Abril: Tlaxcala a quarta estela (Os rebeldes de sempre)
27/02/2003
- Opinión
Desta vez é a história que move mão e vento para dar
passagem ao próximo mês do calendário. ABRIL, diz mais em
cima, e então, sempre rebelde, aparece uma palavra:
Tlaxcala.
Tlaxcala. De acordo com os dados do INEGI, no ano 2000,
Tlaxcala tinha pouco menos de um milhão de habitantes, e
quase 30 mil maiores de 5 anos falam uma língua indígena.
Sob os céus tlaxcaltecos vivem indígenas Nahuas, Otomíes-
Hñañúes e Totonacos.
Abril: a águia é outra vez nuvem azul que se desloca
sobre o solo de Tlaxcala. Entrando pelo vulcão
Matlaleueyetl (conhecido como "Malinche") a nuvem anda
pelo corredor industrial Apizaco-Xalostloc-Huamanta, sobe
até à cidade industrial de Xicohténcatl, já na lagoa de
Atlonga vira para o sul, rumo ao corredor industrial
Malintzi, e, passando pelo corredor industrial Panzacola,
chega a Cacaxtla. Aí a nuvem se recosta sobre o pico e,
inclinando os olhos, abre o coração a uma história na
qual a rebeldia e a dignidade se confundem nos
calendários de antes e de agora.
Abril. Tlaxcala. Cacaxtla...
No calendário de 1975, os moradores do povoado San Miguel
del Milagro fizeram uma escavação nas ruínas de Cacaxtla
e descobriram a pintura de um rosto humano de cor preta e
com forte influência maia, algo assim como a figura de um
indígena maia com o passamontanhas. O futuro se confundia
assim com o passado.
No calendário da conquista espanhola, o indígena
Xicohténcatl Axayacatzin avisou que os espanhóis não
representavam o retorno de Quetzalcoatl, "que os castelos
flutuantes eram o resultado do trabalho humano, que se
admira porque nunca visto", e prepõe aos quatro senhores
de Tlaxcala "que vejam os estrangeiros como tiranos da
pátria e dos deuses". No fim, a decisão dos governantes
se impôs à visão de Xicohténcatl. Pouco depois, este
tentou convencer os demais a aliar-se a Cuitláhuac, que
acabava de subir ao trono após a morte de Moctezuma.
Hernán Cortés tratou de trazer Xicohténcatl para o seu
lado, mas o rebelde indígena se negou, e então foi preso
e enforcado.
Calendários antes, em meio a sofridas guerras, o
guerreiro tlaxcalteco Tlahuicole, um otomi de Tocoac, de
grande força, preferiu morrer lutando em vez de aceitar o
perdão daqueles que oprimiam o seu povo.
Calendários depois, em 1847, uma das unidades militares
designadas ao castelo de Chapultepec se chamava "Batalhão
Ativo de San Blas" e era comandada pelo tlaxcalteco
Felipe Santiago Xicohténcatl. No dia 13 de setembro de
1847, Xicohténcatl e quase todo o seu batalhão caíram
lutando contra tropas norte-americanas.
"Tlaxcala", dizem alguns, quer dizer "terra do pão de
milho". Mas, para o neoliberalismo, como testemunhado
pela nuvem em seu trajeto, quer dizer "terra das
maquiladoras". Em Tlaxcala, 62% da população do estado
trabalha e vive nas regiões onde estão instaladas as
maquiladoras.
Aqui aumenta a instalação de plantas gigantescas que
"comem" ou subordinam as pequenas. Dessa forma, uma
empresa se instala na cidade e, logo se "desdobra",
mandando seus capatazes instalar nas cidades a sua
própria maquiladora informal, procurando comunidades de
dois mil ou três mil habitantes, pagando salários mais
baixos do que os da cidade, utilizando casas alugadas por
poucos meses, para poder se mover de um lugar a outro.
Uma variante deste fenômeno é que a maquila grande, ou
formal, "compra" ou monopoliza a produção de pequenas
maquilas informais.
