Plano plurianual
08/06/2003
- Opinión
O PPA 2004/2007 será encaminhado ao Congresso até 31 de
agosto. É a peça-chave do planejamento social e econômico
do governo Lula, desafiado a apresentar soluções à
redução da concentração de renda e riqueza, à exclusão
social, ao desemprego, à reforma agrária e ao aumento de
renda das classes trabalhadoras. Sem enfrentar tais
urgências, será difícil erradicar a fome e a pobreza, o
analfabetismo, o trabalho precoce e a mortalidade
infantil. Não haverá transformações significativas na
estrutura brasileira sem um projeto de desenvolvimento
coordenado pelo Estado indutor do crescimento econômico.
O PPA, como ferramenta desse objetivo estratégico, terá
de detalhar como promover a desconcentração de renda e a
inclusão social, o crescimento ambientalmente sustentável
do emprego e do PIB, a redução das disparidades
regionais, a dinamização do mercado de consumo de massa,
e a diminuição da vulnerabilidade externa através da
expansão de atividades competitivas. A Alca não poderá
significar a venda por um prato de lentilha da soberania
do país. O ministro Palocci esforça-se para assegurar ao
Brasil uma economia estável, capaz de imprimir
consistência fiscal frente ao peso da dívida pública,
inflação baixa e estável, e nas contas externas um saldo
que liberte a nação da camisa de força da política
monetária recessiva e dos impactos de risco provocados
pela oscilação dos fluxos de capitais internacionais. Em
resumo, o PPA nascerá condenado se a economia não se
apoiar na estabilidade fiscal de preços e do comércio
exterior.
À exceção do setor de telecomunicações nos últimos anos,
o Brasil investiu pouco na infra-estrutura. Basta
conferir o estado de nossas rodovias e a crise no setor
aeroviário. Ora, sem redução do custo de transporte fica
prejudicada a competitividade da economia nacional, que
só ganhará fôlego se o governo criar um ambiente
favorável ao investimento privado. Isso implica reduzir o
custo do investimento, da intermediação financeira e a
desoneração dos bens de capital. Sem queda da taxa de
juros não se atinge tais objetivos.
A reformulação da Lei de Falências é um passo nesse
sentido, a ser ampliado por medidas que diminuam o risco
de perda por inadimplência e aumentem a concorrência
entre as instituições financeiras. Da parte do governo,
ele deverá convergir parcela considerável dos gastos
públicos para investimentos, sobretudo em áreas não
priorizadas pelo setor privado. Ressalto aqui a
importância da educação, pois sem recursos humanos
qualificados o Brasil não dará o salto para o
desenvolvimento sustentável.
Se o PPA quiser ser muito mais do que um elenco de boas
intenções fixadas no papel, o governo terá de manter a
taxa de crescimento do consumo abaixo da taxa de expansão
do PIB. Exceto para os setores mais pobres da população.
Eis o desafio central do PPA: elevar a renda e o consumo
dos mais pobres a um ritmo superior ao crescimento da
renda e do consumo dos mais ricos. Além da educação e da
qualificação dos trabalhadores, esse desafio só será
enfrentado com êxito se o governo Lula, via PPA, criar
mecanismos de transferência de renda para os mais pobres
como já ocorre no Fome Zero; estimular a progressividade
da estrutura tributária; reduzir os preços dos bens e
serviços essenciais (como faz com a gasolina);
diferenciar as tarifas de serviços públicos e estimular a
concorrência, reprimindo os monopólios e a concentração
da propriedade, sobretudo a fundiária, assegurando aos
mais pobres o acesso à terra e à moradia de qualidade.
O governo promove hoje uma efetiva transferência de renda
aos mais pobres, através de programas sociais (bolsa-
escola, bolsa-alimentação, auxílio-gás, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), cartão-
alimentação, agente jovem etc.), com os quais gastará
este ano R$ 7 bilhões, beneficiando cerca de 20 milhões
de pessoas. A reforma previdenciária deverá reduzir as
transferências do setor púbico que ampliam a renda dos
mais ricos e, com a reforma tributária, desonerar o ICMS
da cesta básica e aumentar a progressividade do imposto
sobre heranças e doações. A redução dos juros terá
efeitos positivos sobre a distribuição de renda. São os
mais ricos que têm aplicações financeiras e se beneficiam
do pagamento de juros pelo governo. Juros reduzidos
significam restrição da expansão de renda e consumo dos
mais ricos e aumento do consumo de massa. Governar é
escolher prioridades.
Na elaboração do PPA, cada ministério deverá estar atento
às prioridades contidas no programa do candidato Lula
/2002. É preciso enfatizar, além dos mecanismos de
transferência de renda aos mais pobres, a absorção de
mão-de-obra menos qualificada, o consumo de massa, a
elevação dos salários e da qualificação dos recursos
humanos. Enfim, estabelecer um círculo virtuoso, que se
inicie no aumento da renda das famílias trabalhadoras,
ampliando seu poder de consumo, o que provocará novos
investimentos, o aumento da produtividade e da
competitividade e, assim, trará maior renda às famílias
trabalhadoras. O Brasil tem jeito e recursos. Falta
abraçar prioridades e promover mudanças estruturais com
ousadia.
* Frei Betto é autor de "Hotel Brasil" (romance policial
- Ed. Atica), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/active/3836
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