Governo do Estado agora rouba sonhos

18/04/2007
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Todos os anos sou testemunha de uma mesma dor. Milhares de jovens com sonhos em pedaços, lágrimas nos olhos e aquela insuportável sensação de incompetência. É a cena do dia do resultado do vestibular. Na Universidade Federal de Santa Catarina, onde trabalho, entram apenas três mil, 40 mil ficam de fora. E neste país continente, de 180 milhões de almas, quantos mais ficarão? Vejo-os sair desolados, cabeças baixas, perdidos das ilusões. Alguns deles, por sua condição familiar, ainda conseguem pagar uma universidade privada. Mas a maioria não tem essa chance. Quando os vejo assim, derrotados, reafirmo o que sempre sei: o vestibular é uma excrescência social. Mais uma das formas de dominação.

A educação superior deveria ser um direito, estendido a cada criatura viva que quisesse seguir seus estudos. Mas, não há vagas públicas para todos, e o sistema cria um funil. Neste funil passam as vidas. Boa parte delas ainda precisa de um reforço antes do concurso porque, afinal, o ensino médio pouco ensina. Então, no caminho da insanidade do vestibular, florescem outras excrescências sociais: os cursinhos de pré-vestibular. Mas, é claro, eles tampouco são para todos, visto que as mensalidades mais baratas são de 200 reais. Os filhos da pobreza estão, de cara, excluídos. Sem ensino fundamental e médio de qualidade, e sem chance de fazer um reforço pré-concurso, eles participam do funil humano/educacional com apenas a força férrea do querer. A maioria não alcança o índice da vaga. Levam vantagem os filhos da burguesia ou da elite, melhor preparados.

Entre o desespero da realidade excludente e a insanidade do sistema, algumas pessoas decidem fazer o que lhes parece certo: ajudar a preparar os filhos da pobreza para o funil. Sabem que a educação é um direito, lutam por mudanças, por vagas públicas, mas não suportam ver aqueles olhos tristes e almas em pedaços nos dias de vestibular. Então, numa desesperada tentativa de ajudar, criam alternativas para preparar os que não podem pagar por um cursinho particular. Assim está sendo feito no bairro Campeche, onde um grupo de pessoas decidiu criar um cursinho popular. A experiência deu tão certo que o trabalho foi estendido para os bairros do Estreito, Capoeiras e Centro. Os quatro núcleos têm hoje 600 jovens inscritos, sonhando com a vaga numa universidade pública. No projeto, atuam voluntários e alunos-bolsistas, gurizada da universidade que, por 200 reais de ajuda de custo, se desdobra entre os bairros, sofrendo com o transporte coletivo desarticulado.

Pois agora, por obra e graça do novo secretário de educação de Santa Catarina, Paulo Bauer, estes jovens poderão ter suas almas destroçadas outra vez. É que a secretaria, que bancava as bolsas dos professores/alunos decidiu não pagar. Toda a rapaziada que deveria oferecer as aulas de reforço para o vestibular não vai mais receber os 200 reais que ajudava na condução e no lanche. A Udesc, que fazia parte do projeto, caiu fora. Apenas a Eletrosul mantém o apoio que se concretiza em material de aula. Na coordenação do cursinho, o clima é de desolação. Por conta de uns míseros trocados 600 almas juvenis podem ter de desistir de seus sonhos. A tristeza cobre os olhos de professores e alunos, mas o espírito está cheio de indignação.

Em uma reunião no último sábado, os educadores decidiram que não vão entregar as vidas dos alunos assim tão fácil. Vão lutar. Sabem que este secretário que aí está, um sujeito capaz de não empossar diretores democraticamente eleitos, não vai se sensibilizar com lágrimas ou sentimentalismo barato. O jogo vai ser duro. Mas ninguém vai desistir. O governo do estado de Santa Catarina vai ter de dar uma resposta aos filhos da pobreza. Já não dá as condições de ensino de qualidade, agora lhes rouba mais uma chance. Paulo Bauer troca sonhos de jovens por 30 dinheiros. Mas, tal qual na história antiga dos cristãos, isso não mata o desejo de transformação. A luta vai se fazer, renhida! Ele pode esperar...

- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina.
http://www.ola.cse.ufsc.br
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