Em lugares como Hueyotlipan e Zapata, as empresas entram
com as máquinas e os povoados com as pessoas, inclusive
os pais de família deixam que seus filhos sejam
contratados a partir dos oito anos. Os investidores
entram em acordo diretamente com as famílias, que
oferecem o espaço e os trabalhadores, enquanto o
fabricante põe o salário, a ferramenta e os materiais.
Como no século XIX, os próprios pais de famílias se
tornam capatazes que vigiam o trabalho de seus filhos. Às
crianças pagam $ 70 Pesos por semana, para tirar os fios
do tecido da uma hora da tarde (supostamente quando saem
da escola) às sete da noite. De conseqüência, as crianças
estão ficando desnutridas e deixando o ensino primário.
Como é uma região de alta expulsão de migrantes, as mães
e as crianças têm que se submeter aos caprichos das
maquiladoras para ter alguma renda. Devido à destruição
do tecido comunitário e familiar, há proliferação de
drogas e prostituição.
Em ritmo acelerado, o solo de Tlaxcala se povoa de
maquiladoras... e de resistência contra elas. Porque as
maquiladoras não têm chegado sozinhas.
Por exemplo, ao mesmo tempo em que cresce a contratação
de menores, as organizações sociais detectam um número, a
cada dia maior, de Brigadas de Operações Mistas, postos
de controle, quartéis de diferentes corpos policiais,
etc. Há municípios como Panotla ou Santa Apolônia onde os
enfrentamentos entre a população e os policiais ou os
efetivos do exército federal têm sido abertos. Há bases
desse tipo por todo Tlaxcala: Zacatelco, Ixtacuixtla,
Calpulalpan, Tlaxco, Coapiaxtla e, sobretudo, em San
Pablo Apetatitlán e no trecho de Xostla a Tlaxcala. Agem
abertamente contra as pessoas que se opõem as
maquiladoras.
Em San Pablo del Monte o povo do lugar fechou a rodovia,
o que fez com que a polícia chegasse e baixasse a
repressão. Na empresa Arcomex, na rodovia federal, justo
na entrada do estado de Tlaxcala, onde se fabricam
autopeças para a VW, as trabalhadoras, cansadas de
pertencer ao sindicato pelego da CROC, procuram formar um
sindicato independente, para o qual batalharam a
titularidade do contrato. Naturalmente, o sindicato
pelego enviou bate-paus da própria CROC, que acabaram
perseguindo a polícia - que vigiava para que não
ocorresse um conflito - e poder bater livremente nas
trabalhadoras que desejavam mudar de sindicato. O
"milagre" das maquiladoras, tão querido aos governos e
aos intelectuais de direita, não está na geração de
empregos, mas sim no pesadelo de um círculo viciosos que
permite condições de trabalho que deixariam aflitos os
escravizadores espanhóis. "Se você não aceita trabalhar
sob as minhas condições e com este salário, vou embora
para outro lugar", dizem as maquiladoras. Assim, nos
municípios de Lázaro Cárdenas e Emiliano Zapata existem
oficinas de maquiladoras quase ao estilo colonialista que
produzem sob um regime de superexploração.
Ainda assim, nem tudo é exploração e dominação.
No trecho de Xostla (Puebla) à cidade de Tlaxcala é onde
se concentra a maior parte das terras agrícolas
irrigadas. Os camponeses que aí vivem e trabalham se
opõem terminantemente à instalação de maquiladoras. São
particularmente conhecidos os casos de Santa Apolônia
Teacalco e dos professores da Normal Rural de Panotla.
Estes povoados avisaram que vão resistir ao que for para
defender suas terras irrigadas. Também em Panotla, os
estudantes da Normal Rural têm lutado para que seu centro
de estudos não seja fechado, como quer o estado, e contra
a alarmante militarização do inteiro município, que,
desde 1994, tem sido tomado pelo exército como área
militar.
No município de Apizaco, os moradores têm travado uma
luta de resistência legal e civil pacífica contra o
projeto do Regulamento de Proteção e Viação que, seguindo
o de Los Angeles, Califórnia, imporia um modelo
ditatorial de controle "do trânsito". Contra ele, tanto
motoristas como comerciantes e cidadãos em geral fizeram
uma greve ativa de oito horas.
