Descer da cruz os pobres
08/07/2007
- Opinión
Está na hora de se comentar, sob diversos ângulos, o documento redigido pelos bispos latino-americanos como conclusão de seu encontro em Aparecida, na segunda parte do mês de maio pp. Vai aqui uma breve contribuição nesse sentido.
1. O tema central do documento é excelente, vai direto ao núcleo central do cristianismo: o seguimento de Jesus. Mas quando se começa a ler o texto, vem logo a decepção. Não se explica concretamente como se segue a Jesus. Pela recepção dos sacramentos? Pela assistência regular à missa? Pela participação aos movimentos de entusiasmo católico? Nesse sentido, o livro recentemente publicado pelas Edições Paulinas sob o título ‘Descer da cruz os pobres’ supera de longe o documento de Aparecida, pois explica em palavras claras o que significa, concretamente, seguir a Jesus hoje na América Latina. Esse livro constitui, afinal de contas, o melhor ‘documento de Aparecida’. Num continente estigmatizado por uma separação tão escandalosa entre pobres e ricos, o seguimento de Jesus só pode significar ‘descer da cruz os pobres’. Como escreve Jon Sobrino; ‘Na América latina, fora dos pobres não há salvação’. Nos diversos capítulos do livro citado passa um sopro e um vigor que falta no documento oficial de Aparecida. Não se sente, no documento de Aparecida, o poderoso sopro dos primeiros documentos cristãos, especialmente das cartas de São Paulo. Permanece um texto frio.
2. Mas é preciso considerar as condições concretas em que o documento de Aparecida foi redigido. Ficou claro que o papa pretendia teleguiar o andamento da conferência dos bispos. Já em março, ele quis afastar os temas abordados pela teologia da libertação das discussões; em seguida, ele pronunciou, no dia 13 de maio, diante dos bispos latino-americanos reunidos, um discurso planejado para influenciar os debates e finalmente deixou em Aparecida alguns homens de sua confiança (os cardeais Re e Lopez Trujillo, entre outros). Pode-se compreender, nessas condições, as dificuldades que os bispos latino-americanos encontraram para dizer o que queriam. O texto foi mexido e remexido num longo e cansativo vai-e-vem entre as comissões de redação e a assembléia. O resultado foi um modesto distanciamento dos bispos latino-americanos das posições romanas, sem grandes gritos de vitória.
3. Trata-se, afinal, de um problema político que de longe supera as questões internas da igreja católica. A América Latina não conseguiu, até hoje, superar sua condição colonial. Continua sendo explorada pelas potências do Primeiro Mundo e é dentro dessas circunstâncias que o documento de Aparecida merece ser avaliada. Os pontos que demonstraram o posicionamento dos bispos latino-americanos podem parecer modestos, mas eles existem. Em primeiro lugar, o método ‘ver-julgar-agir’, usada nas conferências episcopais da América latina desde 1955, ficou preservado, apesar dos ataques. Em segundo lugar, temas como a ecologia (Amazônia), os povos indígenas, as comunidades de base, a teologia da libertação, apareceram, mesmo que sem realce e como nas entrelinhas. O texto de Aparecida demonstra que existe na América Latina um tímido pensamento político que, mesmo assim, ousa distanciar-se do pensamento primeiro-mundista dominante. Eis um avanço que merece ser assinalado.
- Eduardo Hoornaert es Teólogo e historiador.
1. O tema central do documento é excelente, vai direto ao núcleo central do cristianismo: o seguimento de Jesus. Mas quando se começa a ler o texto, vem logo a decepção. Não se explica concretamente como se segue a Jesus. Pela recepção dos sacramentos? Pela assistência regular à missa? Pela participação aos movimentos de entusiasmo católico? Nesse sentido, o livro recentemente publicado pelas Edições Paulinas sob o título ‘Descer da cruz os pobres’ supera de longe o documento de Aparecida, pois explica em palavras claras o que significa, concretamente, seguir a Jesus hoje na América Latina. Esse livro constitui, afinal de contas, o melhor ‘documento de Aparecida’. Num continente estigmatizado por uma separação tão escandalosa entre pobres e ricos, o seguimento de Jesus só pode significar ‘descer da cruz os pobres’. Como escreve Jon Sobrino; ‘Na América latina, fora dos pobres não há salvação’. Nos diversos capítulos do livro citado passa um sopro e um vigor que falta no documento oficial de Aparecida. Não se sente, no documento de Aparecida, o poderoso sopro dos primeiros documentos cristãos, especialmente das cartas de São Paulo. Permanece um texto frio.
2. Mas é preciso considerar as condições concretas em que o documento de Aparecida foi redigido. Ficou claro que o papa pretendia teleguiar o andamento da conferência dos bispos. Já em março, ele quis afastar os temas abordados pela teologia da libertação das discussões; em seguida, ele pronunciou, no dia 13 de maio, diante dos bispos latino-americanos reunidos, um discurso planejado para influenciar os debates e finalmente deixou em Aparecida alguns homens de sua confiança (os cardeais Re e Lopez Trujillo, entre outros). Pode-se compreender, nessas condições, as dificuldades que os bispos latino-americanos encontraram para dizer o que queriam. O texto foi mexido e remexido num longo e cansativo vai-e-vem entre as comissões de redação e a assembléia. O resultado foi um modesto distanciamento dos bispos latino-americanos das posições romanas, sem grandes gritos de vitória.
3. Trata-se, afinal, de um problema político que de longe supera as questões internas da igreja católica. A América Latina não conseguiu, até hoje, superar sua condição colonial. Continua sendo explorada pelas potências do Primeiro Mundo e é dentro dessas circunstâncias que o documento de Aparecida merece ser avaliada. Os pontos que demonstraram o posicionamento dos bispos latino-americanos podem parecer modestos, mas eles existem. Em primeiro lugar, o método ‘ver-julgar-agir’, usada nas conferências episcopais da América latina desde 1955, ficou preservado, apesar dos ataques. Em segundo lugar, temas como a ecologia (Amazônia), os povos indígenas, as comunidades de base, a teologia da libertação, apareceram, mesmo que sem realce e como nas entrelinhas. O texto de Aparecida demonstra que existe na América Latina um tímido pensamento político que, mesmo assim, ousa distanciar-se do pensamento primeiro-mundista dominante. Eis um avanço que merece ser assinalado.
- Eduardo Hoornaert es Teólogo e historiador.
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