O Equador diante de um divisor de águas

03/10/2010
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Anunciada como uma greve contra algumas medidas contempladas na Lei Orgânica do Serviço Público, a insubordinação do corpo policial acantonado no Regimento Quito nº 1 ocorrida no dia 30 de setembro foi, pouco a pouco, desdobrando-se em uma sincronização de ações com conotações desestabilizadoras que deu fôlego à hipótese de golpe de Estado.
 
Em poucas horas, havia-se configurado um complexo panorama: o presidente Rafael Correa retido em uma instalação policial, a Assembleia Nacional controlada pela guarda de policiais encarregados de sua segurança, a ação de força desse mesmo contingente se estendendo-se a outras cidades, o fechamento do aeroporto da capital por parte de setores da Força Aérea e outros fatos mais orientados a apresentar uma situação de “ingovernabilidade” como pretexto para se pedir a renúncia de Correa. De fato, não faltaram atores políticos que, no Parlamento, anteciparam-se a apresentar demandas nesse sentido.
 
Ainda que com atraso, o pronunciamento do Comando Conjunto das Forças Armadas em respaldo ao ordenamento democrático e, por tanto, ao regime estabelecido, foi um fator chave para frear o curso do levante. A questão é que, mais uma vez, o corpo castrense se converteu em ator político.
 
Precipitações
 
Diante de um acontecimento ainda em desenvolvimento, é sempre difícil chegar a uma caracterização precisa. Isso não impede que se assinale as constantes que se cruzam e que, nesse caso, indicam que se trata de precipitações. Em primeiro lugar, porque desde que Correa chegou ao governo, vem se armando contra ele um movimento conspirativo (com apoios internacionais, certamente) que, pela intensidade que a conjuntura adquiriu, acabou por sair de seu controle com a precipitação de fatos que, no final, significaram um mergulho no vazio.
 
Não menos precipitada foi a decisão de Correa de ir ao foco do conflito. O fato de que tenha saído relativamente ileso (questão que o regime está buscando capitalizar politicamente) não oculta que realmente não se mediram as consequências. No mesmo sentido, este é um ponto utilizado pela oposição para jogar a Correa as responsabilidades sobre o curso que a insurreição tomou.
 
No balanço sobre o ocorrido, um ponto a se destacar é que o levantedesvelou a fragilidade do regime e do processo político que ele incentiva. Foi evidente a demora em reagir de maneira articulada por parte do governo e de seu movimento político. Aspecto que foi suprido pela mobilização espontânea de partidários de Correa e de setores populares organizados que, paulatinamente, foi ganhando presença e força – com a particularidade de que uma boa parte destes últimos agiu reconhecendo que o processo democrático e as conquistas alcançadas estavam em perigo, mas sem deixar de assinalar seus questionamento ao governo.
 
Relações complexas
 
Cabe anotar que as relações do governo Correa com os movimentos sociais vêm se tornando cada vez mais complexas. Em boa parte, porque a opção por uma lógica tecnocrática deixa o fator “participação cidadã” no plano da retórica, e, em outras, por diferenças realmente conceituais de projeto (como o tema extrativista, em relação a organizações indígenas).
 
Mas há um fato circunstancial que se encarregou de complicar as coisas: por disposição da nova Constituição, a Assembleia Nacional está obrigada a aprovar um conjunto de leis consideradas chave. De fato, o tempo estipulado já se esgotou, o que fez com que o organismo adotasse uma extensão de tempo que significou que as leis a ser aprovadas se encavalassem.
 
Setores específicos têm objeções em relação a cada uma delas. Independentemente de serem justas ou não, o fato é que, ao coincidir no tempo, tais setores vêm se reforçando mutuamente em suas ações de protestos. Tanto que a primeira semana de outubro se anunciava tensa porque esses diversos mal-estares coincidiriam em uma mobilização conjunta. A precipitação dos fatos de 30 de setembro parece ter mudado os tempos e cenários.
 
Neste ponto, o regime se encontra diante de um divisor de águas: a rearticulação de alianças estratégicas com os movimentos populares para aprofundar o processo de mudanças ou o acômodo com os setores de poder para que não aconteçam mais ondas desestabilizadoras.
 
- Osvaldo León é jornalista equatoriano e coordenador da Agência Latino-Americana de Informação (Alai)
 
Especial para Brasil de Fato.
 
https://www.alainet.org/pt/active/41434
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