Em resposta, a PGR mantém uma averiguação prévia com a
qual se procura golpear o movimento.
E o governo? Sentindo-se excluído do Plano Puebla-Panamá
(e do orçamento) Sánchez Anaya lançou o projeto "Grande
Visão" para tratar de se integrar ao "trem da
modernidade". Sete eixos rodoviários atravessam todo o
estado numa cruz norte-sul e leste-oeste, inserindo-o nas
novas dinâmicas. Com seu centro em Apizaco, os ramais
rodoviários do plano Grande Visão ligam todo o território
de Tlaxcala com o eixo industrial da rodovia México-
Puebla e com a cidade de Puebla. Os olhos e as mãos
neoliberais têm todas as intenções de se apropriar do
eixo Puebla-Tlaxcala, que é quarto corredor populacional
mais importante do país. É natural: aqui sobram
consumidores e trabalhadores.
Mas sobra também rebeldia.
Agora, no calendário do ano de 2003, o mês de abril traz
a Tlaxcala o abraço de Emiliano Zapata. E o abraço, o
carinho e o respeito são especiais quando envolvem os
antigos assalariados agrícolas tlaxcaltecos que agora se
mobilizam para exigir o que lhes pertence.
Em meados de janeiro deste ano, um grupo de homens
tlaxcaltecos (220 delegados de comunidades deste estado)
da União de Assalariados Agrícolas Tlaxcaltecos, se
reuniu na Cidade do México no Encontro Nacional dos
Assalariados Agrícolas. São eles a dizerem o que pensam
numa entrevista realizada por militantes da Frente
Zapatista de Libertação Nacional.
Com a palavra, uma rebeldia que não sofre pelo calendário
da idade.
O que é que vocês estão reivindicando?
Hermenegildo: O 10% do convênio binacional feito entre os
governos de 1942; quando Manuel Ávila Camacho era
presidente e o presidente dos Estados Unidos era Truman,
fizeram um convenio binacional em 1942 com os
trabalhadores agrícolas e, em 43, com os ferroviários, e
nele ambos os governos acordaram reter 10% dos salários
que eram ganhos pelos assalariados agrícolas.
Até agora, não conseguimos encontrar nada sobre esse 10%.
Sabemos, sem ter uma informação precisa, a respeito do
Banco West Fargo, que as companhias das fazendas é, que
estavam cuidando deste dinheiro para fazer a
transferência do dinheiro do Banco West Fargo. O
escritório central do Banco West Fargo está em San
Francisco, Califórnia, e mais tarde este dinheiro foi
enviado ao Banco de Crédito Agrícola. Em seguida, ele [o
banco] desapareceu e lhe deram o nome de Banco de Crédito
Rural. De forma tal que é assim que sabemos que o
dinheiro chegou, mas, até agora, tanto o governo, como
até mesmo quando fomos a uma agência em um banco de
Puebla, nos disseram quer foi culpa nossa. Que se não nos
deram nossos trocados foi porque não chegamos a tempo,
mas para todos os efeitos, em nenhum momento o governo se
deu ao trabalho de divulgar isso pelo rádio e pela
televisão.
Então, o nosso protesto é para isso. Agora, pedimos ao
governo federal, junto à Assembléia Legislativa, que nos
dêem estes trocados, que tirem a venda dos olhos e limpem
os ouvidos. Que se faça justiça e que nos dê o fundo de
poupança de 10% que deixamos de 42 até 64. Então, não se
façam de desentendidos. Fox, de uma maneira ou de outra,
como cada presidente da República, creio que ele faz um
inventário de tudo e que ele tem conhecimento do que
existe e do que não existe no país. Queremos sim, que não
se façam de bobos, que atendam nossa reivindicação. Que
se dê pra nós, o quanto antes, o 10% desse fundo de
poupança que deixamos.
Pedro: Que se respeite o justo. Reivindicamos o justo que
pertence a cada assalariado agrícola. Que se faça justiça
para o trabalhador que se esfola debaixo do sol, e como
diz um ditado vulgar, "a rachar o couro" e dar parte de
sua vida para atender às necessidades de sua família e
que eles façam isso por nós. Se eles pagam as empresas
que têm tirado dinheiro, por que não nos pagam? Só têm
pagado o dinheiro a um punhado de pessoas, e a nós que
somos muitos não nos pagam. Reivindicamos o justo.
