Uma experiência que mostra a força da autogestão
08/07/2012
- Opinión
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No município de Meanguera, onde se assenta a Comunidade Segundo Montes, as extorsões que afetam a economia dos pequenos e medianos comércios no restante do país são inexistentes. As gangues também. A Segundo Montes contrasta com o resto das comunidades rurais do país não somente nos baixos níveis de violência, mas também na presença de diversas instituições cuja origem se remonta aos inícios da guerra, quando milhares de pessoas tiveram que se exilar no vizinho departamento de Colomoncagua em Honduras para fugir dos massacres perpetrados pelos militares nos anos oitenta.
No acampamento, os refugiados, na sua maioria mulheres, crianças e anciãos, começaram um dinâmico processo de autoeducação: formaram seus próprios educadores populares para alfabetizar adultos e crianças, se organizaram para proteger e garantir a sobrevivência dos mais vulneráveis, e com ajuda da cooperação internacional, instalaram diversas oficinas onde aprenderam metalurgia, costura, sapataria, artesanato, mecânica e se tornaram a base social da guerrilha fornecendo-lhe roupa, sapatos e comida.
De lá, voltaram no meio da guerra com um forte senso de coletividade e com o objetivo de estabelecer indústrias baseadas nos ofícios aprendidos no refugio. Buscavam a autossustentabilidade da comunidade e a manutenção das diversas instituições de proteção social, mas o retorno a um El Salvador neoliberal, o descaso dos governos de direita e a sabotagem de alguns comandantes de médio escalão da própria guerrilha levaram as fábricas à falência.
Apesar do prejuízo econômico, o cenário da Segundo Montes é único no país: uma rede de instituições que garantem o desenvolvimento da comunidade, duas bibliotecas, um centro de anciãos, creches, centros de reabilitação para ex-combatentes, escola de música, centros e organizações de jovens. No entanto, a comunidade não está fora do contexto generalizado de desemprego estrutural e ameaças a soberania alimentar causados pela forte abertura comercial de 20 anos de neoliberalismo e muitas das suas instituições dependem da cooperação internacional, que começou a se reduzir com a crise europeia.
Os habitantes da Segundo Montes e da região norte de Morazán se encontram em uma situação de vulnerabilidade social e alimentar. Muitos participam dos programas sociais criados pelo governo da Frente Farabundo Martí para La Liberación Nacional, ex-guerrilha que em 2009 assume o poder executivo após 17 anos de legalidade. Oito são os programas sociais que o governo de Mauricio Funes, atual presidente da república, focalizou na população mais desfavorecida e que de forma imediatista, atenuam os impactos da abertura comercial.
Os problemas estruturais da economia salvadorenha não têm sido encarados frontalmente pelo governo da FMLN. A cesta básica, os serviços de água, energia e gás continuam a aumentar enquanto se deterioram os salários e diminui a oferta de empregos de qualidade, jogando milhares de pessoas na informalidade. Ao invés de promover uma mudança na política fiscal que permita a arrecadação de impostos das classes dominantes, cujos lucros permanecem intocáveis, o governo da FMLN optou pela via que sempre criticou enquanto partido de oposição: o endividamento externo para manter os programas sociais e subsídios. A dívida externa teve um aumento de 2,5 milhões de dólares, com relação ao que herdou do governo anterior, de direita, e chega a 13 bilhões de dólares.
Perante a insustentável situação limite na qual o país se encontra, a experiência histórica da Comunidade Segundo Montes aponta para uma alternativa ao horizonte colocado pelo sistema do capital. Apesar de que muito se perdeu no pós-guerra, elementos para a construção de uma sociabilidade que supere os defeitos estruturais do capital, como a eliminação de hierarquias, o trabalho coletivo e a autogestão, se encontram ainda latentes na comunidade.
- María Gabriela Guillén é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da FCLar/Unesp. http://www.brasildefato.com.br/node/10049
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