O risco Lula e a Colombina
26/07/2002
- Opinión
O Brasil é um país de alto risco para quem mora nele. Basta conferir
os índices de violência (40 mil assassinatos por ano); os edifícios e
condomínios fechados como penitenciárias de luxo; o poder paralelo do
narcotráfico; o número de seqüestros e chacinas; a pobreza e a
miséria que atingem 53 milhões de pessoas.
Quem está fora - e só nos EUA são cerca de 700 mil brasileiros só
vê risco quando pensa em regressar ao país. Exceto os especuladores
internacionais, que não trocam o certo (a sangria de dólares que o
Brasil derrama em seus bolsos) pelo duvidoso (a política econômica de
um eventual governo Lula).
Se Lula for eleito, os especuladores vão se sentir como os viciados
em jogo ao ser fechado o Cassino da Urca, em abril de 1946. Guardada
a roleta, já não podiam arriscar seu dinheiro. No caso dos
especuladores, o verbo correto é multiplicar. Pois no Cassino da
Especulação, viciada é a roleta. Quem aposta muito nunca perde. Ainda
que o próprio cassino abra falência.
Seu Geraldo, meu vizinho em Belo Horizonte, gostava de jogar no
cassino da Pampulha, hoje transformado em Museu de Arte. Apostava
alto e quase sempre ganhava. Anos depois, questionado pelo Macedo,
jogador que sempre perdia, seu Geraldo contou o segredo de sua
aparente sorte: era amigo do crupiê e, em comum acordo com ele, fazia
grandes apostas para atrair outros jogadores. Quem apostava pouco,
como o Macedo, raramente ganhava. Mas seu Geraldo era recompensado
por desinibir os afortunados e dar lucro à casa.
No cassino global, os perdedores blefam. Vide a WorldCom, dona da
Embratel. Registrava despesas como faturamento. É o que faz o governo
FHC: registra como investimentos os empréstimos que toma lá fora.
Isso explica o fato de, desde maio, o Brasil dever, para cada R$ 100
produzidos, R$ 56 aos credores internos e externos. A dívida líquida
total do setor público é, hoje, de R$ 708,4 bilhões, e corresponde a
56% do PIB. É a mais negativa relação dívida-PIB da história do país
(e, diga-se de passagem, que esses 8 anos de governo FHC são o
período em que o Brasil menos cresceu, desde a proclamação da
República).
Na seara dos especuladores, Lula funciona como um espantalho. Lá no
Arizona o pequeno investidor escuta dizer que a economia do Brasil
vai piorar se Lula for eleito. Trata de vender barato os seus papéis
para especuladores que, mais tarde, haverão de vendê-los caro no
mercado.
Se o jogo econômico não é suficiente para reverter o índice de
aprovação à candidatura Lula, parte-se para as arapucas éticas, agora
inclusive com a participação da Polícia Federal: denúncias
infundadas, dossiês forjados, especulações fantasiosas. Na campanha
de 1994, tomei um táxi cujo motorista declarou que não votaria num
candidato que posava de defensor dos trabalhadores mas morava numa
mansão no Morumbi, o bairro mais elegante de S. Paulo. Desafiei-o a
me levar até lá. Caso ficasse confirmado o que ele dizia, eu pagaria
o valor da corrida multiplicado por cinco. Caso contrário, ele nada
me cobraria. Evidentemente, não topou.
O risco não é Lula vencer, é o Brasil continuar refém da alta dos
juros e, agora do dólar; mais endividado que bêbado cunhado de dono
do boteco; com seus índices sociais cada vez mais deteriorados. Não
havia Lula na Argentina, a melhor aluna do FMI, condenada ao buraco.
Se a situação do país vai mal, a culpa é de quem o governou nos
últimos anos. Se não houver mudança, em breve seremos uma Colombina,
misto de Colômbia com Argentina.
Até outubro, ainda há tempo para todos saberem que Lula roubou a taça
Jules Rimet, matou Dana de Teffé, escondeu Elias Maluco, atirou na
prefeitura do Rio e possui fortuna em paraísos fiscais. Assim ficarão
todos com muito medo de ser felizes.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alucinado Som de Tuba" (Ática),
entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/active/2325
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