Ignácio: Como membro representante dos treze, o que
procuramos é a unificação a nível nacional de todos os
assalariados agrícolas; todos nós que fomos prestar
nossos serviços aos Estados Unidos pela Convenção
Bilateral de ambos os governos, e pela qual estamos
reivindicando o que nos pertence, que é o 10%, e não há a
menor condição de dar isso por esquecido, de que esqueçam
dos nossos direitos ou que se anulem nossos direitos. O
que reivindicamos é um dinheiro justo, é o patrimônio das
famílias. E não concordamos com o fato de que todos os
políticos estejam enchendo os bolsos às nossas custas. Já
não queremos depender de nenhum partido. Nós queremos uma
luta justa e temos bases para cobrar o que nos pertence.
Muito obrigado.
Que opinião vocês têm das políticas dos governos?
Alejandro: Sou um dos representantes que integram o grupo
de assalariados agrícolas tlaxcaltecos e o nosso
compromisso de hoje, 18 de janeiro, foi de reunirmo-nos
com os grupos dos demais estados para chegarmos a um
acordo quanto a algumas mobilizações que nós tlaxcaltecos
temos pensado fazer. Sou um dos ex-assalariados
agrícolas. Conheço todos os maus tratos e todos os
problemas que tivemos naqueles tempos. Inclusive, nossos
governantes daqui há anos continuam vivendo como reis,
continuam saqueando o país e fomos nós que levantamos
esse país com o nosso trabalho nos Estados Unidos.
Quanto ao dinheiro, se pagavam 25 dólares para cada
assalariado agrícola, que, como nós, saía para os Estados
Unidos, e, fora isso, se tirava um 10% que depois nos
seria devolvido, talvez como se fosse uma aposentadoria
ou algo parecido. O contrato dos assalariados agrícolas
acabou, os acordos que os governos tinham, e eles nos
devem 10% que nós depositamos lá, de 1942 a 1964, pelo
nosso trabalho, isso além dos juros. O que pedimos ao
senhor Fox, à Secretaria de Governo ou às instituições
para o caso, que se faça justiça, que nos dê o que é
nosso. Não queremos nada de presente, nem queremos tirar-
lhes nada. Queremos simplesmente que nos devolva o que
nos pertence, que se faça justiça porque no estado de
Tlaxcala somos cinco mil assalariados agrícolas, temos
nossa documentação legal, temos documentos com os quais
comprovar que estivemos trabalhando e labutando nos
Estados Unidos. Temos contratos, temos vistos de
permanência e outros documentos que comprovam nossa
permanência nos Estados Unidos.
A partir de hoje, vamos começar algumas mobilizações.
Eles têm nos enganado, sobretudo o senhor Sergio Acosta,
que é deputado federal do PRD que ia nos fazer justiça no
final de dezembro último. Ele é que foi encarregado disso
pelo senhor Fox há dois anos, três anos, foi encarregado,
diz ele, de assumir a nossa questão. Ele evitou que nos
mobilizássemos, senão já teríamos saído às ruas há um bom
tempo. Mas ele nos disse que já tinha acertado com o
senhor Santiago Creel uma parcela para este mês de
dezembro quando iam solicitar no orçamento que nos
devolvessem o que nos pertence. Este senhor Sérgio Acosta
mentiu para nós, nos enganou, e por isso nós, como dizem
os companheiros, não acreditamos em nenhum político, não
acreditamos nos partidos. Não nos interessam os partidos,
sejam da cor que forem. O que queremos é que se faça
justiça e a partir de hoje vamos fazer um acordo a nível
nacional com os ex-assalariados agrícolas e vamos fazer
nossas mobilizações. Estamos dispostos a chegar até às
últimas conseqüências. Não vamos esperar. Já somos
velhos, doentes. Outros já não estão vivos, outros
companheiros estão enfermos, e o que nos interessa é que
o nosso governo nos faça justiça. O que vão nos dar que
seja de uma vez, e já. Estamos dispostos a sair às ruas.
