Pobre ao molho de alcaparras

23/10/2007
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Só mesmo bêbado, alcoólatra e hipocondríaco para agüentar com humor, mesmo que negro e mórbido, as últimas notícias de nossa imprensa, que é cada vez mais folhetim sensacionalista e direitoso que veículo capaz de dar notícias e informar. No trófeu besteirol da década a “revista”? Época (será que Época e Veja são realmente revistas ou alguma espécie de exercício de alucinação mental de nível avançado?), na qual estava o intelectual e filósofo da humanidade, Luciano Hulck, com a boca vendada, com a seguinte pergunta, “ele merece”? Acontece que este grande intelectual da humanidade, inventor de programas geniais como o H positivo e o Caldeirão dos imbecis, virou centro de um grande debate político-filosófico quando seus rolex foram roubados em São Paulo. De maneira prestimosa o venerando intelectual, em lugar de dar queixa na delegacia mais próxima vociferou nos jornais contra a falta de segurança do governo Lula... Só faltou dizer que a culpa era daquele sapo barbudo, nordestino e analfabeto. O grande problema é que a segurança pública em São Paulo é responsabilidade do governador, que por acaso se chama José Serra e o boletim de ocorrência sequer foi registrado porque o ilustríssimo intelectual, candidato ao prêmio nobel da canastrice preferiu fazer propaganda no estilo “cansei”, dizendo que seus fãs iriam chorar se alguém com tão profunda contribuição artística por acaso levasse um tiro na cabeça. Teve até gente que torceu para isto e disse que ele merecia. Eu não chego a tanto, uma vida humana é sempre uma vida humana, por mais tolo que seja seu portador, mas que a repercussão estupenda deste fato nos nossos jornais nos leva a pensar em quão imbecil é nossa imprensa, isto nos leva. A notícia não acontece mais, agora ela é fabricada, as coisas não são medidas por sua importância, mas pela importância que a própria mídia lhe dá. Neste caso é como diz o velho ditado, a montanha pariu um rato, no caso, um rato bem idiota.

Na tal entrevista o nosso genial filósofo cansado Luciano Hulck disse que a solução seria chamar o capitão Nascimento. Sem entrar na polêmica se o filme deve ser visto ao pé-da-letra, como uma mensagem fascista de extermínio, ou como uma obra de crítica à realidade, a verdade é que tem gente transformando oniricamente Capitão Nascimento no Rambo da Zona Sul e delirando com extermínio em massa como a solução dos problemas da violência... afinal, matar pobre não é violência, violência é só quando a bala acha o peito branco de quem não mora na favela. Negro, nordestino, pobre, morador de favela, quando morre, é só um número.

Deu em O Globo, tiroteio em favelas incomoda vizinhos ao morro... Não incomoda quem mora no morro não, né? Já tá acostumado... Quem mora no morro não é gente, é número. O tiroteio nas favelas não é notícia por conta dos moradores da favela. Que eles não durmam, que eles corram das balas, que eles morram... E daí? Não existe para a imprensa esta gente. Agora, o barulho dos tiros atrapalhando a vizinhança rica, ah, isto é notícia. Sugiro que o governo subsidie silenciadores para fuzis e metralhadoras e só libere a guerra do tráfico com armas dentro das especificações de ruídos permitidas pela prefeitura, para que o tiroteio nas favelas não incomode as noites da Vieira Souto.

Arrematando a idéia de guerra de extermínio, o secretário Beltami diz que dar tiro na Zona Sul é uma coisa, na favela da Coréia é outra. O governador Sérgio Cabral passa a defender o aborto como forma de diminuir a violência, afinal, os pobres tem muito mais filhos do que as pessoas da classe média (só faltou dizer do que as pessoas de bem...), ainda que não leve em consideração uma pesquisa, que saiu no mesmo dia, que diz quem é que alimenta o tráfico: 66% dos consumidores de cocaína ganham mais do que 6 mil reais mensais, se levasse em conta, talvez considerasse que a maneira de acabar com a violência é a prática do aborto como uma maneira de acabar com traficantes e viciados... em suma, aborto como infanticídio e controle de natalidade (algo que as feministas defensoras do aborto condenam). Prática, a do controle da pobreza pela eliminção das crianças pobres, que foi tentada, sem sucesso, pelos americanos durante as décadas de 60 e 70, quando bombardeavam e fulminavam com DDD campos na América Latina porque diziam que era mais fácil “acabar com os guerrilheiros nas barrigas das mães”... Qualquer coincidância não é mera similhença...

Do jeito que anda a propaganda de acabar com a violência acabando com os pobres e “diminuir os índices de violência” praticando o genocídio, vamos ter que voltar a pensar naquela receita que um arguto reverendo inglês sugeriu como crítica ao livro de Malthus, um livro de receita para preparar suculentos pratos com a carne das crianças pobres. Afinal, seria uma maneira adequada ao que vem sendo pregado para controlar a violência, com requintes de crueldade franceses, pobre ao Belle Menuer e pobre ao molho de Alcaparras...
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