República das bananas, das armas e das palmas

24/10/2011
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De um lado a luta por terra e soberania alimentar; de outro, latifundiários da palma africana em busca do lucro. Diante do conflito agrário no Vale do Aguán, governo reage com mais militarizaçã.
 
Colón (Honduras).- Muita gente não sabe, mas o termo “República das Bananas” – tão usado para descrever pejorativamente um país, geralmente latino-americano, de situação política “instável” – foi criada pelo escritor estadunidense Willian Sydney Porter para se referir a Honduras.
 
Porter viveu nesse país centro-americano em princípios do século 20, quando a economia hondurenha era dominada pela banana, cujo cultivo estava concentrado nas mãos de empresas transnacionais que interferiam não só na infraestrutura como na vida política do país.
 
Passado um século, se substituirmos a banana pela palma africana (o dendê), a situação de Honduras não mudou muito. Hoje, o país produz mais de 300 mil toneladas anuais de óleo de palma, sendo 70% destinadas à exportação. São 120 mil hectares cultivados, localizados, em sua maioria, nos departamentos de Atlántida e Colón, especialmente no Vale do Aguán, no norte do país.
 
A maior parte dessa produção está sob controle do latifundiário Miguel Facussé, dono da Corporación Dinant, a quem os camponeses chamam de “palmeiro da morte”. O empresário é considerado pela mídia local um dos “donos do país”. E, pelos movimentos sociais do país, um dos principais articuladores do golpe de Estado contra o ex-presidente Manuel Zelaya, em junho de 2009.
 
Apesar de o principal subproduto da palma africana ser a gordura vegetal, a produção de agrocombustível a partir do dendê está no horizonte dos empresários do setor. A posse da nova embaixadora estadunidense, Lisa Kubiske, especialista em agrocombustíveis, e as frequentes declarações do ex-presidente Rafael Leonardo Callejas e de Miguel Facussé quanto à urgência na expansão da palma ao patamar de 500 mil hectares, apontam para um processo de maior injustiça e violência ao povo hondurenho, avaliam os movimentos sociais.
 
“Modernização agrícola”
 
É justamente no Vale do Aguán onde atualmente ocorre um cenário de guerra, militarização, grilagem de terras e assassinatos. Desde o golpe de Estado de 2009, intensificou-se a repressão e cerca de 50 trabalhadores rurais perderam a vida na região. Por um lado, os movimentos camponeses querem recuperar as terras que antes eram destinadas à reforma agrária, que teve seu auge nos anos 1970, com a colonização da região do Aguán. Por outro, empresários querem mais terras, apoiados pela Lei de Modernização e Desenvolvimento Agrícola, de 1992.
 
olores Piñera, trabalhadora rural da comunidade de Marañones, em Colón, lamenta a situação e relembra a importância da região para a soberania alimentar do país. “Queremos recuperar as terras que eram nossas. Se não temos terra, de que vamos viver? Além disso, essa é uma zona produtora de grãos básicos. Produzimos não só para nós, mas também para o país. Para que toda essa violência? Aqui, ser camponês é considerado um crime”, lamentou.
 
A Lei de Modernização Agrícola, criada pelo governo neoliberal do nacionalista Rafael Callejas, gerou condições para retomar o processo de concentração de terra, tendo como foco a expansão da monocultura palmeira – que era defendida por ser um cultivo resistente às inundações comuns na região.
 
Gilberto Ríos, diretor da Fian (Organização Internacional pelo Direito a Alimentação) em Honduras, explica que, a partir dessa lei, o governo fez uma campanha para que os camponeses beneficiados pela reforma agrária vendessem suas terras. “O próprio Instituto Nacional Agrícola [INA] se dedicou a vender as terras dos camponeses às transnacionais. Isso gerou cooptação e corrupção. Muitos trabalhadores venderam suas terras, asfixiados pela corrupção entre líderes camponeses”, explicou.
 
Segundo ele, agora conscientes da falta de soberania alimentar e da pobreza que assola o meio rural no país, os pequenos agricultores iniciaram um processo de recuperação dessas terras. “Para nós hondurenhos, milho e feijão são fundamentais, vêm da nossa cultura indígena. E passamos a ter que importar esses grãos para garantir a demanda”, disse.
 
Atualmente, Honduras deixou de ser um dos principais produtores de grãos básicos da América Central para produzir somente metade das suas necessidades. Dados do Banco Central de Honduras indicam que durante o ano de 2010 o país importou 117 milhões de dólares em produtos do reino animal e 309 milhões por produtos do reino vegetal.
 
Três operações militares
 
O evento Honduras is Open for Business (Honduras está aberta aos negócios), promovido pelo governo hondurenho em abril deste ano, o convidado de honra Álvaro Uribe, ex-presidente da Colômbia, deu um recado aos empresários nacionais e internacionais. Segundo ele, era preciso investir ainda mais no cultivo da palma africana, com o fim de produzir agrocombustível, e numa política de “segurança cidadã”.
 