Nada como presente, nada como dado, mas sim que se dê a
nós o que nos pertence, o que é nosso.
Como organizam toda a experiência que vocês têm, todos os
anos de luta que carregam, para sair desta opressão que
padecem já como pessoas idosas?
Alejandro: Vejo que o problema do país, do México, não
são os governantes: somos nós mexicanos que nunca
soubemos exigir. Infelizmente, desde que fomos
escravizados pelo jugo espanhol que nos manteve escravos
por 450 anos, daí que já trazemos isso como herança.
Nossos antepassados têm nos criado de uma forma pela qual
temos que respeitar sempre o governante, temos que
respeitar o patrão e isso tem sido um erro. Não sabemos
ler, não sabemos comprar livros, pelo fato de que também
não temos dinheiro suficiente. Queremos que nossos filhos
estudem, e não nós. E, francamente, nem a nós, nem a
nossos filhos se dá informação nas escolas a não ser
somente alguns livros, de alguns escritores. Alguns de
nós já não estão vivos para dizerem as verdades sobre o
que os governos fazem. Mas se você lê, se dá conta de que
o governo tem saqueado, como é o caso, por exemplo, do
senhor Echeverria, do senhor López Portillo, do senhor
Carlos Salinas do Gortari, do senhor de la Madrid. Há
livros que estão escritos, têm passado pelas minhas mãos,
agora não lembro os autores, mas eles falam que para se
equiparar aos 450 anos em que fomos escravos dos
espanhóis, bastaram quatro funcionários de descendência
espanhola; o que os espanhóis não puderam fazer em 450
anos, levou só 24 anos para estes quatro descendentes de
espanhóis saquearem o país e nos deixar numa ruína
infame. Por isso, eu não acredito nos partidos e estamos
dispostos a pedir e a exigir do governo que nos dê o que
nos pertence. Nossos 10% mais os juros. E vamos lutar
como idosos com nossos companheiros de mais idade e todo
o mais, vamos ensinar aos moleques que agora sim já
sabemos bem que estamos roubados, desculpe a palavra. Já
foi o tempo em que ficavam com o pé no pescoço. Eles têm
feito isso desde os nossos avôs, desde nossos
antepassados e conosco durante a nossa juventude, mas nós
nos demos conta de que estamos vivos ainda e que dá tempo
ainda de fazermos alguma coisa para nossos filhos, para
nossos netos nos dias que virão. Estamos dispostos a
tudo.
Felipe: Tenho visto com tristeza, senhorita, a situação
em que vive a maioria daqueles que, como nós, são
assalariados agrícolas que foram para os Estados Unidos.
Seja por nossa ignorância, seja por falta de
conhecimentos, é disso que as autoridades têm se
aproveitados para nos ignorar. Temos sofrido em formas
que raramente eles têm visto. Eles têm visto a vida de
uma forma muito diferente, e têm abusado da nossa
ignorância, do nosso escasso conhecimento. Naquele tempo
dizíamos que se eles tivessem só um pouquinho de
compaixão, só um pouquinho de sentimento para a gente que
sofre, a gente que chora e que morre na esperança de
encontrar um bom governo que sinta os anseios e os
sofrimentos do povo. Muito tempo atrás, tivemos uma
inquisição: 400 anos em que os espanhóis dominaram nossos
antepassados e viveram como reis. Infelizmente,
ultimamente tivemos algo que se parece com aqueles tempos
da inquisição em que somente alguns têm a sorte de viver
como reis, de desfrutar de tudo e ter de tudo, enquanto o
pobre vive a duras penas e nos sofrimentos, e morre na
esperança de que tenha algo no amanhã, não para ele: para
seus filhos. Mas à medida em que os anos passam acontece
o contrário. As autoridades são vorazes, as autoridades
abusam, e os que não têm estudo, porque a maioria de nós
naquele tempo foi para os Estados Unidos, continuam sem
