos internacionais. JST - Essas políticas neoliberais foram introduzidas em nossa economia, principalmente com o governo Collor? Plínio - Esse processo teve início em 1990 de um modo traumático e atabalhoado no governo Collor e adquiriu velocidade e coerência a partir de 1994 no governo FHC. Seu ritmo, nestes dez anos, tem sido a resultante das pressões externas, exercidas principalmente pelo FMI, e das pressões dos grupos internos. A partir de certo ponto, o processo começou a caminhar por inércia, ou seja, deixou de haver necessidade de mobilização e de intervenção direta do governo na reforma da legislação e na orientação dos órgãos do Estado para que a economia passasse a funcionar nos termos da lógica do novo modelo exportador. Atualmente o mercado se encarrega automaticamente da rearticulação subordinada da economia brasileira ao sistema internacional de mercado capitalista. JST - E no plano político, o que podemos esperar? Qual é o cenário político para o Brasil que o senhor está visualizando? Plínio - Mudanças na estrutura econômica criam novas relações de poder, de classe, novos processos sociais e tais transformações influem no plano político e cultural, mudando a fisionomia da sociedade. Logo, a sociedade brasileira já mudou e vai mudar mais ainda. A curto prazo, porém, a influência da situação econômica na política varia segundo a intensidade dos quadros de crise. Se esta for muito forte, como aconteceu, por exemplo, na hiperinflação alemã dos anos 1920, o efeito pode ser explosivo e mudar até mesmo o regime social; se contudo, não for tão forte, a crise pode ser administrada pelos governos, através de vários instrumentos de controle macroeconômico. Isto quer dizer que o quadro político atual se arrastará por alguns anos. O que poderia mudar seria uma atitude corajosa do PT, propondo uma alternativa real ao modelo neoliberal. Mas a maioria do partido parece inclinada a uma tática de contemporização, na espectativa de vencer as próximas eleições. Considero esta atitude uma grande ingenuidade. Primeiro, porque sua eficácia é duvidosa; segundo, porque, se ganhar o governo terá duas alternativas: ou um governo tipo De la Rua ou o destino do João Goulart. Precisamos aprender que ir para o governo não significa necessariamente ir para o poder. Se não conseguirmos uma massiva adesão da massa popular a uma política alternativa, de nada adiantará sentar no Palácio do Planalto. JST - E do ponto de vista popular. Como o senhor vê os movimentos populares neste contexto? Plínio - A situação é bastante complexa. Os sindicatos operários, que reúnem historicamente as melhores condições para liderar as lutas populares, passam pela pior crise de sua história. O mesmo se diga da Contag, que congrega os assalariados do campo. O desemprego atingiu profundamente todas as categorias e determinou o rebaixamento de suas reivindicações e de suas aspirações políticas. Os movimentos populares urbanos - sem teto, sem emprego, moradores de periferia - são heterogêneos e facilmente co-optáveis pelo sistema. A exceção é a Central de Movimentos Populares, cuja penetração nas camadas mais pobres da população é bastante reduzida. As pastorais das Igrejas realizam um trabalho de feitio mais cultural do que diretamente político e dispõem de um poder de denúncia importante em alguns momentos. Porém sua influência ainda é diminuta no conjunto da população. JST - E os movimentos do meio rural, a situação é a mesma? Plínio - Os movimentos do campo são mais aguerridos, embora não atinjam a maioria da população rural. Dentre eles, o de maior peso é inegavelmente o MST, que realiza dois tipos de ação: de um lado, uma ação de efeito imediato, consistente na pressão pela reforma agrária; de outro lado, uma ação de efeito mediato, consistente na politização da massa rural. Ambos denunciam o sistema e propõem o rompimento com o imperialismo e com o latifúndio. É o que pode e o que precisa ser feito na atual conjuntura.
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