Na análise do dirigente da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) de Colón, Wilfredo Paz, a repressão contra os camponeses que reivindicam terra aprofundou-se depois da visita de Uribe ao país, o que estaria refletindo numa “colombianização” de Honduras. “A terra do Aguán tem uma importância estratégica para os empresários da palma. A partir da participação de Uribe no evento, Miguel Facussé disse que não estava mais disposto a renegociar as terras com os camponeses”, afirmou.
 
Diante do verdadeiro campo de batalha que se desenvolveu na região, o governo anunciou, em agosto deste ano, a operação Xatruch II, que já enviou um efetivo de cerca de mil militares e policiais para o local. Desde o início da militarização, três dirigentes camponeses morreram, entre eles o presidente do Movimento Autêntico Camponês do Aguán (Marca).
 
“Essa operação conta com militares que foram ao Iraque, para comparar o Vale do Aguán com aquele país”, denuncia Paz. “Usam a desculpa de que os camponeses são guerrilheiros, e que, inclusive, há estrangeiros treinando-os. O que não é verdade. Se os irmãos camponeses não têm nem o que comer, imagina pra comprar uma arma de grosso calibre”, conclui.
 
Wilfredo Paz explica que outros dois efetivos militares já haviam sido enviados à região desde que se intensificaram os processos de recuperação de terra, em 2009. De acordo com o dirigente, a primeira ação, denominada operação Trueno (trovão), de março de 2010, foi amenizada por denúncias e pela pressão internacional. “Já a segunda militarização, a operação Tumbador [derrubador], de junho do ano passado, veio mais organizada. Fizeram muitos despejos e ainda veio integrada com um contingente de inteligência militar que começou a levantar os perfis dos líderes camponeses, e, depois, dos dirigentes da FNRP”, afirma.
 
Paz denuncia que esse levantamento de perfis fortalece a segurança privada dos latifundiários. “Enquanto o movimento campesino negociava com o governo para acabar com os conflitos, os empresários fortaleciam um grupo paramilitar, dispostos a não ceder nem um centímetro de terra”.
 
Diante da terceira militarização na região do Baixo Aguán desde o golpe de Estado, organizações camponesas, negras, indígenas e populares realizaram o Encontro contra a Militarização, Ocupação e Repressão em Honduras, entre 30 de setembro e 2 de outubro, na cidade de Tocoa, departamento de Colón. Durante o período em que ocorria o evento, mais dois camponeses foram assassinados. Uma das definições do encontro foi a realização de um acampamento permanente de direitos humanos na região. A ideia é a de que haja a presença constante de observadores internacionais, com o objetivo de inibir as ações dos militares e pistoleiros.
 
Comunidade de Rigores
 
Em 19 de setembro, Santos Bernardet Cruz Aldana, de 16 anos, consertava sua bicicleta em frente a sua casa, na comunidade de Rigores (Aguán), quando cerca de 15 militares fardados o sequestraram. Na semana anterior, havia acontecido uma ocupação de terra na região e os militares estavam “em busca de informação”. De acordo com o relato de Santos Aldana, os homens fardados utilizaram técnicas de tortura para conseguir seus objetivos.
 
“Tiraram minha camisa e meus sapatos. Com o cadarço do sapato amarraram minhas mãos. Me bateram. Colocavam um saco plástico na minha cabeça. Depois jogaram gasolina no meu corpo e disseram que iam me queimar”, relatou o jovem que, desde então, não pôde voltar à sua casa e se encontra escondido.
 
Segundo o jovem agricultor, os militares perguntavam por armas e nomes e o acusavam de guerrilheiro. Durante cerca de uma hora de tortura física e psicológica, Santos viveu momentos de terror. Enquanto alguns militares o ameaçavam queimar vivo, outro sugeria: “aí no cemitério tem uma fossa vazia, vamos enterrá-lo vivo”. Outro dizia: “amarramos umas pedras em sua cintura e jogamos no rio Aguán”. Logo depois, Santos foi levado a um posto policial e, no dia seguinte, foi liberado – não sem antes receber mais uma ameaça: “dessa vez só te capturamos, na próxima vamos te matar”.
 
A comunidade de Rigores encontra-se em uma fazenda que pertence à Standart Fruit de Honduras, empresa produtora de banana desde início do século passado. Nela já assassinaram dois camponeses. Desde que o Movimento Camponês de Rigores (MDR) tomou essa terra, há 11 anos, os habitantes locais sofreram cinco despejos. No último, dia 24 de julho, queimaram diversas casas e as unidades escolares. Nem a igreja foi poupada.
 
Matéria publicada no Jornal Brasil de Fato, edição 450, de 13 a 19 de outubro de 2011
 
 
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