estudo, sem estudo. Porque a maior parte de nós tem só o
primário. Não tivemos outros conhecimentos nas letras. As
pessoas preparadas, as pessoas que têm estudo abusam
desta nossa ignorância. E é isso que dá tristeza, que o
nosso México que tem de tudo seja humilhado, seja
saqueado por uns poucos que sabem mais do que nós. Hoje,
que estamos começando uma luta, nós na nossa velhice -
porque a maior parte de nós está entre os 70 e os 100
anos de vida - é isso que estamos ansiando: que o governo
tome consciência daquela velhice, que tome consciência
daqueles homens que sofrem. Vemos a carga que entregamos
a nossos filhos com a nossa velhice. Nossas forças têm
acabado; as portas do trabalho têm se fechado porque
nossas forças já não dão pra trabalhar. É este o
movimento que desejaríamos que o governo levasse em
consideração. Nós sabemos respeitar. Nós amamos o
respeito, o diálogo, a compreensão, e sabemos sentir amor
pela pátria que nos viu nascer. É isso que queria que
sentissem todos os que estão lá em cima: amor pela pátria
que os viu nascer e não abusar da pátria que os viu
nascer. Que Deus ilumine alguma pessoa que amanhã venha
lhe fazer sentir e ver que seus irmãos sofrem, e que não
pense que ele vai ser eterno, que nesta vida somos todos
mortais, e que mais cedo ou mais tarde, afinal somos
iguais. Mas há a cobiça de muitas pessoas que, mesmo
sendo de baixo, saindo do nada, têm se enaltecido e se
esquecem de sua origem, de onde eles nasceram. Oxalá Deus
nos ilumine e nos proteja para podermos ganhar esta luta
que acabamos de mencionar e na qual, na velhice, estamos
nos unindo, e isso pode servir para o amanhã de nossos
filhos, para que eles façam o mesmo de ir se juntando, de
ver que amanhã podem ter uma vida melhor da que nós
temos.
Há algo mais que queiram comentar sobre o seu movimento?
Hermenegildo: No começo, em 99, nasceu este movimento,
esta luta, em Tlaxcala porque em 99 chegou até nós a
notícia de um senhor, um companheiro nosso foi ao estado
da Califórnia, e daí um filho foi pra rua e na sua volta,
por coincidência, comprou o jornal onde se tornava
manifesto ou se publicava a questão dos 10%, e insistia
no fato de que já haviam mandado este dinheiro, que o
banco que o havia retido, o Banco West Fargo, havia
mandado o dinheiro para o México. Que fossemos cobrar
estes trocados. Foi este o primeiro passo que demos.
Começamos a divulgá-lo. No ano 2000 tivemos uma audiência
pública com o governador de Tlaxcala. Antes estivemos com
um deputado do PRD, mas não obtivemos nada. Finalmente,
já em 2002, chegamos com a companheira Luz Maria, e assim
já estamos com 3 anos de luta incansável. E foi através
de uma coletiva de imprensa que conseguimos divulgar
isso. Começamos em 6, depois chegamos a 60. Hoje somos 5
mil graças à nossa luta, á nossa insistência e a
paciência que tivemos. Em 2002, o deputado federal Sergio
Acosta havia nos feito uma proposta de 5 mil dólares cada
um, e finalmente disse que no mês de dezembro os
deputados federais iriam realizar uma sessão e que, ao
chegarem a um acordo, teriam que nos perguntar se
concordávamos com o que haviam acordado. Isso tudo foi
uma mentira porque nunca mais soubemos dele. Fui a San
Juan no dia 15 de novembro e os companheiros o viram
muito angustiado, a tal ponto que ele não queria pegar o
microfone, e quando os meus companheiros pegaram o
microfone para que um companheiro assalariado rural
falasse, se ofendeu e o deixou assim, com a palavra na
boca. Não deu atenção e nem escutou. Sim, nos incomoda
que sendo ele um deputado federal, um representante a
nível nacional, ele não tenha palavra.
Desejamos que haja mais seriedade, mais formalidade e
mais respeito para conosco. Por isso estamos em luta e
esperamos que não fiquem adiando isso, porque estão
adiando as coisas e não há porque já que sabem que este
fundo existe. Que dêem o que pertence a cada um de nós,
conforme o direito e de acordo com os contratos de cada
companheiro. Que isso não demore mais, que não passe
deste ano. Porque dizem que foi Sergio Acosta quem
sugeriu que se formasse a comissão de 18 deputados
federais para dar prosseguimento à investigação sobre o
fundo. Ele fez a proposta em 99. No ano 2000 se instituiu
a comissão. Já estamos em 2003 e não aconteceu nada,
quando eles estão de portas abertas. Nós pedimos apoio,
batemos nas portas e eles as fecham, eles vão e nos
fecham a porta. Queremos que nos digam a verdade e nada
mais do que a verdade.
"Já foi o tempo em que ficavam com o pé no pescoço". É
algo que se parece com um "Basta" destes tlaxcaltecos que
farão uma passeata erguendo sua dignidade rebelde pelas
ruas da Cidade do México, neste 6 de fevereiro do ano de
2003.
Com eles irão marchar Xicohténcatl, Tlahuicole e Zapata,
porque em Tlaxcala a história e os calendários se
entrelaçam, é verdade, mas sempre marcam rebeldia...
Das montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, janeiro de 2003.
________________
Este comunicado foi divulgado no La Jornada de 05 de
fevereiro de 2003.
EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.
15 de fevereiro de 2003.
Irmãos e irmãs da Itália rebelde:
Recebam a saudação dos homens, mulheres, crianças e
anciãos do Exército Zapatista de Libertação Nacional.
Nossa palavra se faz nuvem para atravessar o oceano e
chegar aos mundos que estão em vossos corações.
Sabemos que, hoje, no mundo inteiro se realizam
manifestações para dizer "NÃO" à guerra de Bush contra o
povo do Iraque.
E isso tem que ser dito assim, porque não é uma guerra do
povo norte-americano, nem é uma guerra contra Saddam
Hussein. É uma guerra do dinheiro, que é representado
pelo senhor Bush (talvez para enfatizar que lhe falta
qualquer inteligência). E é contra a humanidade, cujo
destino hoje está em jogo nas terras do Iraque.
Esta é a guerra do medo.
Seu objetivo não é derrotar Hussein no Iraque. Sua meta
não é acabar com a Al Qaeda. Tampouco procura libertar o
povo iraquiano. Não são a justiça, a democracia e a
liberdade a dar vida a este terror. É o medo que a
humanidade inteira se negue a aceitar um policial que lhe
diga o que deve fazer, como deve fazê-lo e quando deve
fazê-lo.
O medo de que a humanidade se negue a ser tratada como um
botim.
O medo desta essência do ser humano que se chama
rebeldia.
O medo de que os milhões de seres humanos que hoje se
mobilizam no mundo inteiro triunfem ao levantar a causa
da paz.
Porque as bombas que serão lançadas sobre o território
iraquiano não terão como vítimas só os civis iraquianos,
crianças, mulheres, homens e anciãos cuja morte será só
um acidente no atropelado e arbitrário passo de quem
invoca Deus, ao seu lado, como meio para reduzir a
destruição e a morte.
Quem encabeça esta estupidez (que é apoiada por
Berlusconi, na Itália, Blair, na Inglaterra, e Aznar, na
Espanha), o senhor Bush, comprou com dinheiro o poderio
que pretende despejar sobre o povo do Iraque.
Porque não temos que esquecer que o senhor Bush está como
chefe da auto-proclamada polícia mundial graças a uma
fraude tão grande que só pôde ser ocultada pelos
escombros das Torres Gêmeas em Nova Iorque e pelo sangue
das vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001.
O governo americano não se importa nem de Hussein, nem do
povo iraquiano. O que lhe importa é demonstrar que pode
cometer seus crimes em qualquer lugar do mundo, a
qualquer momento e que pode fazer isso impunemente.
As bombas que cairão no Iraque procuram cair também em
todas as nações da terra. Querem cair também nos nossos
corações e universalizar assim o medo que carregam dentro
de si.
Esta guerra é contra toda a humanidade, contra todos os
homens e mulheres honestos.
Esta guerra procura fazer com que tenhamos medo, que
acreditemos que aquele que tem o dinheiro e a força
militar tem também a razão.
Esta guerra pretende fazer também com que nos encolhamos,
que façamos do cinismo uma nova religião, que fiquemos
calados, que nos conformemos, que nos resignemos, que nos
rendamos... que esqueçamos...
Que esqueçamos Carlo Giuliani, o rebelde de Genova.
Para os zapatistas, nós homens somos o que nossos mortos
sonham. E hoje nossos mortos sonham um "não" rebelde.
Para nós só há uma palavra digna e uma ação coerente
diante desta guerra. A palavra "não" e a ação rebelde.
Por isso é que devemos dizer "não à guerra".
Um "não" sem condições nem porém.
Um "não" sem meias medidas.
Um "não" sem cinzas que o manchem.
Um "não" com todas as cores que pintam o mundo.
Um "não" claro, redondo, contundente, definidor, mundial.
O que está em jogo nesta guerra é a relação entre o
poderoso e o fraco. O poderoso é assim porque nos faz
fracos. Alimenta-se de nosso trabalho, de nosso sangue.
Assim, ele engorda e nós definhamos.
Nesta guerra, o poderoso invocou Deus do seu lado, para
que aceitemos seu poderio e nossa debilidade como algo
estabelecido como desígnio divino.
Mas, por trás desta guerra não há outro deus que não seja
o deus do dinheiro, nem outra razão a não ser o desejo de
morte e de destruição.
A única força do fraco é a sua dignidade. Ela o anima a
lutar para resistir ao poderoso, para rebelar-se.
Hoje, tem um "não" que enfraquece o poderoso e fortalece
o fraco: o "não" à guerra.
Alguém se perguntará se a palavra que convoca tantos no
mundo inteiro será capaz de evitar a guerra ou, já
iniciada, de detê-la.
Mas a pergunta não é se poderemos mudar o rumo assassino
do poderoso. Não. A pergunta que nos deveríamos fazer é:
podemos viver com a vergonha de não ter feito o possível
para evitar e deter esta guerra?
Nenhum homem e mulher honestos podem permanecer calados e
indiferentes neste momento.
Todos e todas, cada um com seu tom, do seu jeito, com sua
língua, com sua ação, todos não devemos dizer "não".
E se o poderoso quer universalizar o medo com a morte e a
destruição, nós devemos universalizar o "não".
Porque o "não" a esta guerra é também um "não" ao medo,
"não" à resignação, "não" ao esquecimento, "não" a
renunciar a sermos humanos.
É um "não" pela humanidade e contra o neoliberalismo.
Desejamos que este "não" ultrapasse as fronteiras, que
burle as alfândegas, que supere as diferenças de língua e
de cultura, e que possa unir a parte honesta e nobre da
humanidade que sempre, não devemos esquecê-lo, será a
maioria.
Porque há negações que unem e dignificam. Porque há
negações que unem e fortalecem homens e mulheres no
melhor de si mesmos, ou seja, na sua dignidade.
Hoje, o céu do mundo fica cinzento de aviões de guerra,
de mísseis que se autodenominam "inteligentes" só para
oculta a estupidez de quem os manda e de quem, como
Berlusconi, Blair e Aznar, os justificam, de satélites
que assinalam os pontos onde há vida e haverá morte.
E o solo do mundo se mancha de máquinas de guerra que
pintarão a terra de sangue e vergonha.
A tormenta vem vindo.
Mas só vai amanhecer se as palavras feitas nuvem para
atravessar as fronteiras se transformarem em um "não" de
pedra e abram uma fenda na escuridão, uma fissura pela
qual se possa fazer passar o amanhã.
Irmãos e irmãs da Itália rebelde e digna:
Aceitem este "não" que nós zapatistas, os mais pequenos,
lhes mandamos do México.
Permitam que o nosso "não" se irmane ao seu e a todos os
"não" que hoje florescem em toda a terra.
Viva a rebeldia que diz "não"!
Morra a morte!
Das montanhas do sudeste mexicano.
Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando
Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional,
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, fevereiro de 2003.
https://www.alainet.org/pt/active/4298
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